My Immortal

By milkobarnes

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"I'm so tired of being here, suppressed by all my childish fears and if you have to leave I wish that you wou... More

Capítulo 1 - Bring me back to life
Capítulo 2 - Lean on
Capítulo 3 - Be Alright
Capítulo 4 - What I've Done
Capítulo 5 - True Faith
Capítulo 6 - Unsteady
Capítulo 7 - From Yesterday
Capítulo 8 - Vegas Skies
Capítulo 9 - Elastic Heart
Capítulo 10 - Don't Let Me Down
Capítulo 11 - Catch Fire
Capítulo 12 - Colors
Capítulo 13 - Touch It
Capítulo 14 - Outer Space
Capítulo 15 - Bare
Capítulo 16 - Love On The Brain
Capítulo 17 - Secret Love Song
Capítulo 18 - The Night We Met
Capítulo 19 - Moonlight

Capítulo 20 - Ghost Of You

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By milkobarnes

"...so I drown it out like I always do and I chase it down, with a shot of truth..."

(A escrita a seguir está em itálico porque se trata de memórias e sonhos)


- Ei, grandalhão! Sai de perto dele!

A luz quase o cegou. Ao abrir os olhos, Bucky foi atingido por uma quantidade desrespeitosa de claridade que nada tinha a ver com uma fonte artificial. O cheiro acre que invadiu seu nariz segundos após foi mais uma indicação de que ele definitivamente não estava dentro de lugar algum. Em um ato reflexivo para cobrir o rosto do assalto luminoso, ele acabou por criar uma nuvem de poeira em cima de si mesmo e ao erguer o tronco para tossir, suas pupilas avistaram um chão de terra vermelha.

Longos segundos passaram até que ele se acostumasse com a visão e o entendimento de aquilo não podia de maneira alguma ser real. Não era apenas o lado de fora, mas sim um lado de fora que não lhe era familiar. Pelo menos não...

- Sai de perto dele! Você é surdo?

Uma voz ao longe gritou pela segunda vez desde que ele despertara. Olhando pra baixo, Bucky tomou consciência do próprio corpo. Ele estava mesmo lá, as pernas, o tronco, o braço biônico e as roupas com as quais ele tinha ido buscar Steve mais cedo naquele dia...

Steve.

A realização o atingiu como um soco na boca do estômago, mais impiedosa do que a luz do dia contra suas pálpebras, porque essa dor o tomou por inteiro. Cada célula de seu corpo foi entendendo gradualmente o que estava acontecendo. Lembrando com uma vivacidade desnecessária do que o trouxera até ali. Steve. Festa surpresa. Dr. Landscorpe. Sedativo.

A porra de um sedativo.

O desespero ameaçou deixa-lo paralisado, tamanho o pânico que jorrou por suas veias ao mero pensamento de ter sido tão burro e imprudente, e que onde quer que ele estivesse, estava bem longe de Steve. Longe demais.

Bucky ergueu-se, obrigando os músculos a ficarem na posição sentada e por um breve momento ele se permitiu assimilar. Assimilar que por um momento o mundo pareceu ser um lugar bonito e seguro, sua guarda descansando para poder aproveitar o que ele pensou ser mais um dia tranquilo ao lado do homem que amava. Mas não. Esse tipo de coisa não acontecia com Bucky e ele já devia ter se acostumado. Até o maldito médico que devia lhe ajudar a se recuperar, o estava espionando pelo que poderiam ser meses e nenhum deles poderia fazer nada agora.

Suas células que antes estavam tentando entender, agora gritavam em agonia, cantando um mantra que Bucky já conhecia muito bem: tomara que ele esteja bem. Pelo amor de deus, qualquer que seja o mal, que recaia sobre mim e que o Steve fique em paz.

Então, um gritante alerta para suas esperanças infundadas, Bucky ouviu mais uma vez aquilo que o havia acordado.

- Eu. Vou. Quebrar. O. Seu. Nariz.

Ele empertigou o pescoço e dessa vez realmente olhou em volta. Um espaço não muito grande o cercava, com muros de tijolos desgastados e uma árvore quase morta que não devia ser muito mais alta que ele. Bucky, ainda sentado no chão duro de terra vermelha, virou o tronco para ver o que tinha atrás e se deparou com um prédio de dois andares, tão envelhecido quanto os muros ao redor. Algo naquele lugar serviu para lhe dizer que o ambiente era sim familiar, mas muito distante em sua mente danificada.

Entre um dos muros e o que parecia ser uma das portas dos fundos do prédio, haviam... Crianças?

Ele franziu o cenho conforme começou a se por de pé, quase sem perceber que o fazia. Mas havia algo ali, algo que puxou em cordas adormecidas em um canto um tanto profundo de sua mente. Duas figuras maiores bloqueavam dois corpos menores, o que não estava impedindo em nada os dois encurralados de estufarem o peito para seus agressores.

