Memórias Póstumas de Brás Cub...

By vickalstos

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Narrado em primeira pessoa e em tom cáustico, este romance conta a história de Brás Cubas, homem que morre de... More

prólogo do autor
Ao leitor
CAPÍTULO PRIMEIRO / ÓBITO DO AUTOR
CAPÍTULO II / O EMPLASTO
CAPÍTULO III / GENEALOGIA
CAPÍTULO IV / A IDÉIA FIXA
CAPÍTULO V / EM QUE APARECE A ORELHA DE UMA SENHORA
CAPÍTULO VI / CHIMÈNE, QUI L'EÛT DIT? RODRIGUE, QUI L'EÛT CRU?
CAPÍTULO VII / O DELÍRIO
CAPÍTULO VIII / RAZÃO CONTRA SANDICE
CAPÍTULO IX / TRANSIÇÃO
CAPÍTULO X / NAQUELE DIA
CAPÍTULO XI / O MENINO É PAI DO HOMEM
CAPÍTULO XII / UM EPISÓDIO DE 1814
CAPÍTULO XIII / UM SALTO
CAPÍTULO XV / MARCELA
CAPÍTULO XVI / UMA REFLEXÃO IMORAL

CAPÍTULO XIV / O PRIMEIRO BEIJO

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By vickalstos

Tinha dezessete anos; pungia-me um buçozinho que eu forcejava por


trazer a bigode. Os olhos, vivos e resolutos, eram a minha feição


verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se


distinguia bem se era uma criança, com fumos de homem, se um


homem com ares de menino. Ao cabo, era um lindo garção, lindo e


audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e


sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o


corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo


medieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o


estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o


realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão,


o transportou para os seus livros. Sim, eu era esse garção bonito, airoso, abastado; e facilmente se


imagina que mais de uma dama inclinou diante de mim a fronte


pensativa, ou levantou para mim os olhos cobiçosos. De todas porém


a que me cativou logo foi uma... uma... não sei se diga; este livro é


casto, ao menos na intenção; na intenção é castíssimo. Mas vá lá; ou


se há de dizer tudo ou nada. A que me cativou foi uma dama


espanhola, Marcela, a "linda Marcela", como lhe chamavam os


rapazes do tempo. E tinham razão os rapazes. Era filha de um


hortelão das Astúrias; disse-mo ela mesma, num dia de sinceridade,


porque a opinião aceita é que nascera de um letrado de Madri, vítima


da invasão francesa, ferido, encarcerado, espingardeado, quando ela


tinha apenas doze anos.



Cosas de España. Quem quer que fosse, porém, o pai, letrado ou


hortelão, a verdade é que Marcela não possuía a inocência rústica, e


mal chegava a entender a moral do código. Era boa moça, lépida,


sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que


lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e


berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes.


Naquele ano, morria de amores por um certo Xavier, sujeito abastado


e tísico, - uma pérola.



Vi-a pela primeira vez, no Rocio Grande, na noite das luminárias, logo


que constou a declaração da independência, uma festa de primavera,


um amanhecer da alma pública. Éramos dois rapazes, o povo e eu;


vínhamos da infância, com todos os arrebatamentos da juventude.


Vi-a sair de uma cadeirinha, airosa e vistosa, um corpo esbelto,


ondulante, um desgarre, alguma coisa que nunca achara nas


mulheres puras. - Segue-me, disse ela ao pajem. E eu segui-a, tão


pajem como o outro, como se a ordem me fosse dada, deixei-me ir


namorado, vibrante, cheio das primeiras auroras. A meio caminho,


chamaram-lhe "linda Marcela", lembrou-me que ouvira tal nome a


meu tio João, e fiquei, confesso que fiquei tonto.



Três dias depois perguntou-me meu tio, em segredo, se queria ir a


uma ceia de moças, nos Cajueiros. Fomos; era em casa de Marcela.


O Xavier, com todos os seus tubérculos, presidia ao banquete


noturno, em que eu pouco ou nada comi, porque só tinha olhos para


a dona da casa. Que gentil que estava a espanhola! Havia mais uma


meia dúzia de mulheres, - todas de partido -, e bonitas, cheias de


graça, mas a espanhola... O entusiasmo, alguns goles de vinho, o


gênio imperioso, estouvado, tudo isso me levou a fazer uma coisa


única; à saída, à porta da rua, disse a meu tio que esperasse um


instante, e tornei a subir as escadas.



- Esqueceu alguma coisa? perguntou Marcela de pé, no patamar.



- O lenço.



Ela ia abrir-me caminho para tornar à sala; eu segurei-lhe nas mãos,


puxei-a para mim, e dei-lhe um beijo. Não sei se ela disse alguma


coisa, se gritou, se chamou alguém; não sei nada; sei que desci outra


vez as escadas, veloz como um tufão, e incerto como um ébrio.

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