Eva Bovoir
Ele não me apresentou, menos ainda como namorada, deixava-se ser tocado por outra ainda em minha frente e por bons segundos me fez pensar que era só caridade.
No entanto, meu coração tão tolo como eu própria precisava acreditar nele, em algo ao menos.
Portanto, assim que irrompo pelos banheiros não há nada a ver com ele, somente comigo, a situação que acabara de ocorrer era mero detalhe.
Confesso que deveria ter sido cautelosa e não sair sozinha estando em risco mas quando senti uma pontada no ventre não tive dúvidas de que precisava encontrar um banheiro o quanto antes.
Era como se algo retorcesse dentro e me arranhasse em pontadas espaçadas que me alertavam sobre a possibilidade de em meio aquela corrida toda em direção ao banheiro alguns órgãos ficassem pelo caminho.
Quando atinjo a porta do banheiro sinto olhares a minhas costas e imagino que Hugo veio até mim o que não era interessante mas ao menos me fazia segura, pois se não ele em definitivo eram os motoristas.
Começo a andar mais devagar assim que a vista vai ficando escura e começo a me perguntar quando peguei uma virose assim que tateio um trinco já que minhas vistas nesse instante não são mais tão confiáveis.
Não dá outra assim que entro, e encaro o espaço pequeno em pé um pouco, as pernas que revelavam fraquezas me fazem descender num baque tão alto que me pergunto se só aquele conjunto de ossos poderia fazer isso.
É quando ouço passos vagarosos por dentro do banheiro, apesar de tudo pareciam ainda pesados o que denotava ser de homem.
- Hugo?
Não era.
E em nenhum segundo cogitei a realidade de quem poderia ser já que não conhecia o rosto do algoz.
E o último que pensava era quem acabou por me aparecer tocando o ombro suavemente.
De um rosto quadrado sem um único pelo a pele era branca como neve, um lábio fino vacilava a poucos metros e ficava abaixo do nariz reto e olhos absurdamente azuis e frios deferidos a mim que de nada ajudou quando abriu a boca.
Não sei ao certo o que ocorreu quando nos encaramos por segundos como se a vida olhasse a morte, eu só sei que numa mistura de todos os fatores em segundos eu estava inconsciente...
***
Ao acordar começo a perpassar a mão por meu corpo e não encontro resquício de sangue nem menos algum buraco por ele, estava ao que tudo indica bem, porém mãos desconhecidas logo chegaram a volta do meu corpo sem me dar possibilidade de ver mais que estava num carro escuro a caminho de alguma lugar com mais dois homens além do que segurava meus braços e o levantou enquanto me debatia assustada ao vê-lo com uma seringa.
Foi a última imagem que vi...
***
Tinha em mim a impressão de que horas passaram-se.
Ainda me sentia sonolenta assim que abri os olhos pela segunda vez e levantei a cabeça, agora totalmente deitada numa cama de ferro enferrujada enredada muito suavemente entre lençóis brancos e finos.
As paredes eram de uma coloração cinza e possuía riscos.
No canto havia um vaso sanitário e próximo a onde eu estava uma cômoda com um prato e um copo vazio.
- Estou na prisão? - Indago pensando estar sozinha, é quando percebo que além de tudo há uma cadeira de madeira que rangia no outro extremo ao vazo.
Era o homem dos olhos azuis.
- Não está. Na verdade o que deveria era estar morta - Avisa segurando uma arma e se aproximando.
A arma não vacila um segundo quando chega a minha testa e eu como nunca fora em minha vida tomo coragem de devolver o olhar.
Resignada e sem medo.
Quando pensamos sobre a morte nunca podemos prever qual é a reação, pode ser que cheguemos a recair a surpresa, a tristeza, ao alívio.
Eu, porém, de todas as formas e cenários jamais imaginei a resignação.
Não sei de onde brotou, afinal eu me conheço o suficiente para saber que não sou conhecida por demasiada bravura, tenho meus momentos mas nada absurdo.
Então para mim além de tudo era uma surpresa que por mais estranho que pareça me fazia rir do instinto de que isso poderia salvar-me.
- Não rogará por sua vida? - Nego com a cabeça conforme a arma é destravada preenchendo o silêncio daquele quarto.
- Não.
- Já imaginava - É o que me responde - A trouxe porque entendo que é mais divertida viva que morta. Sabe Eva, eu sou um homem de extremos, nunca fiz nada aos poucos ou a metade. Mas o prazer que sinto ao imaginar seu sofrimento é tamanho que não vejo forma de que acabe rápido. Você me tem obcecado e me obriga a mata-la aos poucos por essa impertinência. E então vai dar a mim o que eu espero, o seu terror e também a surpresa pois no meu jogo só eu sei quando acaba...
O que descubro no instante em que ele baixa a arma é que nunca foi frieza, somente, era pouco, era um iceberg estruturado por partículas de doença.
Não podia ser normal ser assim.
