Sophie narrando:
Os lobos param de me seguir assim que passo pela árvore da nossa alcatéia, era um tremendo desrespeito invadir o território do outro sem pedir permissão ou ser convidado. E isso seria a última coisa que aconteceria com eles. Idiotas.
Não consigo parar de pensar em como Larissa deve estar, se sobreviveu, eu fui uma covarde por ter fugido, eu deixei a filha do Alfa para trás, mas pelo menos foi com o seu companheiro.
—Onde está a Larissa?—Gregory, seu pai, vem vindo em minha direção e aumenta a velocidade dos seus passos quando balanço a cabeça para os lados no sentido dos ombros. —O que aconteceu com ela? —Cecília traz uma capa preta comprida, me transformo em humana e a visto.
Assim que levanto o rosto para encarar Gregory, ele acerta um tapa certeiro no meu rosto, o local arde,sinto gosto de sangue na minha boca, mas não ouso colocar a mão sobre a vermelhidão. Ele é o Alfa, todos da alcatéia devem respeito e submissão ao líder, pelo menos é assim que as coisas funcionam por aqui, ele funcionava como um pai, tirano e maldito para todos, sua função era basicamente nos sacrificar para o bem de seu grupinho seleto, nós doávamos a própria vida, toda a juventude e de nossos descendentes para um nada.
—Onde ela está? —grita e da meia volta, caminha em linha reta. Volta em um súbito e me levanta cravando a ponta das suas garras em meu pescoço, começo a grunhir ao sentir o ar acabando em meus pulmões e seus rosnados ficam cada vez mais altos, meu rosto está muito perto do seu, consigo ver suas presas descendo, seguro sua mão na esperança de diminuir o aperto e falho miseravelmente, mas fico feliz por tentar e tento esboçar meu melhor sorriso que só o enfurece ainda mais e o faz aumentar o aperto. Consigo sentir suas garras, mesmo que ele ainda esteja na forma humana, dilacerando camada por camada da minha pele e sendo banhadas pelo meu sangue que escorre rapidamente alcançando seu antebraço. Ninguém na alcatéia pode interromper o castigo de um Alfa, além de não poder revidar, mesmo que em uma tentativa de defesa.Pois se essa lei não o protegesse, garanto que eu não estaria perto de perder a consciência, mas sim cravando meus dentes em seu braço e o desprendendo de seu corpo.
—Gregory! —Clarisse, mãe da Larissa. Se aproxima e empurra o seu marido, ela era a única que poderia interromper sem o medo de ser castigada por isso. —O que pensa que está fazendo?
Gregory continua em pé. Meu corpo está largado e sinto um frio insuportável contornar meu pescoço e percorrer meu corpo. As garras do Alfa, estavam me matando era como se elas ainda estivessem me apertanto e dilacerando.
—Essa vadia, abandonou nossa filha e só a Mãe natureza sabe onde ela está agora.
—Ela está morrendo, dê o seu sangue a ela. —ele põe a mão na cintura e expira desinteresse, as pálpebras se encontram instintivamente por puro ódio.
—Eu não vou dar meu sangue para uma pu... —Clarisse fica na sua frente e rosna para ele, que ergue a mão para que alguém lhe dê uma faca, assim que recebe o instrumento, desliza sobre o pulso e vem em minha direção. Bebo um pouco e passo a mão sobre meu pescoço, estava curando.
—Agora —aperta minhas bochechas e me força a encará-lo. —Vamos tentar novamente... onde está a minha filha?
—Com quem ela realmente deveria estar... com o seu companheiro. —cuspo essas palavras, enfatizando a última em particular, queria que seus olhos ficassem assim mesmo, cheios de ódio, não queria alimentar nenhum outro sentimento em nosso querido Alfa, além desse, pois não gostava da ideia de ser falsa, colocava as cartas bem a mostra na mesa então não havia como ter outro sentimento mais mútuo do que o ódio entre nós. Vejo uma veia pulsar em sua testa como se fosse explodir. Joga minha cabeça para trás e se levanta com uma lentidão que não condiz com a sua pulsação disparada que senti em volta do meu pescoço momentos antes.
