Brittainy
Depois da festa de Halloween ontem, dormi por doze horas desde que cheguei em casa. Ou seja, são cinco da tarde da véspera do Halloween. As crianças da rua já estão se preparando, enquanto eu estou no sofá, no tédio, esperando o The Voice começar daqui a algumas horas. O que faz minha volta às aulas feliz é que o programa também começa na mesma época. Eu estava vendo um filme, quando tocaram a campainha. Abri a porta e tinha uma vampira e o capitão gancho.
— Doces ou travessuras? — eles perguntaram juntos.
Estavam com ovos para as travessuras. Sorri para eles.
— Doces.
Fui buscar o saco de balas que comprei especialmente para isso. Entreguei a bala e os encarei.
— Será que posso ir com vocês? — mudei o peso do corpo de perna, nervosa. Ficar em casa é entediante às vezes.
— Claro, você tem uma fantasia?
— Tenho. Uma das Panteras ou sereia?
— O que é "Uma das Panteras"? — um ali perguntou, fazendo a criança mais velha balançar a cabeça, mas outra respondeu antes que eu pudesse explicar.
— Sereia! Mas faça alguma coisa assustadora, é Halloween e tudo precisa ser assustador. Vamos sentar aqui enquanto te esperamos.
— Volto em dez minutos. — sorri e subi as escadas correndo.
Tirei minha roupa, e peguei a fantasia que eu ia usar ontem. Coloquei-a, e fui pegar minha bolsa de maquiagem. Fiz uma parte meio lilás com roxo, bem mística, e a outra como se tivesse sido arranhada por um urso. Peguei uma bolsa de conchas que ganhei da minha antiga professora de balé, e corri para baixo.
— Como estou?
— Legal. Vamos lá moça sereia que foi atacada por um tubarão.
Paramos na próxima casa, e mais crianças fantasiadas se juntaram a nós. A mãe delas elogiou minha ideia, e nos deu muitos doces. De casa em casa, só na nossa rua, conseguimos doze crianças e eu. Passamos para a próxima rua, e já tiveram crianças com cestas cheias e voltando para casa. Mas a maioria continuou para a próxima. A primeira casa da rua era bem grande, e as outras também. Essa, em especial, tocava música e tinha, vozes dentro.
— Essa é a zona rica do bairro. — um Batman falou — Eles quase não dão doces.
— E vocês fazem as travessuras?
— Claro! As regras servem para todos os humanos. Este é um ponto importante do Halloween, animais não devem ser incomodados.
— Por que você não toca dessa vez? — uma menina de boneca perguntou.
Toquei. Quem tocava era quem perguntava, essa era a regra. Preparei minha cara de cachorro que fez coisa errada, para a pessoa ter dó de nós se dissesse não. Mas fiquei com a cara neutra quando a pessoa abriu.
— Brittainy? — era o Zack. Por Deus do céu, não tinha outra pessoa para morar aqui?
— Doces ou travessuras? — perguntei envergonhada.
— Travessuras. O que você tem aí, Moore? Spray colorido? Pretende vandalizar casas?
— É spray de cabelo, para as casas temos outros planos. Doces ou travessuras? — perguntei de novo — As travessuras não são muito amigáveis, envolve ovos.
— Ovos podres! — um zumbi respondeu.
— É, e papel higiênico! — uma fada acrescentou.
— Você tem seu próprio exército. Isso é legal. Crianças, como eu digo todos os anos, nem doces e nem travessuras.
— Você não está com um balde dessa vez, não vamos ficar com medo.
— Dessa vez eu resolvi ser bonzinho, e tive uma ideia melhor, onde todo mundo sai ganhando. Vou com vocês.
Estreitei os olhos para ele, que entrou e voltou depois de cinco minutos, fantasiado de cowboy. Um cowboy bem musculoso. Seguimos para a próxima casa, e o Zack, como novato teve que tocar. Um homem de farda abriu a porta.
— Doces ou travessuras?
— Hm, hoje é o Halloween? Tô perdido no calendário. Vou ver se tenho alguma coisa doce, esperem um pouco.
Ele entrou e encarei as crianças.
— Ele é soldado. — um falou — Não fazemos travessuras com soldados, eles não têm uma vida fácil.
O homem voltou com umas barrinhas de cereais proteicas.
— É a única coisa doce que tenho aqui, pode servir para o gigante aí. Tenham um bom feriado.
— Espera! — falei, antes que ele fechasse a porta — Por que você não vem conosco?
— Hoje não. Cheguei mais cedo de uma temporada na Síria, e tenho que reabitar.
— Mas o Halloween é um costume! Você vai se sentir em casa. — a vampira tentou.
— Não tenho fantasia.
— Ah, cara, para de desculpas, você quer ir. Sua farda serve. A Britainny sabe fazer maquiagem, em vinte minutos você tá pronto. — um abelha disse.
— E você pode pegar doces de verdade! — a boneca acrescentou.
— Eu tinha me esquecido da persuasão das crianças. Tudo bem, eu vou. Mas não vou tocar na próxima!
— Vai sim! É a regra! — elas responderam juntas.
Ele entrou, e voltou fardado. Meus olhos quase saltaram das órbitas de tanto que a roupa caía bem nele. O Derren limpou a garganta.
— Brittainy, como você vai fazer a maquiagem?
A vampira me entregou um cilindro com cinco cores de tinta.
— Minha mãe sempre manda comigo. — sorriu.
Peguei, e o transformei em um soldado ferido. Ele se olhou no espelho.
— Uau. Você é boa nisso, Britt.