Bucky se aproximou, encurtando a distância mínima entre eles, perguntando-se se ninguém estava ouvindo a pequena discussão que acontecia ali. Será que ele devia chamar alguém? Será que ninguém havia percebido que há poucos minutos ele estava literalmente esparramado no meio do chão?

- Ei! – Bucky se ouviu chamando ou pelo menos foi o comando que ele mandou para a própria boca, mas sua voz saiu um tanto... Abafada. – Ei.

Sua tentativa deve ter sido mal sucedida, aumentando ainda mais o sentimento de que aquilo não estava certo. Por que as crianças não estavam ouvindo? Por que ele estava ali?

E aí aconteceu.

Uma das figuras encurraladas atacou, provavelmente enviando toda a força do corpo para o gesto e empurrando uma das crianças maiores até ele cair de costas no chão. Bucky o viu atingiu a terra vermelha e levantar uma pequena nuvem de poeira. Ele devia estar há trinta centímetros do garoto, agora ele ia ser visto.

O menino – que não devia ter mais do que treze anos de idade, mas ainda assim portava o físico de um armário, contrastando com seu cabelo ruivo e bochechas rosadas – olhou pra cima parecendo extremamente raivoso e com a ajuda de seu outro colega que podia muito bem ser seu irmão gêmeo, ergueu-se para retomar a posição.

Duas coisas alertaram Bucky: a primeira foi que quando o garoto advertiu os olhos para o céu, seria muito possível de ver Bucky parado bem ali. E a segunda era que se isso não fosse suficiente, todos eles já poderiam tê-lo visto. Ele estava bem perto da pequena confusão. O que diabos...?

Ele deu um passo para o lado, para poder entrar no campo de visão dos garotos que estavam sendo encurralados e seu coração parou.

Uma batida... Duas batidas... Três batidas irregulares.

O lugar não lhe era muito familiar, de fato, mas não porque ele nunca tinha estado ali ou porque não se lembrava. Mas porque mais de noventa anos passaram-se desde a última vez.

Desde a última vez que ele se vira, tão jovem, nos fundos da escola onde cursara o ensino fundamental defendendo o pequeno garoto ao seu lado que atendia pelo nome de Steve Rogers.

Bucky não estava lá, então.

Aquilo era um sonho.

~ V ~

- Steve? Fala comigo. Steve!

Ele pensou que Wanda podia gritar dentro de sua cabeça e não faria diferença nenhuma. O tom dela ricocheteou nos ouvidos dele e rebateu nas paredes frias ao seu redor, mas ele permanecia ajoelhado no chão, os olhos vidrados encarando o nada, a seringa vazia repousando na palma da mão que ele não conseguia fechar.

Steve podia sentir o próprio coração batendo dentro do peito, seus pulmões ainda faziam o trabalho costumeiro de puxar e soltar o ar. O sangue irrefutavelmente alterado pelo soro do supersoldado continuava a correr por suas veias, mas ele parecia extremamente gelado e grosso, doendo de tal maneira que fazia Steve sentir-se preso na própria pele. Não havia nada de fisicamente errado com ele, contudo, e seus problemas podiam ser resumidos ao psicológico. Sua mente estava avisando o resto do corpo que havia algo errado. Que havia algo faltando. Que o mundo devia dar uma pausa e ficar desesperado junto com Steve Rogers, porque alguém havia separado ele e Bucky Barnes mais uma vez.

De novo não. Por favor, por favor, por favor... De novo não.

Essa era a vigésima vez? Ou a milésima? Ele não sabia mais. Só que fazia muito tempo estava ali naquele corredor, ajoelhado no mesmo lugar que ele assumia ter sido o último onde Bucky havia ficado em pé e consciente.

Natasha, Clint, Sam e Maria vasculharam a mansão duas vezes. Scott e Wanda ficaram com Steve, tentando fazê-lo falar, mas sem sucesso. T'Challa – que quase nunca demonstrava qualquer tipo de emoção muito forte – se desculpou e saiu da sala em uma pressa incrivelmente atrapalhada, sua expressão como a de alguém que havia acabado de ver um fantasma. Mas o mundo continuava girando.

E parecia tão estúpido.

Steve queria gritar, mas não conseguia. Ele queria socar as paredes e rir de nervoso. Perguntar para o vento e quem quisesse ouvir, o motivo por trás de tentas perdas e desencontros.

Por que nós? Por que isso fica acontecendo de novo e de novo?

O choque não era condicionado. Steve não devia funcionar como os outros seres humanos, tão sensível a eventos traumáticos que aconteciam a sua volta. Mas era Bucky... Droga, eles eram Bucky Barnes e Steve Rogers. E a porra do céu era azul. E o relógio gira em um sentido. E as pessoas respiram para continuar vivas. E eles têm que ficar juntos. E eles estavam tão bem naquela manhã, sorrindo, felizes, fazendo o tipo de amor que Steve nunca achou que fosse possível existir na realidade.

Era o dia de seu aniversário e Bucky havia sido arrancado de seu alcance com uma brutalidade sútil, mas que doía como se alguém tivesse pegado o coração de Steve cortando-o em pedaços irregulares com uma lâmina cega. E respirar era uma tarefa difícil naquele momento.

