Espremendo laboriosamente o cérebro nesta (ainda) ressaca das festas de final de ano,
saíram 2.500 palavras.
2016 ainda não engrenou...
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A EXPRESSÃO DE SARAH E ENRIQUE, no outro dia, dispensava perguntas sobre a eficiência de Durina ao cancelar os bloqueios. Sorrisos fáceis e olhos brilhantes, apaixonados e bem falantes, os jovens eram a personificação de uma noite excelente, durante a qual, provavelmente, haviam dormido muito pouco. Sarah aceitou a proposta de lua-de-mel, e passaram o resto do dia organizando malas e itinerários. Donasô sempre fora a encarregada das malas de Enrique, e o rapaz a recebeu com um caloroso abraço:
– Nunca mais diga que Sarah não me quer mais e eu nunca mais brigo com você!
– Você nunca tinha me chamado de dona Soraia, moleque!
– Você nunca tinha dito que eu merecia perder o amor da minha vida!
Pazes feitas, Donasô se encarregou entusiasticamente da tarefa malas, liberando-os para a questão itinerário.
Por sugestão do doutor Carl, eles se manteriam bem afastados do mar durante toda a lua-de-mel.
– Quanto mais longe do mar, menores as chances de sustos com Relana. Há muito para ver e fazer no centro do continente. – O Lorde encarou Enrique. – Mas tudo distante das cordilheiras das quais você não gosta.
– O nome de Enrique já é conhecido em toda a Terra, doutor – lembrou Sarah. – Providenciou outros documentos para ele?
– Para ele e para você. Seu nome, como a garota do maior gênio da Terra, está quase tão conhecido quanto o dele.
– Garota nada, esposa – corrigiu prontamente Enrique, arrancando um belo sorriso de Sarah. – E não sou o maior gênio da Terra coisa nenhuma. O senhor é que é! Eu só sei aerodinâmica. O senhor sabe tudo!
– Eu tenho muito conhecimento. – O homem sorriu. – Isto não é ser um gênio. É ser um Lorde de Moolna. Ser gênio, na opinião do meu pai, é fazer os helicópteros silenciosos que você fez!
– Ah, tá! – riu-se Enrique. – Mas e se alguém nos reconhecer, mesmo com os nomes trocados?
– Considerando a facilidade de Sarah em hipnose, não me preocupei com isto.
– Altero a memória de qualquer um que nos reconhecer – garantiu a moça. – Aqui, doutor Carl. Vamos incluir esta cidade na viagem. Dizem que os gêiseres são espetaculares!
Assim, naquela noite, os príncipes de Durina partiram para o costume superficiano de lua-de-mel. Prevista para durar quinze dias, acabou estendida para trinta, graças à tendência de Enrique de se focar em uma coisa por vez; no caso, Sarah, seu único e grande amor.
No retorno a Durina, Enrique ficou muito espantado com seu presente de compromisso: Renato.
– Como assim?! – exclamou o jovem, rindo e olhando o letrado que continuava ajudando Donasô a se adaptar a Durina.
– Renato é fluente no idioma da superfície e se aperfeiçoou ainda mais desde que passou a instruir Donasô. Conhece todos os costumes de sua cultura e pode acompanhá-lo tanto no Império quanto na superfície. Renato já concordou em ser sua memória auxiliar. Ou seja, senhor meu companheiro, Renato e Donasô vão se encarregar de lembrar você de tudo que você já avisou que vai esquecer. E ai de você se eles disseram que avisaram, reavisaram, e você ignorou!
Com uma gargalhada, Enrique abraçou a companheira e a beijou.
– Você não podia ter encontrado um presente melhor pra mim! Bem-vindo, Renato! Então ele vai ajudar você a mandar em mim, é, Donasô? Estou perdido!
Começaram definindo um cronograma geral para Enrique, com três grandes blocos: um, a ciência da superfície; dois, o trabalho com a previsão colorida; três, Durina. Durina, o terceiro bloco, abrangeria o aprendizado de Enrique como futuro Rei, desde os conhecimentos técnicos e de leis até treinamento de combate e avaliação de habilidades mentais.
– A esta altura, Durina já deve estar implantando em você as habilidades de nossa Linhagem – explicou a Rainha. – Precisamos avaliar em que ponto o processo está, e você precisa aprender a usá-las.
