POV ANASTASIA
Já finalizava um jantar rápido para Christian e Elliot na cozinha. Impressiono-me com a velocidade e a destreza que havia aperfeiçoado durante todo esse tempo para os afazeres domésticos.
Com o jantar servido à mesa da sala de jantar vou caminhando até o escritório de Christian para avisá-los.
Assim que vou me aproximando deparo-me com a porta do escritório ir se abrindo ficando frente a frente com o meu amado Christian.
— Vim avisar que o jantar está pronto – digo com felicidade quando de repente sou interrompida por ele.
— Você! Eu entreguei meu coração pra você! Eu entreguei minha alma e você esconde uma merda dessas de mim Anastasia?! – Christian está com a feição transtornada e aponta para meu rosto com o dedo indicador. Fico sem reação.
Não acredito que Elliot contou...
— Eu... Eu não queria... – e sou novamente interrompida por Christian e sua fúria imensa.
— Não queria o que, porra?! Já não basta esconder uma merda dessas de mim você ainda quer justificar algo? – seus olhos eram negros e repletos de raiva. Preciso fazer com que ele entenda que o que escondi foi com boas intenções mas confesso que meu corpo é dominado por sentimentos de dor e desespero.
— Estávamos vivendo dias tão bons que eu não queria estragar... Eu te amo, Christian... – e não consigo evitar as lágrimas que já caiam pelo meu rosto descontroladamente.
— Foda-se, Anastasia! Foda-se! Quando eu voltar, conversamos! – grita Christian enquanto se aprontava para sair.
Enquanto Christian e Elliot saíam pela porta eu sentia o meu corpo tremer e perder o tônus. Já caía ao chão com as mãos em meu rosto e chorava, chorava, chorava.
Sentia-me traída por Elliot. Pedi com todas as minhas força que ele guardasse consigo mas não foi o que houve.
Sentia-me desrespeitada por Christian. O jeito que falou comigo... Eu nunca o vi daquela maneira. Mas esperava que sua reação fosse muito similar.
As lágrimas rolavam soltas e sem controle pelos meus olhos, encharcavam minhas mãos e algumas alcançavam o chão.
Chorava tanto que soluçava e engasgava.
Chorava por frustração. Por medo. Por mágoa.
Já debruçava-me sob o chão quente de madeira na sala de estar e ali adormeço.
~*~
Acordo um tanto desorientada e com dor em meus olhos e pelo meu corpo. Ao olhar para o relógio da sala vejo que são por volta das 4:30 da manhã e percebo que o céu já mudava de cor e eu adormeci aqui mesmo, nesse chão.
Levanto aos poucos e direciono-me ao andar de cima. Mais precisamente para o quarto de hóspedes.
Lá eu podia ver os vestígios dos momentos de amor e carinho que eu e Christian compartilhamos. Posso dizer que foram os melhores momentos da minha vida.
Entregar-me a Christian era o que me fazia feliz. Dedicar-me a ele me causava alegria e satisfação.
Temo que depois do que descobriu não irá querer tocar-me. Não irá desejar-me. Não irá amar-me.
Tento afastar estes pensamentos de mim enquanto trocava a roupa de cama e a arrumava, varria o chão, juntava as roupas para lavar até que não restasse nenhum vestígio.
Desço as escadas colocando as roupas no cesto para lavar e recolhia o jantar que eu havia posto, mas que havia esfriado sem sequer ser tocado.
Aproveito para varrer o chão da sala de jantar e da sala de estar e tirava o pó de tudo. Procurava limpar tudo o que estava na minha frente para procurar não pensar no que tinha acontecido.
Rapidamente já lavava a louça e me colocava para fazer o café da manhã supondo que logo mais Christian poderia estar retornando.
— Bom dia, minha menina – ouço a voz melodiosa e sutil de Christian de quando queria me agradar.
Como pode ele pensar que pode me tratar como se nada tivesse acontecido? Como se não houvesse sido rude comigo?
Nesse momento tudo o que eu havia esquecido durante esses momentos sozinha vem à tona e volto a chorar.
Ele me olha preocupado e se aproxima de mim.
— Não chores, minha pequena, perdoa-me? Estava nervoso e fora de mim... – diz me olhando nos olhos enquanto limpava minhas lágrimas suavemente com seus dedos.
Um estrondo na sala tira a minha atenção de seus olhos e me assusto. Será que alguém está invadindo a casa?
Saio pela porta da cozinha e atravesso o corredor da sala de jantar com muita rapidez.
Ao chegar na sala encontro Katherine ao chão com o corpo trêmulo. O que Christian fez com ela?
