Quando ela saiu correndo pela porta da cozinha, foi como se tivesse levado com ela toda aquela emoção do beijo, todo o calor do ambiente, todo o frio na barriga que as mãos dela nos meus ombros me provocavam. Foi como se minhas chances de tê- la corressem porta à fora e eu não pudesse correr atrás porque as chances se assustariam e eu teria ainda menos maneiras de obtê- las de volta.
- O quê aconteceu aqui, Markus? Ouvi grito se... Melhor limpar.- Ele disse quando viu a cozinha naquele estado.- Por que ela saiu correndo? Por acaso você fez aquilo que eu disse para não fazer?
- Se você está se referindo a beijá- la, então sim. Eu fiz isso.
- Markus, você é muito idiota. Por favor, repita oque eu te disse...
- "Não a beije antes que ela tome iniciativa, ela vai achar você um safado corrompido e,por favor, não agarre a cintura dela e blá, blá, blá..."
- Então você lembra e não cumpriu minhas expectativas?
- E você por acaso pensa em alguma coisa quando vê lábios extremamente próximos ao seu? Por acaso a única coisa que te ocorre é beijar esses lábios? E, por acaso mesmo, os lábios correspondem seus movimentos e a única coisa que passa pela sua cabeça é continuar e encostar nela ao máximo porque pode nunca mais se repetir? Se a resposta for "não" para a primeira e "sim" para o resto, então você realmente é meu pai.- Eu disse enquanto esfregava o fogão com toda força possível, tentando colocar toda a minha raiva naquela esponja de modo que fizesse algum efeito no queimado. Estava fazendo.
- Bem, filho, você tem razão. Mas continua sendo um idiota. E depois disso, tenho certeza quase absoluta que não irá se repetir. Sinto muito, acho que você a perdeu.
- Não há uma única mulher no mundo que não possa ser reconquistada.
- Há, sim. Há, Markus. E se continuar pensando assim, você vai se ferrar bonito com todas elas.- Larguei a esponja longe e deixei meu corpo escorregar no ar para o chão. Nada estava sendo como eu planejava.
- Então o quê eu faço?!- Praticamente gritei. Meu pai espirrou e piscou para mim.
- Você sabe oque precisa fazer.
- Se soubesse não perguntaria!
- A mochila. Use certo.
...
- Agora?- Perguntei, pela milésima vez. Meus pais estavam sentados no sofá da sala, os dois unidos tentando me fazer ir até a casa dela e reagir a tudo isso.- Mas agora? Precisa ser agora?
- Mais uma vez a idiotice do seu filho se torna evidente. Diga algo feminino que o convença.
- Mulheres gostam de insistência. Corra atrás e elas corresponderão. Pegue essa mochila e vá, imediatamente.
- Sério que essa é sua melhor palavra feminina, mãe?
- Ah, por favor! Vá logo, Mark! Se ela beijou de volta ela não tem tanto nojo de você.- Ela apoiou, com um braço erguendo a mochila e o outro fazendo um sinal de positivo.
- Mas ela fugiu de mim!
- Eu desisto! Parece aqueles garotinhos de oito anos que não sabem como reagir quando uma garota fala que gosta deles. Markus, ela deixou aberto na sua cara que gosta tanto de você que tem até vergonha de demonstrar com um beijo e demonstrou fugindo! Ela é uma garota e você já tem dezesseis anos, vire homem de uma vez por todas.- Meu pai disse, colocando à força a mochila em minhas costas e me empurrando em direção à porta.- Boa sorte!
- Mas e se ela não quiser me ver?
- Peça à Mary para entrar no quarto dela. Isso aí pode ser usado da janela.
E assim ele fechou a porta na minha cara, me proibindo de fazer qualquer pergunta a mais. Fiz uma careta de coragem para o olho mágico da porta, como se ele estivesse correspondendo a minha careta e bati na porta do apartamento dela.
Demorou até que alguém abrisse. Alguém com lápis de olho borrado, uma trança descabelada à la Avril Lavigne e roupão abriu a porta com uma cara de impaciência e tristeza. Na mão esquerda tinha um pote de sorvete pela metade.
- Lily?
Ela grilou os olhos ao ouvir meu tom de surpresa, fechou a porta com um baque e me deixou lá, plantado do lado de fora, pela segunda vez na noite, com uma batida de porta pregada na testa. Quem sabe eu merecesse.
