Alice ainda estava um tanto assustada a respeito de tudo o que vira. Suas mãos coçavam institivamente o local onde a corda enrolara em seu pescoço. Ela mantinha os olhos baixos. Não conseguia olhar para Knight.
- Como elas sabiam aonde Alice estava? – Knight indagou, sua voz fazendo o corpo da garota ter calafrios.
- Era uma armadilha, isso está mais do que óbvio. – Vincent retrucou.
- Mas quem está atrás delas? Pelo o que vimos, as bruxas não estão querendo as Voodoo Dolls para elas mesmas.
Alice estava sentada novamente no sofá da casa de Alistair, nos Campos. A casa estava fria. Max brincava com os dedos, estalando-os, encarando o chão enquanto o fazia.
- Alice – Alistair direcionou seus olhos a ela. – Você sabe quem fez isso, não sabe?
Secamente, a garota respondeu:
- Precisou ler minha mente para perguntar isso? Ainda acha que vou mentir?
Alistair franziu o cenho.
- Você parece muito abalada, loira. – Não havia um pingo de preocupação na voz de Knight. Parecia que ele apenas estava lendo um relatório em voz alta sobre como contrair doenças.
Aquele foi o primeiro momento em que ela olhara para Knight, e a cena dele quebrando o pescoço de Vincent retornou à sua cabeça.
- É O Conselho. – Admitiu ela, as mãos unindo-se, suando. – Eles estão atrás de nós. As Voodoo Dolls, quero dizer.
- Não faz sentido. – Vincent anunciou. – Como poderia saber disso?
- Por favor... – Ela debochou – sou a única a prestar atenção nas coisas? Havia o brasão do Conselho nas roupas dos homens que atacaram as bruxas.
Knight riu apenas para, em seguida, dizer:
- Enquanto lutávamos, Alice prestava atenção na roupa das pessoas.
- Ah, dá um tempo! – Ela se levantou e bateu as mãos contra as coxas. Max tremeu na cadeira em que estava.
- Ou o que? – O homem pálido andou até ela. Knight ainda vestia sua blusa rasgada, revelando seu peitoral. – Não vi você lutando ao nosso lado!
A raiva subiu ao rosto da garota, fazendo-a erubescer.
- Qual é o seu problema comigo!?
- Ainda não consigo entender de que lado você está! – Esbravejou ele, segurando-a pelos braços. Ele era incrivelmente forte, e arrancou um pequeno gemido do fundo da garganta da garota.
- Knight! – Vincent o advertiu, colocando a mão sobre o ombro do homem.
- Eu sei aonde Endy está... – Alice disse por entre uma lufada de ar. A garota esfregou o braço no local em que Knight a segurara.
- Como é? – Vincent andou até ela, passando o braço no entorno de seus ombros, como se aquilo criasse uma espécie de escudo contra Knight, que os fuzilou com seu olhar profundamente debochado.
- Eu... – ela encarou Knight – eu pedi para que uma das bruxas me mostrasse o futuro... – Admitiu ela.
- Alice – Alistair se sobrepôs antes que Vincent dissesse algo. – Você não deveria ter feito isso.
- E por que não? – Retrucou. – Já estou cansada de ficar sendo jogada de um lado para o outro e sendo forçada a fazer o que os outros querem! Eu pedi para que as bruxas lessem meu futuro para proteger vocês!
Max ergueu as sobrancelhas.
- Eu disse... para você não fazer isso, Alice... – Max começou a dizer, ainda estalava os dedos. – Não se pode brincar com o futuro.
- Max, por favor... foi preciso fazê-lo.
- Por que? – Knight indagou por entre os dentes.
- Para salvar...você. – Respondeu envergonhada, as maçãs do rosto esquentando conforme o rosto de Knight endurecia.
- Mas é claro. – Alistair cruzou os braços. – Ao pedir para que uma bruxa te mostre seu futuro, todo o tempo ao seu redor se congela. – Ele engoliu em seco antes de admitir: - Foi muito bem pensado, Alice. Mas também muito perigoso.
O silencio irrompeu pela sala, deixando todos imóveis e extremamente quietos.
- Alice – Vincent quebrou o silencio. – Você disse que...sabe aonde Endy está.
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- Aonde ela está?
- Ela está com o Conselho. – A loira disse, sabendo que ela estava correndo perigo.
Alistair foi sucinto, direito e, ao mesmo tempo, ágil. Ele apanhou um velho mapa que estava em um dos diversos quartos do andar de cima, tirou as frutas que estavam em cima da bancada da cozinha, e abriu um mapa da estrutura do prédio do Conselho.