Começo a reparar nos detalhes e posso ver sair pelas mangas de sua roupa machucados, cortes na pele e os restos de sangue seco. Isso me assusta, mas acima de tudo me preocupa ver Katherine nesse estado deplorável.
Olho para Christian com reprovação, tristeza, desapontamento. Eu sabia que algo iria acontecer à Katherine, mas não sabia que seria tão monstruoso.
Não posso deixa-la nesse momento, ela precisa de ajuda.
No mesmo instante já estava debruçada ao lado de Katherine e a ajudo a levantar, apoiando-a sob meus ombros. Ela é maior que eu, mas faço um esforço para leva-la até a escada.
Christian aparece ao nosso lado segurando Katherine em seus braços e levando-a para o andar de cima. Acho que ele está percebendo a gravidade do que houve.
Enquanto Christian acomoda Katherine deitada na cama eu vou correndo para o banheiro do casal e coloco a banheira para encher. Katherine vai precisar de um bom banho.
Ao voltar deparo-me com Christian que me fita com uma expressão incógnita enquanto eu o olho com tristeza.
Preciso que ele deixe-me cuidar disso.
— Deixe-nos a sós... Vou cuidar da sua mulher... - digo com calma enquanto já começava a despir Katherine. A cada peça de roupa que eu tirava mais feridas eu descobria. Eram lacerações, cortes e roxos para todos os lados.
— Não queres que eu fique aqui? Ela pode fazer algo contigo... – diz Christian preocupado. Mas acho que ele não está percebendo que quem fez algo foi ele.
— Não estás vendo a condição dela? Não consegue nem andar! – digo em som de lamento. Causa-me um pesar ao ver Katherine daquela forma.
Christian deixa o quarto e logo estou apenas eu e Katherine no quarto.
Ver a pessoa que me causou tanta dor daquela forma tão machucada, tão agredida me faz sentir mal.
Tenho um enorme senso de humanidade dentro de mim, mas Christian está perdendo isso naquele antro preconceituoso e opressor do Partido Nazista. Isso me dói.
Ao terminar de despir Katherine podia reparar todos os machucados que Christian havia feito em seu corpo.
Tento não olhar muito e vou ajudando ela a andar para o banheiro para que eu pudesse dar banho e cuidar de seus ferimentos.
Ao coloca-la sentada na banheira podia ver os profundos cortes em suas costas, que estavam em carne viva.
— Oh Katherine... – digo com dor na voz – O que ele fez com você... – e já apanho a esponja enchendo-a de água e lavando os restos de sangue seco de seu corpo.
— Estás achando isso o máximo não?! Deve estar adorando me ver assim- diz Katherine com a voz branda e a cabeça baixa.
— Não, claro que não! Eu estou preocupada! Estás muito machucada...
— E grávida – Katherine interrompe-me com tal alegação.
Assusto-me no mesmo instante. Christian espancou Katherine mesmo ela estando grávida. O quão desumano é isso?
— E Christian sabe disso? – pergunto com certa indignação.
— Sim e não pareceu se importar com isso – diz Katherine com pesar.
Como assim Christian? Um bebê vindo e você não se importa? Isso mexe comigo profundamente. É um ser de luz que vem aí. Uma criança. Mesmo sendo do homem que eu amo com outra, é um sentimento muito feliz que tenho em saber que uma criança está a caminho.
Mas me preocupo com a situação do bebê depois dessa monstruosidade que Christian foi capaz de fazer.
— Não prefere chamar um médico para ver se está tudo bem? – sugiro com preocupação enquanto limpo os machucados de Katherine.
— Tens razão... Mas temo em falar com Christian. Ele não está nada amigável comigo como pode perceber.
— Eu posso falar com ele se você quiser... – comento enquanto já levanto, indo em direção ao armário do banheiro retirando uma toalha limpa para Katherine.
— Falaria com ele? Nossa... Muito obrigada Anastasia... – diz Katherine pausadamente enquanto eu me aproximo da mesma.
Ajudo Katherine a se levantar e seco seu corpo com cuidado para não machucar e ajudo-a a caminhar de volta para o quarto.
Coloco-a sentada na cama enrolada na toalha enquanto eu já vou apanhando uma camisola confortável para vesti-la.
Assim que me aproximo novamente de Katherine vejo o seu olhar pra mim, e é um olhar diferente. Parece ser um olhar de confusão.
— Por que está sendo tão boa comigo depois de tudo o que eu disse... Depois de tudo o que eu fiz... – comenta enquanto a ajudo a colocar sua camisola.
— Pois apesar de tudo o que você já falou e fez eu não sou igual a você. Por mais que tu tenhas tirado minha inocência, eu não perdi minha essência.