Fiquei parado ali, esperando até que Deus me desse uma luz ou que alguém abrisse a porta, e quando já estava levantando o pé para voltar para casa, Lily Elizabeth Melody McLary abriu a porta; a trança arrumada, uma blusa de cetim marrom com uma gola rendada de rosa (era um pijama), calças de moletom e lápis de olho realinhado. Estava perfeita e eu tive vontade de desistir de tudo. Até de pijama era a mais bonita das garotas.
- Você... Tem planos para essa noite?- Perguntei, meio gago. Na verdade eu queria ter dito que ela estava linda, que era perfeita e maravilhosa e que minha boca formigava de vontade de beijá- la e agarrá- la, mas disse oque achei mais educado. A mãe dela estava sentada no sofá, um sorriso bobo no rosto, tentando disfarçar, olhando para a TV e em posse do pote de sorvete.
- Eu pretendia jantar em um restaurante francês, mas...
- Sério? Porque eu poderia vir outro dia e...- Eu não me agüentava de vontade que fosse verdade e que eu pudesse adiar aquele constrangimento, mas toda a esperança se esvaiu quando ela riu constrangida.
- Não. eu estou livre. Você quer entrar?
- Ah, não, não... Na verdade eu ia te chamar a subir.- Apontei para o alto. Esperava que ela não pensasse que fosse o teto ou sei lá.
- Subir...?
- No topo do prédio. Quero... Te mostrar uma coisa.
- Vai me atirar lá de cima?
- Seria mais fácil eu próprio me atirar.- Ela ruborizou e eu também senti minhas bochechas queimarem.- Pode vir?
- Ah, sim, eu só... Preciso mudar de roupa.
- Ah, não... Você está linda assim.
- De pijama? E se encontrarmos alguém no corredor? Vão pensar tudo menos que estávamos no topo do edifício...
- Ah, é verdade. E você se importa?
- Quer saber? Eu não preciso provar nada para ninguém. A não ser que seja a velha do 408.- Eu ri e ela comigo.- Mãe, vou sair.
- Não volte muito cedo.- Ela disse rindo. Pelo jeito relações adolescentes eram melhores que novelas mexicanas em sua concepção.
Andamos em silêncio até a escada que nos levaria ao topo do edifício, eu realmente esperava que ela gostasse daquilo.
Suas clavículas magras se destacavam sob o decote avantajado do pijama. Ela era realmente muito magra, seus peitos eram pequenos volumes quase que inexistentes e dava para ver a borda do sutiã dela. As pernas finas tilintavam com o frio da nevasca que caía do lado de fora e penetrava o prédio e sua calça de moletom. Quisera eu ser aquela brisa fria que lhe acariciava o corpo e a fazia se arrepiar. Porém ela ficaria donte por minha causa. Tirei o casaco e coloquei em seus ombros. Estava com um suéter por baixo e então nós dois estaríamos suficientemente precavidos contra a neve do topo do prédio.
- Obrigada. Mas você poderia ter me convidado para fazer isso no verão, não poderia?
- Ah, sim. Mas aí não seria mágico.
- E nem congelante.
Depois de muitos lances de escada - não haviam elevadores porque quase nunca alguém subia lá - entre resmungos de frio, tremeliques, e resfôlegos, chegamos ao nosso destino. Tudo estava coberto por mais ou menos trinta centímetros de neve e as pantufas dela afundaram, e ela riu. O céu estava estrelado, como eu vira da minha janela. Era uma das poucas noite em que ele estava, era a nossa noite. Até a lua saiu para nos contemplar.
- |E então? Vai me apresentar oque guarda nessa mochila ou quer me mostrar apenas os sintomas da hipotermia?
Eu ri baixinho e abri a mochila. Tirei o meu bem mais valioso lá de dentro; um telescópio. Ele já fora do meu avô, do meu pai e agora era meu. Meu e de Lily.
- Um telescópio?- Ela disse, fascinada, observando o telescópio de ferro enquanto eu o montava.- Tem uma espécie de mandinga atrativa nele?
- Não faço a menor ideia mas, foi com a ajuda dele que meu avô conquistou minha avó e meu pai minha mãe. Quer dizer, não ei se é muito bom porque minha avó morreu antes de meu avô e meus pais se separaram mas... Talvez funcione certo dessa vez.
Ela riu e eu terminei de montá- lo.
- Pode começar.