—Ótimo. Que notícia maravilhosa, vamos beber em homenagem a essa espetacular notícia. Vamos comemorar, mais bebida e música. —um de seus betas ou diria melhor, escravos, traz uma caneca de cerveja para ele, que vira de uma vez e larga na grama, põe o braço no ombro da esposa e segue rumo as mesas.
Será que apenas eu notei que ele não ficou nada satisfeito com a notícia?
—Me ajude a levantá-la. —escuto a voz de Cecília abafada por causa da música alta, dos tambores, flautas e chocalhos.
Sinto dois braços fortes me levantando. Tento ver quem é, mas é em vão, minha visão fica turva.
Samuel narrando:
Deixei ela dormindo. Não havia dormido nada, mas não tinha problema, ao vê-la tão tranquila e bem tudo valeu a pena.
Começou a se mexer, então curiosamente me peguei ficando ansioso pela sua reação ao me ver, como se ela não tivesse me visto na noite anterior, como se a sua reação fosse silenciar as milhares de inseguranças que criei automaticamente, como o medo de que ela não quisesse me ter por perto ou me odiasse pelo que eu havia feito, não tiraria sua razão, ela estaria completamente certa e sã, faria o que me pedisse e a deixaria de volta em casa imediatamente. Toda a coragem que eu pensava que tinha, e que era inabalável, estava sendo despida pelas simples ações de seu sono tranquilo.
Ela colocou a mão no lado que eu estava e inspirou profundamente, relaxando os ombros e as sua feições. Ainda com os olhos fechados, franziu suavemente. E puxou meu travesseiro para ficar abraçada. Deixei um sorriso bobo repousar no meu rosto.
Saí do quarto emitindo o mínimo de barulho possível. Fui até a cozinha arrumar a sujeira, havia algumas gotas de sangue no chão. Umideci um pano e passei, deixando tudo limpo. Lavei e guardei a faca.
Assim que começo a pensar no que fazer para o café da manhã, sinto um cheiro forte de pelo molhado e grama, são eles com certeza. E como de costume abrem a porta sem bater, isso terá que mudar, agora tenho um motivo para querer mais privacidade na casa.
Nas outras vezes em que precisei de mais privacidade, as mulheres com quem me envolvi eram passageiras, as relações eram vazias e sem propósito, porque por mais que tentasse criar uma ligação com elas, acabava se tornando forçado e quanto mais tentava fazer dar certo mais se desgastava para os dois lados e o afastamento era a opção mais lógica a se tomar, mas com a Larissa é diferente, estranamente me sinto ligado e completamente rendido, não consigo não ficar costantemente tentado a criar um vínculo com ela. Então algumas coisas precisam se adequar para acompanhar essa mudança.
Assim que entram já pretendem começar a fazer barulho, mas coloco o dedo indicador sobre os lábios pedindo silêncio e assim o fazem.
—Ela está aqui mesmo? —esse raciocínio do Lucas me mata, como ela não estaria se a trouxe ontem à noite.
—Sim.
—E aí... —Hugo incentiva e senta em uma cadeira do balcão, Lucas faz o mesmo.
—Eu mordi ela ontem, você acha que ela estava em condições para isso? —pergunto irônico. —E além do que com ela tem que ser especial, ela é a minha Luna, não quero pressioná-la.
Os dois ficam em silêncio até que a pergunta que eu estava esperando se pronuncia.
—Mas como ela é a sua Luna se você não a marcou ainda? —sinto que Lucas pergunta com um pouco de receio.
—Porque não quero que ela ache que só será considerada minha depois do sexo, ela é minha não somente pela carne, mas pelo espírito.
Os dois gesticulam palmas silenciosas.
—Samuel, nós assustamos a loba até a sua alcatéia. —Hugo olha pra Lucas que confirma.
—Vocês não a feriram, certo?—olho bem para ambos, que assentem. —Preciso preparar algo para comer. —os dois se entreolham, dão de ombros e saem.
Resolvo arrumar a mesa primeiro, é bem mais fácil. Pego os talheres, copos e pratos.