– Acho que ficou bem dividido deste jeito, mas já vou avisando, Renato, que não vai ser fácil me arrastar de um bloco para outro! Sempre vou querer ficar no que estou.
– A Linhagem me explicou, senhor. E Donasô também.
– Sem esta de senhor, pode me chamar de Enrique mesmo!
– Quando estiverem a sós – interferiu prontamente Sarah. – Continue com o senhor quando estiverem em público. Nas ocasiões formais, permanece o alteza.
O letrado apenas assentiu, e Enrique olhou a companheira.
– Não sou eu quem decide isto?
– No Império, você é um príncipe. Deve se acostumar a ser tratado como um. O doutor Carl e Lila são integrantes de Linhagem e chamar você pelo primeiro nome, mesmo em público, está correto. Mas ambos sabem que, em certos momentos, você terá que ser chamado de alteza. Todas as Linhagens sabem quando a intimidade deve cessar para dar lugar à formalidade. Em particular, Renato vai tratar você do modo como você determinar. Em público, ele é o braço direito do príncipe de Durina e deve se portar de acordo. O próprio Renato vai ensinar você sobre isto.
– Eu prefiro ser um príncipe mais informal.
O Rei Sammal pretendeu falar, mas Sarah foi mais rápida:
– Enrique, você é um príncipe imperial e vai ser o Rei de Durina. Em um ataque, seja dos renegados ou de Relana, você vai precisar mandar uma parte de sua guarda para missões com pouca esperança de sobrevivência. Não pode fazer isto informalmente. Entendido?
O jovem não respondeu. Sarah prosseguiu:
– Nenhum de nós gosta desta posição, o que não impede de nos vermos nela. Estamos em guerra. Sempre. E arrumamos um inimigo extremamente perigoso em Jamion de Relana. Você precisa ser o líder de Durina, não o amigo de todo mundo. Como meu pai pode dizer, ser o líder significa muitas vezes tomar a frente do ataque, o que quer dizer que você precisa saber lutar, a menos que queira passar a vida inteira na retaguarda, mandando os outros para a luta.
– Você sabe ser bem persuasiva, amorzinho... Renato, começaremos pela parte de Durina e, na parte de Durina, vou começar pelo treinamento de combate. E, como um príncipe voltando para o Palácio depois de um mês fora, acho que a pergunta mais adequada é sobre o que aconteceu enquanto estivemos ausentes.
***
O PRÓPRIO RENATO se encarregou da resposta: as Mansões dos Lordes continuavam em silêncio, os Palácios mantinham apenas contato mínimo. Até o Palácio de Senira estava quieto.
– O que, considerando Lila, é bem esquisito – comentou Enrique. – Achei que, quando ela fosse Rainha, o contato entre nós e ela aumentaria ainda mais!
– Ser princesa é uma coisa; ser Rainha, outra. Rainhas sempre têm mais responsabilidades e menos tempo livre do que princesas – disse Sarah. – Mas concordo com você: também pensei que Lila seria uma Rainha mais... informal, para usar a palavra que você usou. Ela está me surpreendendo.
– Não se esqueçam de que Lila se tornou Rainha por necessidade do Palácio. – A voz da Rainha Darah era pesada ao lembrar sua prima afastada, a Rainha de Senira, e seu sorridente companheiro. – Ela e Denaro devem estar sendo treinados pelo próprio Palácio, e isto é sempre muito mais desgastante do que o aprendizado usual, com a família... Para não mencionar que cada decisão é muito mais difícil, devido à inexperiência deles.
E tudo aquilo tinha começado porque Senira perdera seu Rei no Salão dos Tronos de Durina, defendendo sua Linhagem e a de Durina... Todos pensaram, mas ninguém disse uma palavra. Só um instante de silêncio marcou a responsabilidade de Durina no que, agora, Lila e Denaro precisavam enfrentar sozinhos.
– Fico pensando no motivo de a avó de Lila estar fora de Senira numa situação assim – observou Enrique. – Ela deveria estar lá, apoiando Lila.
