-Porque quis me salvar? Você me odeia! -cerrei os punhos.
-Não te odeio. Os caras com quem eu andava ficavam me forçando a mexer com você. -suas palavras soaram verdadeiras. -Laila está muito mal. -disse cabisbaixo.
-Você contou a ela? Contou que me encontrou nesse estado? -saltei do sofá.
-Não! -quase gritou. -Digo, ela está preocupada com você, mas não contei nada de que sabia onde estava. Aqui é um lugar muito perigoso para ela. -respirei aliviado. -Mas... -sua voz falhou. -...ela está no hospital.
-Isso tudo é culpa minha. -segurava as lágrimas. -Tenho que ir até ela. -disse. -Onde fica este hospital?
-O câncer não foi sua culpa. -prendi o ar. Ele começou a chorar.
-Can-can-câncer? -gaguejei. Não acreditava. -Como assim? -sorri irônico com os olhos cheios d'águas.
Ele estava muito aflito para conseguir formar uma só frase. Puxava os cabelos e tentava abafar os soluços. Não contive minhas lágrimas. Levantei atônito e cambaleei até a porta. O sol estava mais quente que nos últimos dias. Desci alguns degraus, mas cai sentado. O nervo da minha perna não obedecia meus comandos.
-Não vai conseguir sair, está muito fraco. -cogitei.
-Realmente eu não consigo sozinho, mas você pode me ajudar. Me leve até ela, por favor? Você não sabe o quanto ela é especial para mim. -ele limpou o rosto e concordou.
Sua moto estava a poucos metros da casa. Fui sem capacete mesmo. Gastamos vinte minutos para chegar ao hospital. Estava lotado. Macas espalhadas nos corredores, pessoas sentadas no chão, outras escoradas nas paredes. Cena assustadora. Lembrei do meu pesadelo. Apoiado no irmão da Laila chegamos na recepção.
-Senha? -perguntou a moça com cara de quem odiava o que fazia.
-Não temos senha...-nos interrompeu.
-Próximo. -gritou. A fuzilei.
-Qual quarto está Laila Aguiar? -perguntou seu irmão. O fitei. Nunca tinha ouvido o sobrenome dela.
-Só atendo se tiver senha. -mascou seu chiclete. -Mas alguma coisa? -sua cara de peixe morto estava me dando nos nervos.
-Escute aqui senhora, meu pai é Tião Aguiar se você não quer perder este seu cargo de bosta... -antes que ele terminasse sua frase a mulher pegou o telefone assustada.
-Laila Aguiar. Sim, por favor mandem um enfermeiro e tragam uma cadeira de rodas.
-Obrigado. -agradeceu firme.
Seu pequeno surto nos deu passe livre, atendimento prioritário e ainda uma cadeira de rodas. Gostei.
Dois minutos depois chegou um enfermeiro com uma cadeira de rodas, me sentei e ele nos guiou até o quarto que Laila estava.
-Escute, Laila está mal, então por favor não conte que te achei e você sabe. -ele estava aflito. Concordei.
Ela estava mais linda que nunca. Seu cabelo estava cortado nos ombros, vestia um vestido creme, os tubos de oxigênio deram um toque especial em sua aparência. Quando me viu seus olhos brilharam, senti minhas bochechas corarem.
Seu irmão correu até ela e a abraçou forte. Foi um gesto lindo.
O enfermeiro me levou para outra sala. Me apavorei.
-Relaxe. Só vamos fazer alguns curativos. -me acalmei. -Esta sentindo alguma dor, inchaços ou febre?
-Minha perna não obedece. -tentei movimenta-lá.
-Seu nervo está inflamado. Vou aplicar um remédio e daqui a algumas horas sua perna vai estar boa. Mas algum incômodo?
-Minhas costelas doem bastante. -choraminguei.
-Elas estão bem fraturadas. -analisou. -Mas o remédio vai resolver. -afirmou.
Ele preparou um soro de 300 ml com remédio amarelo e introduziu na minha veia.
-Você vai sentir sede e é provável que fique tonto, então te aconselho a ficar sentado e não beber água durante uma hora. -receitou. Concordei.
-Por favor pode me levar ao quarto da Laila Aguiar? -pedi.
Ela estava sentada na maca e brincava com os dedos do seu irmão. Sorri fraco. Lembrei de Márcio e Fernando, sempre que ficava doente eles me mimavam e passávamos horas brincando no hospital, não me abandonavam um minuto se quer.