— O nome dela não é Britt. Vamos logo, estamos com crianças que precisam dormir para crescer. — o Zachary cuspiu.
No caminho para a próxima casa, o homem entrosou com as crianças, e nós dois ficamos mais atrás.
— Você gostou dele, não é? — pergunta derrotado.
— Ele é bonitinho.
— Minha mãe me chama de bonitinho todos os dias. Também sou bonitinho, Britt. — sorriu.
Não, você é muito bonito. Mas não falarei isso em voz alta.
A nossa brincadeira deu certo. Conseguimos mais dois adultos e cestas cheias. Quando chegamos na última casa do bairro, quase todos tinham ido embora. Só o Zack e eu sobramos.
— Quem toca? — perguntei.
— Você.
Toquei, e um urso rosnou do outro lado. Quase mijei na roupa. Uma coisa bateu na porta com força, e não esperei mais nada para sair correndo como se fosse o último lance do campeonato e a bola estivesse comigo, o placar empatado.
— Ele tá atrás de nós! — o Zack gritou.
Olhei para trás, e vi um rottweiler. O capitão então me puxou para a rua da casa dele, e nos trancou no lugar.
— Caraca, nunca mais peço doces. — ele disse.
— Quando eu era criança, quando o cachorro latia, a gente saía correndo na hora. Isso nunca aconteceu comigo antes.
Ouvi um choro canino do outro lado da porta, e fui até a janela ver o animal. Estava com um brinquedo na boca, olhando para o pedaço de madeira com uma cara triste.
— Zack, acho que ele só queria brincar.
— Você tá louca? Não ouviu o som que ele fez?
— Ele tá com um brinquedo, vem aqui ver.
Ele veio, e deu um suspiro longo.
— Você vai ver se é. Se alguma coisa acontecer, digo para todos que você salvou minha vida.
— Esse é o meu quarterback, corajoso, forte, enfrenta qualquer coisa viva. O que mais dizem de você?
— Tenho amor à vida. Vai lá.
Ele destrancou a porta e me empurrou para fora. O cachorro jogou o osso de borracha pra mim, assim que me viu. Peguei o negócio todo babado, e ele correu pelo gramado do Zack, esperando eu jogar. Joguei e ele correu atrás, dando pulinhos. Trouxe de volta pra mim.
— Você só queria alguém pra brincar, não é? Tenho uma hora até meus pais chegarem, e preciso ir vinte minutos antes, para eles me encontrarem em casa pronta para dormir, o que significa que posso brincar por quarenta minutos.
Ele ficou de pé animado e lambeu meu rosto, cheirando minha mão para que eu jogasse o osso quando desceu. O Zack se espreitou pela porta, e joguei o osso perto do pé dele, que só teve tempo de olhar para o chão antes que o cachorro o atropelasse e derrubasse ele no chão.
— Isso! Você derrubou o quarterback! Agora é só correr até a última jarda e fazer o ponto! Vem cá, vamos fazer isso!
Ele gostou da minha animação, porque veio correndo até mim. Corri até o outro lado da rua, e comemorei quando o cachorro veio também. O Zack estava sentado na porta da casa dele.
— Não acredito que você fez isso. — falou.
— Eu não fiz nada, ele fez.
—Você está jogando futebol com um cachorro, Brittainy.
— E ele te derrubou.
— Você é maluca.
— Um cachorro conseguiu te derrubar, Zack Derren. Fique tranquilo, não contarei a ninguém.
Um floco de neve caiu no meu nariz. Na minha testa, e logo nevava por todos os lados.
— É melhor eu ir. Está frio. — falei.
— É melhor mesmo. Quer que eu te acompanhe até sua casa?
— Não precisa, acho que ninguém se meterá com uma sereia ferida. — sorri.
— Concordo. Te acompanharei até a última rua antes da sua casa, então. Tenho que levar esse gigante de volta. — apontou o cachorro.
Caminhamos lado a lado até a rua da casa do cachorro. Ele precisou de ajuda pra colocar o animal lá dentro, visto que o mesmo não queria entrar. Quando conseguimos, encarei o Zack.
— Foi uma boa noite.
—Foi sim. Na escola tem mais, daqui a algumas horas.
— É melhor termos dormido para isso, né?
— É. Eu te acompanho até sua casa, é só mais uma rua.
Concordei então. Andamos em silêncio, e quando alcancei a porta, o encarei.
— Obrigada por ter me acompanhado.
— Não há de quê. Tenha uma boa noite.
— Para você também.
Entrei, e corri para o meu quarto para vê-lo ir embora. Mas ele estava lá ainda, olhando para o céu. Apesar dele ter uma família, um milhão de amigos, e um monte de garotas interessadas, tenho a impressão que ele é solitário. Ele me viu olhando para ele e acenou para mim, antes de dar meia volta e caminhar rumo à casa dele. Nem tentei controlar meus impulsos, coloquei a cabeça pra fora da janela e o gritei:
— Ei, capitão! Você é homem o suficiente para ver um filme de terror?
Ele girou o corpo e olhou para mim.
— Fica pra próxima, Britt. Está tarde.
Olhei-o ir embora. Nem reclamei do uso do meu apelido, porque, de uma forma ou de outra, eu era a Britt e não havia razão para não ser para ele. Suspirei cansada.
Um dia eu ainda vou te entender, Zack Derren.
Capítulo hoje e nessa hora porquê o dia mais bonito do ano merece, afinal já é dia 5 aqui em Minas (é meu aniversário, hehe). Falando da história, esses dois... (completem vocês)