– É, ela deveria. – Sarah se voltou prontamente para o companheiro. – Nós sabemos, ela sabe, Senira sabe, Lila e Denaro sabem. E, se Senira inteiro sabe e concorda, nós não podemos insistir no assunto. Já perguntamos uma vez, e só nos arriscamos a perguntar porque há sangue de Senira em Durina. Somos, de certa forma, da família. Isto é o que chamamos de assunto de Linhagem, Enrique, e uma Linhagem nunca interfere com as decisões de outra.
– Mas não pode nem perguntar de novo?
– Não, não pode. É boca fechada e aguentar quieto a curiosidade.
– Pode ao menos visitar?
– Pode. – Sarah sorriu. – Também estou com saudades de Lila. Vamos combinar uma data com Senira.
– Beleza. Então vamos para a parte menos agradável... Relana. O que está acontecendo por lá?
Relana era a parte mais inesperada do relato.
Surpreendentemente, o Imperador não refizera sua guarda. O Palácio continuava convocando interessados em trabalhar no seu interior, mas o medo do Rei Vermelho era maior do que a discutível honra de trabalhar no Palácio Imperial. As histórias das chacinas feitas por Jamion de Relana haviam se espalhado, mudado e crescido. Pelo que se contava, Jamion, em seus ataques de fúria, havia matado milhares de sem-dono que antes viviam em torno de Relana. Era perfeitamente compreensível que, agora, raros se atrevessem a responder ao Palácio.
– Durina optou por não enviar ninguém para Relana – disse o Rei. – Se nosso informante fosse descoberto, seria morte certa. Mas Carl enviou uma mulher de confiança, que foi aceita entre as mulheres da Imperatriz Dayar. As informações que temos vêm dela.
O antes intensamente povoado Palácio de Relana agora contava com pouco mais de duzentos serviçais. Todos se concentravam em apenas um setor de uma ala do gigantesco Palácio; assim, havia a impressão de movimento e normalidade. O restante de Relana estava fechado e em silêncio. A Imperatriz e suas mulheres continuavam em aposentos próximos ao Salão dos Tronos. Através delas, a informante de Moolna soubera que o Imperador por pouco não matara seu próprio herdeiro; o Palácio, no entanto, fizera-o afundar em profundo sono de recuperação, do qual ele saíra calmo e modificado. Falava com a Imperatriz com gentileza, frequentava seus aposentos e se interessava pelo principezinho Julian, de três meses. Corriam boatos de que o Imperador se tornara violento em consequência da ação de Moolna, que retirara o Império de suas mãos. Outros boatos falavam da influência de um dos Reinos, que quase o enlouquecera.
– Ou seja, nós. – O rosto da Rainha expressava toda a sua perplexidade. Sarah olhou rapidamente para Renato, mas, se a mãe estava falando na presença dele, é porque ele já sabia do golpe do Patriarca. – Os nomes de diversos Reinos foram mencionados, mas o de Durina foi o mais frequente. E, por tudo o que a informante de Carl diz, o golpe dos pesadelos de meu pai foi anulado pelo Palácio Imperial. Todos são muito claros: o Imperador era um antes do sono de recuperação, e outro depois dele. Depois deste sono de recuperação, os pesadelos o abandonaram.
– Mas este golpe não pode ser quebrado! – exclamou a garota, tão perplexa quanto sua mãe. – E, mesmo sem os pesadelos, ele é um vermelho! Como pode estar lá, todo calminho?! Era para continuar estropiando tudo pela frente, como os vermelhos fazem! Quando começam a destruir, não param mais! O que há com este Imperador, afinal?! Ele é ou não é um vermelho?!
– E se ele for um Imperador ruivo e mau caráter que pensou que seria confundido com um vermelho e por isso eliminou todos os pelos do corpo? – sugeriu Enrique, o que levou a várias horas de discussão. Não chegaram à conclusão alguma, além da óbvia: apesar da calmaria atual, Jamion de Relana continuava um inimigo poderoso e perigoso.
– Bom, mais alguma coisa? – perguntou Enrique a Renato, quando o assunto pareceu esgotar.
Sim, havia mais duas coisas. A primeira se referia às corredeiras que, segundo Moolna, surgiam quando o Palácio considerava mais seguro afastar todos do seu perímetro.