Escuto passos lentos e desregulados pela escada. Já havia sentido seu cheiro mais próximo quando atravessou a porta do quarto, mas agora que estava descendo a escada era como se me rodeasse. Caminho até o degrau que estava para ajudá-la a descer. Sua cara de sono ainda vence a de ódio quando me vê.
—Deixa eu te ajudar. —ofereço a mão que ela nega só com o olhar. Compreendo, mas não aceito, ficaremos o dia inteiro nessa escada com essa velocidade.
A agarro de uma vez. Tenta sair, me bate e sua unhas me apertam sem pena buscando que eu a solte.
—Me solta. Eu ainda sei andar, sabia?
—Não parecia, naquela velocidade...
—Mas também, você faltou engolir a minha perna na noite passada.
—Por isso... olha, me desculpa. Você tem todo o direito de não gostar de mim. Mas deixa eu pelo menos tentar me desculpar com você. —ela continua me encarando com a cara fechada.
—E Sophie?—a coloquei sentada em uma das cadeiras da mesa, para que pudesse ficar com a pé apoiado no chão e não suspenso nas cadeiras mais altas do balcão. Estava com os braços relaxados na frente do corpo, minha blusa subiu o suficiente para ter uma visão perfeita do seu corpo. Ela deve ter me pego olhando, porque puxou o tecido um pouco mais para baixo.
—Quem?—digo saindo de uma espécie de transe estranho.
—Minha amiga, a loba que você mandou os seus betas irem atrás.—me fitou sem tirar seus olhos dos meus, tinha que reconhecer que ela tinha coragem e isso era algo que eu já admirava nela, não baixava a cabeça mesmo estando sozinha sem ter como pedir ajuda, mesmo estando tão vunerável, ela não iria dar esse gostinho para ninguém de vê-la em uma situação em que ela demostra perder o controle.
—Eles não fizeram nenhum mal a ela, digamos que eles a escoltaram até sua alcatéia.—ela pressiona os olhos e faz uma pausa antes de continuar, como se estivesse arquitetando algo, ela não era tão boa em esconder suas expressões de uma menina que sabe quebrar as regras e com o adiconal de que gosta de fazer isso.
—Não estou chateada por você ter me mordido. — afirma e cruza os braços.
—Não? Sério?! Ainda be... — me interrompe e eu surpreendentemente gosto disso.
—Sim... —sorri de lado e sinto um peso saindo das minhas costas, até que sua expressão muda totalmente. —Eu to com muita raiva, muita mesmo, já pensou se eu tivesse morrido?—desce da cadeira e não se intimida por me desafiar, ela com certeza é surpreendente, se pudesse resumir suas ações em uma única palavra seria essa. Não sei qual será seu próximo movimento, nem o que esperar dessa caixinha linda de surpresas. Realmente é minha Luna. —Você é maluco. —começa a me empurrar e deixo que ela tente me fazer sair do lugar. —O que eu vou dizer aos meus pais?"Mãe, pai, olha esse aqui é o Samuel, meu companheiro super legal , tentou me matar na noite que a gente se conheceu. Quer melhor prova de amor do que essa"? —ela realmente estava brava, senti meu sangue ferver de nervoso, o que eu podia falar para ela, estava completamente cheia de razão. —Diz alguma coisa, agora o gato enguliu sua língua? —me empurrou mais uma vez. A pressionei contra a parede mais próxima, colei seu corpo no meu, sua respiração tornou-se ainda mais acelerada, se o objetivo seria ser surpreendente, eu seria, agora queria também não deixá-la saber qual seria o meu próximo movimento, mesmo gostando de deixá-la guiar toda a situação.
—Terminou? Eu te machuquei e foi feio eu confesso, mas eu cuidei de você, eu te dei o meu sangue. Eu errei com você, mas eu quero poder tentar de novo. Você também não deveria ter roubado, ou melhor, tentado roubar a caça de três lobos, estando em um grupo menor. — franze as sobrancelhas, buscando que elas se encontrem — Acho que essa não foi a melhor forma de pedir desculpas para uma aspirante a ladrazinha. —debocho, deixando um sorriso se formar em meu rosto.