- Confesso que tinha todo o elemento para mata-la também naquele banheiro, ou no carro, ou no avião... - Quando ele diz essa palavra eu paro por um segundo absorvendo.
Estávamos longe, estávamos longe de Hugo.
- Mas sempre tive para mim que merecia mais, no início não tanto mas quando toquei sua pele como o fiz todos esses dias com a foto eu descobri que para tamanho prazer uma única bala é simplório.
- Você representa mais - Diz segurando meu rosto.
Certo que era um dos homens mais bonitos que vi, não que tivesse visto muitos assim maduros, mas tudo o que eu sentia era apreensão.
- Eu juro que não conseguia entender o que leva um homem a estar com uma mulher que não o quer. Mas vendo seu rosto, essa inocência que ele irradia comportado nesse corpo... Eu juro que entendo Fernando...
E lá estava a menção ao que trouxe-nos aqui e que me atormentava com sei toque.
Minha mão surge do lado do corpo e volta apenas a pousar no branco daquela face num estalo estrondoso no quarto que faz minha mão arder.
Não há um intervalo de cinco segundos e sua mão enorme revida me fazendo cair outra vez contra a o colchão duro.
Então uma porta bate abruptamente e o homem dos olhos azuis sai por ali afora enquanto eu seguro meu próprio rosto que junto ao queimor vai umidecendo por lágrimas que começam a descer pelos olhos.
Longe de Hugo.
- Eu prometo que se eu puder ver você outra vez eu não vou deixar de dizer em todas as letras o que sinto. Sem me importar mais nada - Digo, agora sim sozinha, tocando meus lábios e podendo ainda sentir o sabor do nosso último beijo e tendo o suficiente para não conseguir dormir.
Não ouço mais nenhum barulho e não sei que hora é mas mesmo que tenha dormido todo esse tempo sinto como se não fosse nada já que estou igualmente cansada.
Penso como seria ver o céu agora, já que não há nenhuma janela.
Mas principalmente como seria me aninhar nele para dormir.
O rosto já não arde tanto quando me viro soltando o ar preso pela tristeza.
Talvez se eu tivesse me entregado desde ali eu pudesse não dar razão a isso.
Não que eu pense que esse homem pode estar certo, mas certamente Fernando era importante para alguém ainda que fosse o pior homem do mundo como esse parece ser.
Me nego a pensar mais essas coisas e volto meu pensamento a Hugo.
E logo depois ao meu padrasto.
Estariam seguros?
Poderia esse homem se contentar com somente fazer-me sofrer? Sem machucar mais ninguém?
As lágrimas chegam ao colchão duro e aos poucos vai molhando-o aos pingos como uma chuva.
Cada gota, ou cada pingo, era uma saudade misturada a medo.
Engraçado como não fui capaz de sentir medo com uma arma apontada para mim e ainda sim a possibilidade de ser vítima dela logo depois que bati na face do homem dos olhos de gelo.
Mas tinha um imenso pavor de que as únicas pessoas que tenho no mundo não estejam bem.
Posso estar como estou e acabar piorando ainda mas não suportaria que Hugo ou Ernesto se ferissem por mim.
No fim mudaria se eu tivesse me entregado?
O pensamento roda em meu subconsciente até eu ceder ao súbito cansaço e me perder num sono que cessou apenas horas depois.
Quando acordo estou cheia se suor correndo pelo rosto inundando até o cabelo da minha nuca fazendo com que esteja até mesmo grudado.
Havia acabado de ter um horrível pesadelo onde estava solta num campo aberto e tentava correr sem sair só lugar já que estava presa entre Fernando e o homem dos olhos de gelo que ao olhar assim por trás do pavor tinham um rosto até parecido.
Mas não foi isso que pensei naquele momento, só que eu me debatia e queria impedir mas quando Hugo e meu padrasto tentam impedir o último sai ferido e Hugo logo depois me deixando a mercê.
Então quando grandes pares de mão violam meu corpo não é mais um campo, é Genebra outra vez e o homem está lavado em sangue.
Por bem decido me levantar antes que acabe vomitando-me devido ao enjoo de ter presenciado aquela cena no sonho.
Ao constatar que não colocaria nada na boca porque tampouco comi algo desde muitas horas paro no chão abraçando meus próprios joelhos sentindo - me agora, sobretudo fraca.
É quando ouço passos advindos de antes.
Seguro o prato de vidro num instante que não sei o que me passa, talvez só um instinto que me aguça rapidamente a levantar e não ser fraca ainda que esteja e não chorar ainda que seja mais fácil.
Seguro o objeto de cerâmica contra meu peito agradecendo esse único deslize de deixa-lo ali e me escondo atrás da porta de ferro onde o homem havia saído horas atrás.
Quando ela se abre não espero demasiado.
Arremesso contra a cabeça de um dos capangas que conhecia por ter me atacado no hotel o surpreendendo e fazendo cair contra o chão apesar de não desmaiar apenas parar um segundo pela surpresa.
É quando aproveito vantagem o suficiente para correr em disparada por um corredor escuro...