– De forma lenta e firme, continuam aumentando de intensidade. Mesmo se os sem-dono quisessem se reinstalar próximos ao Palácio Imperial, não conseguiriam. O perímetro mais estreito de Relana está inabitável.
– O que se considera este tal perímetro mais estreito? Números, por favor! – pediu Enrique.
– O primeiro perímetro de Relana é a área que circunda o núcleo do Palácio em um raio de dez quilômetros – especificou Sarah.
– Como Relana consegue controlar tanta água?!
– De acordo com o Lorde de Moolna, a área de corredeiras pode se expandir muito mais – informou Renato. – A força do Palácio Imperial é fabulosa, senhor.
Em seguida, Renato falou que Josep Reis iniciara a construção de uma cidade sob cúpulas a dez quilômetros do Arquipélago de Relana. Precisaram explicar a Enrique o que era o Arquipélago de Relana e a genialidade e a loucura da família Reis. Explicaram também que, desde o final da Grande Guerra, quando os Palácios foram fechados, os imperiais da água sonhavam em viver no ar. Como as áreas emersas do Império eram muito escassas, inúmeras tentativas de criar habitações submarinas tinham sido feitas, esbarrando sempre no problema da renovação do ar.
– Quase sempre são cúpulas ou bolhas – explicou Sarah. – A limitação principal é a profundidade. O bloqueio oceânico afasta os imperiais da superfície do mar, que é onde as cúpulas precisariam ficar para renovar sua atmosfera. Mas, pelo que entendi, a proposta do Reis desta geração é diferente!
– Sim, alteza. O doutor Reis pretende construir cúpulas com tamanho suficiente para serem autossustentáveis. Poucos tentaram projetos tão ambiciosos até agora, e todos fracassaram nas primeiras etapas.
– Mas os Reis nunca tinham se interessado.
– Não, alteza. Considerando a família, talvez obtenham algum resultado. O mais curioso é que o Imperador se mostra muito interessado neste projeto. Foi visitá-lo quatro vezes no último mês.
– Visitar o quê? O Reis construiu uma cúpula tão depressa? – espantou-se Sarah.
– Não. Construiu apenas uma pequena cúpula piloto que ainda está inundada.
***
A PRIMEIRA CÚPULA tinha apenas dez metros de diâmetro, e seu objetivo era apenas testar os materiais que seriam usados nas cúpulas definitivas. O interior da cúpula era bem iluminado, passando a sensação que imperiais tinham em águas superficiais, repletas de Sol; o exterior, no entanto, mostrava-se negro como a escuridão das águas em que se encontrava.
Josep Reis analisou a parte externa da cúpula mais uma vez. Ótimo. O material se comportava muito bem, impedindo por completo a passagem da luz. Suas cúpulas não teriam a limitação ao uso de luzes que havia nas ilhas.
Voltou para dentro da cúpula.
A profundidade fazia com que houvesse poucos animais fixados na rocha maciça que formava o chão da bolha. Mostrando respeito a qualquer forma de vida, o homem retirou os últimos. Então, abriu os dutos de saída de água, que ficavam na junção da cúpula com a rocha, e em seguida abriu as válvulas dos torpedos de ar comprimido. As bolhas de ar jorraram para dentro da cúpula, expulsando gradualmente a água.
Após três horas, a cúpula era uma bolha de ar encravada no fundo do oceano.
O doutor Reis não fez a transição água-ar, preferindo sair para a água livre. Quando o ar começou a escapar pelos dutos, fechou as válvulas e tornou a examinar a cúpula. Satisfeito, deu o dia por terminado.
Dois sem-dono vigiariam a cúpula em sua ausência.
Os sem-dono eram fascinados por ar, mas não sabiam fazer a transição água-ar de forma adequada. Sempre ficavam com alguma água nos pulmões, e acabavam por sufocar rapidamente no ar. E, em ambientes fechados, não tinham experiência para saber quando o ar começava a se tornar viciado e perigoso.
Josep Reis não explicou nada disto. Ou os sem-dono conheciam os riscos e os respeitariam, ou pensariam que não passavam de pretextos para mantê-los fora do ambicionado ar.
O recado para os sem-dono, transmitido na linguagem de estalidos, foi típico de Josep Reis:
'Não me responsabilizo pela vida de ninguém que entrar aí. Retorno amanhã.'