- Roubei isto no dia em que desertei. – Disse ele. Parecia um tanto melancólico. – Há sessenta e sete andares. Os Cinco ficam no último, obviamente. Podemos entrar se pegarmos o atalho pelo beco dos ladrões – apontou ele no mapa – pelo nome, já dá para saber o que vamos enfrentar nas ruas.
- Precisamos entrar no prédio. – Alice disse para si mesma.
- Se fizermos isso, talvez não consigamos sair. – Vincent anunciou.
- Precisamos tentar. Será o nosso ponto de partida. – Alice respondeu.
- Será o nosso ponto de partida e a linha de chegada. – Knight interveio. – Uma vez dentro, não vamos sair. Há muitos guardas. Por mais que lutemos, no final vamos morrer ou então acabar presos.
Alistair bufou, vencido. Os ombros estavam tensos.
- Todos nós somos conhecidos. – Ele disse. – Menos ela. – Seus olhos pareciam implorar para que Alice concordasse com ele.
- Se for verdade o que Alice disse, que as Voodoo Dolls estão sendo caçadas pelo Conselho, então eles a matarão assim que ela colocar os pés lá dentro. – Raciocinou Knight, as mãos esfregando as pernas.
- Podemos disfarça-la. – Vincent tocou a mão de Alice. – Acha que consegue?
- Posso tentar. – Alice lembrou-se da morte do homem. Seu corpo tombando sem vida sob a grama dura. Knight parado, encarando-a.
- Você já foi um deles, Alistair. – Knight caminhou até o homem. – Sabe como pensam e o que fazem lá dentro. Ensine-a como não ser morta lá dentro. – Então, ele esbarrou no ombro do homem propositalmente, apenas para subir os degraus da escada colada na parede e ir para o seu quarto. A porta do andar de cima bateu, fazendo com que a casa tremesse.
Vá para a direita, Alice.
A garota estava tensa. Os braços seguravam uma pasta preta e os dedos suavam. Ela tinha os cabelos loiros presos num coque bem feito por Max e usava grandes óculos amarronzados, que dominavam seu rosto, fazendo seus olhos aumentarem consideravelmente. Os pés estavam presos num salto-alto cinza-chumbo e seu vestido azul comprimia seus seios.
- Para onde vou agora? – Indagou ela. Qualquer pessoa que a visse, a chamaria de louca. Por que ela estava falando sozinha?
Ao entrar à direita como fora ordenado por Alistair, Alice caíra num beco repleto de sombras. Havia um homem jogado ao chão, pequenas bolhas saiam de sua garganta. Ele suava muito. Mais à frente, Alice viu dois homens da guarda do Cosnelho arrastando um comerciante ilegal, que vendia uma espécie de planta que Alice nunca soubera da existência.
Você precisa virar à esquerda, agora. Você verá uma porta atrás de uma série de tijolos jogados. Abra-a. Você saíra na sala das fianças do prédio. Muitos não conhecem essa passagem, então torça para que a sala esteja vazia.
- E se não estiver? – Indagou ela hesitante, abrindo a porta atrás da pilha de tijolos assim como Alistair lhe dissera para fazer.
Se não estiver...lute.
Ela deixou escapar um riso debochadamente curto.
- Como espera que eu lute usando um vestido?
Alice, você é, agora, uma secretária. Haja como tal.
- Enteei. – Disse ela ao sentir o bafo quente da sala de fianças. Era um cômodo patético, com cadeiras acolchoadas e revestidas de couro preto. O tom bege das paredes fazia com que a sala diminuísse e o piso de carpete era confortável aos pés.
Alice caminhou até a porta prateada, que ficava no canto esquerdo do cômodo, e ao abri-la um ar frio a envolveu. A garota saiu numa espécie de saguão. Havia inúmeras pessoas ali. Uma mulher com um topete alaranjado chamou a atenção de Alice.
Você está na sessão principal, Alice.
Com as pernas ainda incertas do que fazerem, Alice começou a caminhar em direção a uma fonte branca de água circular, que combinava com as paredes, porém formava um contraste exageradamente forte ao piso lustroso de linóleo azul-pavão. Por mais que houvessem muitas pessoas, o silêncio ali era incômodo.
- Aonde eu devo ir? – Indagou ela, ajeitando os óculos exageradamente grande em seu rosto.
Irá depender do que você viu, Alice.
- Eu apenas vi seu rosto...