-Eddy? -gritou de alegria. -Pablo me contou o que ouve. -fui tirado dos meus pensamentos. Meus olhos encontraram os dela e senti minha cabeça pesar. Suei frio. -Tudo bem. O importante é que você vai ficar bem. -sorrimos.
Passei algumas horas com seu irmão e nem lembrei de perguntar seu nome, muito menos havia agradecido o que ele fez por mim.
-Como você está? -me aproximei.
-Vou indo. Gostou do novo corte? -balançou os cabelos.
-Combinou mais com você.
-Por que não me atendeu? Te liguei várias vezes. -olhei para Pablo e só então caiu a ficha, ele havia contado outra história para ela.
-Hã... Ele deve ter perdido no acidente Laila. -mentiu Pablo. Confirmei.
-Ah! -exclamou pouco convencida.
Seus olhos baixaram. A alegria de antes agora estava dando espaço para uma lágrima cheia de dor.
Cheguei a cadeira de rodas para mais perto da maca e segurei suas mãos, o soro deixou minha visão turva, não conseguia focalizar seus olhos com precisão. Me esforcei.
-Desculpe não ter falado sobre meu problema, fui mais que covarde... -ela tentava se explicar.
-Ei? Você não é fraca. Tinha todo o direito de escolher, aquela foi sua opinião. Eu compreendo. -sorri, tentando decifrar sua expressão.
-Eddy, você é um bom amigo... -sorriu. -...mesmo sendo difícil conquistar sua amizade. -sorri. -Sinto como se trai sua confiança.
-Porque você pensa isso? -não a deixei responder. -Você sabe mais que ninguém o quanto fui solitário antes de nos tornarmos amigos. Você é mais que especial para mim, e eu respeito a sua decisão. -olhei para Pablo.
-Obrigado por cuidar dela quando eu estava... Estava ausente. -Pablo me agradeceu meio nervoso.
-Eu quem agradeço por... -supliquei a ele uma ajuda.
-Estamos entendidos, não se preocupe. -bateu de leve no meu ombro direito. Sorri agradecido.
Duas enfermeiras, acompanhadas com um médico - idoso - adentraram a ala nos direcionando para fora do quarto e em seguida fecharam a porta. Antes de sair, Pablo se debateu com os funcionários públicos. Não queria deixar sua irmã sozinha.
-Bando de incompetentes. -resmungava chutando o ar.
Não me sentia á vontade para pedir sua colaboração.
-Não posso deixar ela sozinha com aqueles faqueiros. -ele sorriu do seu comentário. -Sabe porque eles são faqueiros? -me perguntou. Neguei. -A única coisa que eles sabem é matar pessoas e nunca salva-las.
-O que vão fazer com ela? -tomei liberdade e perguntei.
-Vão tentar uma cirurgia de risco. -seus olhos estavam vermelhos como chamas. -O nosso querido pai nem liga... tem dinheiro suficiente para bancar o tratamento dela, mas não seus negócios são mais importantes que a saúde de seus filhos. -discutia com ele mesmo.
Pude ver o quão preocupado com a irmã ele era, seria capaz de qualquer coisa só para vê-lá bem. E se para isso custaria a vida, eu estaria ao lado dele.
O modo como Pablo se referia ao pai era assustador. Dei graças a Deus por ter me colocado em uma família que se importava. Família; a essa altura eu não poderia mais me referir como membro.
-Quer ligar para seus pais? -ofereceu-me o celular. -Eles devem estar preocupados.
-Não tenho pais. -respondi olhando para o soro que já havia aniquilado um pouco da dor. Levantei da cadeira um pouco tonto e retirei eu mesmo a agulha do braço.
Ele abriu a boca, mas o cortei.
-Temos assuntos mais importantes para tratar. Laila. -o lembrei.
-Certo. -cogitou trêmulo. -Não podemos deixar ela sozinha. A cirurgia se der... nem sei o que pode acontecer. -ele rodava os corredores cheios.
Pablo começou a quebrar as coisas, chutar portas e espalhar medicamentos. Ele estava nervoso.
-Assim só vamos atrair a fúria dos funcionários. -tentei para-ló.
Pablo não me deu ouvidos, logo alguns enfermeiros tentaram conter sua raiva. O seguravam e ele dava ponta pés e socos. Olhei sem saber o que fazia e comecei a socar todos na tentativa de ajudar ele a se soltar. Mais enfermeiros vieram e junto a eles os seguranças do prédio. Um deles segurava uma seringa com um líquido transparente. Sedativo. Ejetaram no pescoço de Pablo que foi apagando aos poucos. Quanto a mim? Fui retirado as forças pelos seguranças e jogado na rua como uma megera.