Ela admirou as estrelas por bons dez minutos, dez minutos esses que eu tremi de frio e a fiquei admirando. Meu casaco ficava infinitamente melhor nela.
- E se as estrelas contassem histórias?
- Você já me fez essa pergunta, Markus. Na verdade, fui eu quem fez primeiro...
- Pois então você já deveria ter pensado em uma resposta, deveria ter adivinhado que eu te perguntaria... Já pensou nisso?
- Não. Eu pensei que a gente nunca mais se veria. E que nos detestaríamos para sempre.
- Como você pode pensar isso? Não ouviu as estrelas?
- Como assim?
- Olhe para o céu. Finja que está conversando com as estrelas. Finja que elas estão te contando tudo. Seus maiores sonhos aflorarão. Seus maiores medos. Tudo isso vai acontecer. É o jeito delas contarem histórias. Você só precisa saber ouvir.
Ela ficou bons momentos olhando as estrelas, porém, eu não a imitava; eu admirava ela, a minha estrela.
- Eu... Acho que ouvi.
- O quê você ouviu?
- Se contar não realiza. E eu acabei de inventar isso.
- Tudo bem. As estrelas e as histórias não tem regras. Elas só precisam existir. Sabe o quê eu ouvi?
- O quê?
- Se contar não realiza mas, eu sei que vai realizar do mesmo jeito.
- Então conta.
- Elas disseram; Sabe, Lily... Eu acho que te amo.
E ela olhou no fundo dos meus olhos. Aquelas florestas que continham mil segredos, florestas que eu sabia que eram selvagens, quer dizer, se eram tão atrativas, deveriam obrigatoriamente ser selvagens. O lápis de olho ressaltando cada ponto e vírgula do rosto dela. Cada espinha agora se tornava perfeita, suas sobrancelhas não feitas pareciam as mais belas. Era Lily. Não era minha, e talvez nunca fosse. Mas era Lily.
Me aproximei dela, coloquei as mãos em sua cintura e ela em meus ombros e quando pensei que nos beijaríamos de novo, nossa aproximação evidente, nossos olhos focados um na boca do outro e nossos narizes novamente se encostando, ela tirou uma mão do meu ombro e colocou os dedos em meus lábios, acabando com nossa proximidade e desejo, seus dedos gelados e o anel me acordando e me fazendo olhar em seus olhos, ela olhou nos meus, e em seguida os desviou.
- Acho melhor não. Não ainda. Quer dizer, não mais, já ocorreu um fora de hora...- Ela disse, num sussurro, me fazendo querer beijar naquele momento mesmo.
- Eu... Eu também acho melhor não. Só... Só me abraça.
E nós ficamos abraçados, um aquecendo o outro, nossos cabelos repletos de flocos de neve, suas mãos geladas acariciando meu pescoço e meus braços acariciando a cintura dela coberta pelo meu casaco. Senti o hálito quente dela contra o meu pescoço; estava sorrindo, e me fez me arrepiar. Senti ela estremecer e seguida.
Quando fui lembrar disso tudo, na cama, mais tarde, incontrolavelmente excitado com tudo, não soube dizer quanto tempo aproximadamente ficamos ali, sentindo um o corpo do outro, mas sabia que tinha sido tempo o suficiente.
E meu coração só dizia uma coisa, por mais doloroso que fosse pensar nisso; ela ainda não é sua, ela negou seu beijo, vocês não são namorados e amanhã, quando você for para a escola, tudo vai ser igual de novo.
Enquanto isso, no apartamento ao lado, tocava uma música brasileira, a qual era uma das minhas preferidas e eu já pesquisara a letra de modo que eu entendesse:
Vejam só essa manhã tão cinza,
a tempestade que chega é da cor dos teus olhos,
Castanhos...
Então me abraça forte, e diz mais uma vez
Que já estamos distantes, de tudo...
Se não éramos nós dois retratados naquela letra, eu não me conhecia mais, eu não a conhecia mais. Eu era apenas um garoto bobo imaginando coisas bobas com a menina boba que gostava, e não o garoto bobo imaginando coisas bobas com a Lily que pensava ser.
...
Hey, desculpa a demora, leitores (as)!!!
Estudando muito para passar na prova do Colégio Militar e não tinha capítulo reserva :/
Mas saibam que vou postar mais um hoje, um bem chocante '-'
Vai deixar vocês tristes o capítulo 26...
Beijões!