- O que está fazendo aí? – Indagou um homem atrás dela. Usava um terno verde-musgo e caminhava com imponência.
Haja normalmente, Alice. Diga que veio para a vaga de secretária dos casos físicos.
- Vim para a vaga de secretária dos casos físicos. – Disse ela rápido de mais.
O rosto duro e quadrado do homem a fuzilou com os olhos azuis. Seu queixo era protuberante e desornava com o resto de seu rosto simétrico.
- Me acompanhe, então. – Ele se virou e começou a caminha. As pernas de Alice tremiam.
- Ele sabe? – Indagou ela num sussurro.
Acredito que não. Alistair respondeu.
Eles caminharam pelo piso lustroso até alcançarem um elevador prateado. Alice agarrava as pastas com todas as forças que tinha, mesmo elas não tendo nada importante. Haviam sessenta e cinco botões no elevador, o que fez Alice pensar: como se chegava no sexagésimo sexto andar?
- Não sabia que havíamos posto uma vaga de secretária para os casos físicos.
Alice nem sequer sabia o que eram os casos físicos.
- Ariana não costuma precisar de ajuda. – Continuava o homem de queixo grande.
Alice sentia o suor escorrendo por suas costas.
Alice...você precisa sair daí! Você está indo para a sessão da Ariana!
Quem é ela?
Ela é um dos Cinco, Alice! Saia daí!
Alice entendeu o que precisava fazer assim que viu que o homem apertara o sexagésimo quinto botão. Ela estaria mais perto dos Cinco. Talvez...
- Ariana é muito específica a respeito das pessoas com quem quer trabalhar. – Respondeu Alice, embora o homem não tivesse feito nenhuma pergunta.
Alice, o que está fazendo?
- E você se acha a altura de Ariana, gracinha? – Ele esfregou sua mão atrás do corpo de Alice, o que fez a garota girar o corpo, atacando-o no pescoço, derrubando-o no chão do elevador prateado e frio. No momento em que a porta se abrira, Alice chutara o rosto do homem.
- Quem sabe, assim, você fica mais bonito? – Então ela deixou o elevador, com uma confiança exagerada que ela não sabia da onde viera.
Alice, você precisa sair daí, agora!
Eu vou encontrar a Endy. Talvez Ariana saiba onde ela está.
Isso está se tornando uma missão suicida, Alice!
Eu vou salvá-la, Alistair. Pode sair da minha cabeça, se não quiser ver o que vai acontecer por aqui.
Se eu sair da sua cabeça, você morre!
Então já sabe o que tem de fazer.
O piso 65 tinha paredes ainda mais brancas do que a sessão principal. O chão, agora, era feito de mármore branco. Alice caminhava na direção de um balcão arredondado, onde havia uma cadeira de couro branco logo atrás. Ela parecia confortável.
Não havia nada no balcão. Nada que fosse útil. A garota decidiu deixar as pastas sobre a mesa, não havia motivo algum dela estar carregando-as. Um som abafado de vozes veio do canto direito daquele piso. Alice se levantou, as costas rígidas enquanto caminhava na direção daquele som.
Seus ouvidos a guiaram até uma parede no canto direito, mas não havia nada ali. Ela começou a tatear a parede, procurando por algo que fizesse a parede se mover.
Alice, tente aquela estátua.
Ela o obedeceu, mas nada aconteceu quando ela agarrou a estatueta prateada de um terroso. Por que alguém teria uma estátua daquela criatura no ambiente de trabalho?
- Não está funcionando!
Alice andou até uma janela e observou a vista. Era tão alto e tão lindo. Era possível ver absolutamente tudo. Os Campos, sempre verdejantes, a área urbanizada do O Círculo. Era realmente lindo. Alice decidiu voltar até o balcão branco, sentando-se na poltrona confortável, se assustando no momento em que viu o piso ceder. Um tanto apreensiva, ela viu a luz desaparecer e as sombras tomaram seu corpo.
- Alistair, o que é isso? – Disse ela, não se importando se alguém a ouviria.
Eu nunca soube disso, Alice.
- Por favor, você tem que me ajudar agora!
Nenhuma resposta veio de Alistair.
- Alistair! Por favor!
Nada.
- Alistair!
Então, o assento parou de descer numa sala azul acinzentada. Alice agarrava a poltrona com os dedos finos. A respiração estava pesada. Hesitante, ela se levantou e olhou ao redor. Aquele amontoado de cor azul a estava deixando enjoada e um tanto zonza.
As vozes que ela ouvira enquanto estava no piso de cima voltaram a ser audíveis, agora, mais perto da garota. Alice caminhou na direção dela.