Katherine fica em silêncio após me ouvir falar. Auxilio que deslize pela cama, cubro-a e vou até o banheiro apanhando um remédio para dor.
Assim que retorno com o comprimido e encho o copo da moringa de água, Katherine me olha com desconfiança.
— Não se preocupe, é remédio para dor... – digo com calma.
Katherine toma o remédio e eu posso ouvir um "obrigado" vindo de seus lábios, e não posso acreditar nisso.
— Tudo bem. Não faria o mesmo por mim, mas isso não me interessa. Tenho coisas pra fazer então descanse.
E vou saindo do quarto, deixando Katherine descansar.
~*~
Ao descer as escadas deparo-me com Christian sentado no sofá da sala de estar apertando as mãos um tanto aflito. Quando me vê, ele levanta no mesmo instante em um sobressalto e caminha até mim falando de forma um tanto ofegante.
— Ana, eu gostaria de explicar o que houve e eu quero que me escute...
— Nada justifica o que você fez, Christian! Você deixou sua esposa em carne viva! E ela está grávida! Tem um filho seu na barriga dela! Crescendo e se desenvolvendo! Você acha justo ele sofrer por um erro de Katherine?
— Eu não sabia que ela estava grávida quando fiz aquilo! Eu perdi a cabeça e o senso! Eu fiquei maluco em saber o que ela te fez, pequena! – diz Christian com desespero.
— Agora você entende o porquê eu não te contei o que ela fez comigo? Eu estava com medo do pior! – digo com indignação nos olhos.
Christian e eu nos olhamos por longos segundos ambos tentando entender o que se passava em nossas cabeças.
Ele dá um longo suspiro enquanto passa uma das mãos em seu corte militar demonstrando nervosismo.
— E o que você espera de mim? O que quer que eu faça? Deixe o que ela fez impune?
— Não é isso Christian, mas o que você fez... O nível que chegou... Isso não é normal! Preciso dizer que foi um tanto sádico o que fez!
Christian me olha com seriedade nesse momento, mas não diz uma palavra sequer. O que demonstra certa afirmação.
Sim, Christian perdia sua humanidade a cada dia que passava na SS. A cada dia que passava em âmbito militar.
— Aquilo que você fez me faz questionar onde está o homem que sempre cuidou e cuida de mim, que me fez sentir viva e extremamente feliz esses últimos dias... O homem por quem eu sempre fui apaixonada...
— Eu estou aqui, Anastasia. Este homem está aqui em sua frente. Este homem sou eu e é esse o jeito que eu sou – diz Christian me interrompendo.
— Você está perdido, Christian. Nem tu sabes quem é realmente. Se tu és o que queres ser ou o que os outros esperam que seja. Eu me questiono se o homem por quem eu me apaixonei é o teu verdadeiro eu ou se é o monstro sem humanidade que tem mostrado a cada dia mais.
— O meu posto me pede uma atitude e meu lugar na sociedade também Anastasia. Meu posto de General Comandante me pede fidelidade ao nazismo seja como for e meu lugar de marido me pede respeito.
— E você quer alguma dessas coisas? Alguém um dia te perguntou se isso tudo que tu és hoje era o que tu querias?
Christian não me responde. Ele apenas me olha de forma intensa como se estivesse pensando, mas vejo sua expressão extremamente perdida.
Nós nos olhamos por longos minutos naquele clima pesado que paira entre nós. Sei que Christian precisa pensar em tudo o que disse e além do mais eu disse muitas coisas delicadas.
Após um longo suspiro, eu consigo terminar aquela conversa.
— Vou voltar para a cozinha que é o meu lugar e vou preparar o almoço.
Vou andando para o corredor de acesso à cozinha enquanto Christian fica em pé paralisado no meio da sala.
— Ah, e chame um médico para analisar a situação de sua mulher. Mostre pra mim que ainda há humanidade em você.
E deixo Christian para trás.
A vontade que eu sinto de chorar é enorme, mas preciso ser forte.
Sei que eu tenho razão em tudo o que disse.
Fiquei de observadora por todos esses anos e só eu sei o quanto Christian mudou depois que entrou para o colégio militar e depois que se afiliou ao Partido Nazista e à SS.
Receio que depois dessa conversa as coisas mudem entre nós.
Mas não posso deixa de pensar que precisamos ficar sozinhos.
Pelo menos por agora.
Mas não posso negar que sentirei falta das noites em que nossas mentes e corpos estavam conectados.
Nos dias em que nada no mundo parecia existir que eu e Christian éramos um só no tempo estagnado.