—Deveria começar a treinar essa nova habilidade. — deixa escapar um projeto de sorriso que começa a se formar aparentemente pela forma que a chamei, mas não deixa que se amplie e volta com a carranca.
—Você sempre tem uma reposta pra tudo? — pergunto, sentido sua pulsação acelarada sobre meus dedos.
—Se soltasse minhas mãos eu teria mais do que uma resposta pra te dar. —como ela é teimosa e respondona, mas preciso reconhecer que tem um bom humor. Solto seus pulsos e ela os coloca ao lado do corpo, mas permanecemos próximos permitindo que eu possa sentir sua respiração bater no meu peito. —Vamos ver se você irá fazer por merecer essa segunda chance.—disse com tom de deboche.
—Larissa não brinca comigo...
—Ou então você vai fazer o que?
—Quer mesmo saber? —ela engole em seco e suas bochechas coram, aquele gesto fez uma chama acender em mim.
—Olha... —pela primeira vez ela olha para o meu corpo, e cora mais ainda quando é flagrada. —Suponho que você não saiba fazer nem gelo. Então deixa que eu faço o café.
—Pode olhar, não tem problema.
—Eu não estava...esquece. — desvia de mim e se afasta, caminhando em direção a geladeira.
—Me comendo com os olhos? — acompanho seus movimentos enquanto retira alguns ovos e o leite.
—Ah pela Mãe natureza... vai fazer o que? Comer meus olhos agora?!
—Não. Eu queria comer outra coisa agora.— suas costas se enrigessem ao perceber o bobo duplo sentido e demora algum tempo para voltar a sua procura pelos armários. — Tipo ovos mexidos.
—Claro que sim, ovos mexidos. — repete com um tom como se fosse confirmar para si mesma de que o duplo sentido era só algo na sua mente.
—Precisa de ajuda? — me ponho atrás dela, deixando que seu corpo se aproxime do meu sem que eu precise fazer mais nenhum esforço para que isso aconteceça.
—Você é sempre assim tão solicito? Parece gostar de ajudar as pessoas, os feridos também. — brinca.
—Nem sempre, só com alguns foras da lei que preciso colocar na linha. Está cada vez mais comum esses roubos a caça, eles são pegos em flagrante até, acredita? — sinto seu quadril passar levemente pela minhas pernas, em movimentos de vai e vem para os lados um pouco exagerados para serem feitos enquanto se faz ovos mexidos. Ela estava fazendo de propósito. Seria um grande teste de controle ficar tão perto enquanto ela fazia aquilo, mas não era uma tarefa fácil me afastar dela, ainda mais quando sentia que ela se divertia com aquilo.
—Vou comer depois, preciso tomar um banho. — suas costas se chocam contra mim e me afasto para que possa seguir para onde deseja.
Desligo o fogo que ela simplesmente não se importou em apagar ao sair correndo e subindo as escadas de dois em dois degraus, com a perna agora aparentemente bem recuperada. O que ela estava fazendo? Não estava entendendo direito onde aquilo iria dar, mas para ela eu tenho tempo de sobra para descobrir e conhecer lentamente cada parte daquela mulher, era um tipo de mistério daqueles que a gente lê e quando parece que está perto de desvender é tudo ao contrário, é tudo inesperado e surpreendente bom.
Agora minhas prioridades haviam mudado do dia para a noite, era bom, mas ao mesmo tempo era estressante, porque não era um conto de fadas para niguém, por mais místico que fosse. Famílias diferentes, educação e criação completamente diferentes. E o mais estranho e complicado, alcateias diferentes. Não era nada comum haver união entre membros de alcatias diferentes, pelos vários motivos óbivos, como a forma de agir que é regida por leis diferentes, a cultura, os costumes. Acho que o que se assemelhava era basicamente a caça, mas conflitos já foram feitos por conta dela.
Mas se já não era comum união entre alcateias diferentes, nunca havia ouvido falar de ligação entre um Alfa e uma herdeira de outro grupo. Já prevejo que por conta disso minha relação com meus futuros sogros não será das melhores por "simples" questões políticas que eles podem considerar e que sejam alguma armação minha para ter sobre meu domínio o território deles.
Não vou me fazer de santo e