- Alistair, por favor, diz que você pode me ouvir... – Mas não ouve resposta ao seu pedido.
Os salto-altos da garota batiam contra o piso azul e repercutiam por todo o cômodo.
Havia, agora, uma porta na frente da garota, espelhada, o que revelava as expressões amedrontadas que assumiam o rosto de Alice. Não havia maçaneta, não havia nada para abrir aquela porta. Alice esticou a mão até o espelho, sentindo a frieza dele nas pontas dos dedos.
- O que eu faço?
Alice andou de um lado para o outro, pensando, até que uma fresta de luz lhe acertou o rosto, fazendo-a piscar rapidamente. Ela se apoiou nos joelhos, observando o pouco que a fresta lhe permitia ver.
Havia uma mulher de cabelos loiro-palha, o rosto alongado e olhos profundos. Ariana?, Alice pensou.
- Tire toda essa maquiagem. Sabe que não pode aparecer deste jeito para mim.
A próxima voz fez Alice tremer.
- Prefere que eu esteja assim? – Indagou Lucy, passando a mão na frente de seu rosto, retirando os arabescos pretos de seu rosto, destruindo a forma da caveira, revelando um nariz menos pontudo do que Alice achara que fosse. – Você prefere que eu seja algo que não sou?
- Prefiro que você tome mais cuidado. Não pode ser vista aqui.
Então Alice estava certa. Era O Conselho que realmente queria as Voodoo Dolls.
- Eu acho que você tem medo. – Zombou Lucy, agarrando o rosto da mulher.
- De você? – Ariana abaixou a cabeça, beijando os lábios rosados da bruxa.
- De me perder. – Lucy sorriu.
- Igual vocês perderam a garota?
Lucy bufou e cruzou os braços sob o corpete branco que usava. Os cabelos platinados estavam na altura de seus mamilos.
- Não foi culpa nossa.
- Um de meus homens disse que Kiera queria matar a garota.
- Como se vocês não fossem fazer o mesmo! – Retrucou a bruxa. Havia raiva em seus olhos. – Vocês prometeram algo e não nos deram. Não há mais acordo algum entre nós.
- Quer dizer que isso...acabou?
- Nós? – Indagou Lucy.
Ariana assentiu.
- Depende de você. Consegue olhar todos os dias no rosto da mulher que deixou sua preciosa Voodo Doll escapar?
Ariana olhou para baixo e, depois, tocou seus lábios nos de Lucy novamente, respondendo à pergunta da bruxa.
- Preciso que fique de olhos abertos. – Disse Ariana.
- Eu? De olhos abertos? – Lucy riu. – Vocês, os Cinco, deveriam ficar de olhos abertos, controlando o mundo paralelo.
Ariana não respondeu.
- O que quer que eu faça? Por favor, não diga nada a respeito de Voodoo Dolls.
- Mas precisamos dela!
Lucy apoiou-se num sofá branco que Alice só enxergara agora.
- Por quê? Por que precisam tanto dessas idiotas? Elas sempre estiveram lá! Vocês nunca ligaram!
- Nós as queremos porque elas podem colocar tudo a perder! Já se esqueceu do que me disse? Você me mostrou o futuro! – Ariana estava praticamente gritando com a bruxa, que mantinha seu tom de voz baixo e calmo.
- Uma Voodoo Doll irá tomar aquilo que um dia foi perfeito... – começou Lucy.
- Mas que agora deve ser desfeito. – Finalizou Ariana. – É exatamente isso! Precisamos dela.
- As Voodoo Dolls não estão dando em árvore, sabia disso?
- Sim. Nós estamos matando elas. – Admitiu Ariana. – Precisamos manter o mundo paralelo seguro!
Lucy riu.
- Esse lugar nunca foi seguro, Ary.
- E pode ser muito pior se uma Voodoo Doll cumprir o que você me mostrou. Precisamos delas. Precisamos matar cada uma delas.
- O que quer que eu faça?
- Restam apenas cinco Voodoo Dolls. Eu sei onde elas estão. Uma delas está com um de meus informantes. Alice Lovett. A que você deixou escapar. Precisamos dela.
- O que há de tão importante nessa garota?
- Ela pode destruir tudo, Lucy. Nunca vi uma Voodoo Doll como ela. É quase como se....ela realmente quisesse lutar.
Alice levou a mão aos lábios, sentindo-os ressecados. Ela sentiu os olhos arderem em lágrimas.
- Alice Lovett precisa morrer.