E tudo era uma gigante bola de um medo desesperador que Steve nunca imaginou que fosse ter que experimentar de novo.

Provavelmente desistindo dos esforços sem sucesso de chama-lo ao longe, Wanda ajoelhou de forma a ficar cara a cara com ele. Sua mão tinha um toque leve no ombro exageradamente grande dele e as irises verdes dela estavam carregadas de preocupação, procurando no rosto de Steve algum sinal de que ele ainda estava vivo.

Por pouco.

Ele podia dizer que Wanda não estava usando nenhum poder para alcança-lo. Não havia energia do caos ou controle da mente. Steve piscou algumas vezes para tentar afastar a sensação de que havia areia em seus olhos e por um segundo apenas ele se permitiu olhar Wanda.

Steve simplesmente não conseguia afastar a ideia do quanto ela era jovem e de que maneira nenhuma ela devia ter sido jogada nesse mundo de destruição. Tanto ela quanto o irmão haviam passado por tantas coisas horríveis, se perdendo no caminho tortuoso entre a vida e a morte, do qual Wanda se livrou, mas Pietro não. E Steve podia enxergar no fundo da alma dela, algo que ele sabia estar incrustrado dentro de si mesmo.

As marcas negras de alguém que perdeu mais do que deveria.

Alguém que já viu a vida deixar os olhos de uma pessoa amada. Alguém que estendeu a mão, mas não foi capaz de alcançar. Alguém que foi devoto demais em ajudar a combater o mal de um lado da linha de batalha, enquanto a própria cabeça estava em outro lugar. Alguém que não aguentava mais.

Desde o primeiro dia, Steve se viu incapaz de lutar contra o sentimento paterno que foi se desenvolvendo por Wanda. Na maneira como ela endurecia a expressão para se mostrar forte, mas quando sorria era apenas uma garota que ainda tinha muito a aprender. E não importava o quanto ela era poderosa, naquele momento ele podia ver que Wanda estava preocupada com o bem estar de alguém que havia cuidado dela quando não havia mais nada nem ninguém.

A dor de Steve – a única coisa que o mantinha inteiro ainda – deu uma vacilada quando ele viu que Wanda estava derramando lágrimas silenciosas. Não só por ele. Não só pela situação. Mas porque Bucky, de alguma forma, havia se embrenhado em todas aquelas pessoas. A afeição que todos eles compartilhavam se assemelhava a uma família e agora parte dela havia sido arrancada de dentro do esconderijo.

Parte dessa família – parte de Steve – estava em algum lugar desconhecido, passando sabe-se lá pelo que. Se é que ele ainda estava...

O pensamento lhe tirou o ar e ele abaixou a cabeça. Não havia mais como conter quando ele começou a imitar o gesto de Wanda.

Em silêncio, ele deixou a sensação lavar cada parte agoniada de seu ser. Os passos de Scott vieram um pouco mais pra perto e Steve o sentiu depositar uma mão no outro ombro, aquele que Wanda não tocava. Sem dizer absolutamente nada, Steve deixou os dois amigos o consolarem enquanto ele mesmo chorava em silêncio.

Esperando os outros voltarem. Esperando que suas pernas conseguissem funcionar.

~ V ~

Logo após ele perceber o fator "essa não é a realidade", outra coisa lhe veio à mente. Não era apenas um sonho, não quando ele começava a recordar daquele momento crucial de sua vida. O momento que viria a moldar o resto da vida de Bucky. Cada decisão. Cada medo e cada despedida.

O dia em que ele e Steve haviam se conhecido.

Bucky – o Bucky adulto, que não estava ali de verdade – assistiu enquanto o seu eu mais novo mantinha um braço protetor atravessado na frente de Steve e o outro esticado para impedir que os outros dois garotos se aproximassem. Ele não sabia se parabenizava a si mesmo ou se xingava a si mesmo por ser tão burro. Os outros caras eram bem maiores que ele e Steve, o que claramente devia ser algo comum na vida deles.

Com aquela idade, o ano de diferença entre Bucky e ele não era muito evidente. Ambos tinham a mesma altura, mesmo que Steve fosse incrivelmente mais magro. E mesmo com a fisionomia ligeiramente diferente, ele era capaz de distinguir os sinais com clareza. Claro, Bucky reconheceria Steve até se não tivesse a visão. Mas naquele momento, com as olheiras embaixo dos olhos, os braços franzinos tentando passar por Bucky para chegar aos outros garotos e o cabelo bagunçado pelos esforços caindo em seus cílios longos, Steve nunca lhe parecera tão destemido.

O estômago de Bucky se contraiu com uma saudade quase esmagadora, que ele provavelmente não devia sentir em sonho. O seu eu mais jovem disse alguma coisa que chegou abafada aos ouvidos de Bucky, assim como a imagem deles que parecia estar desaparecendo.

Não... Ainda não.

Ele estava escorregando seja lá pra onde, mas sabia que a memória ainda não tinha acabado e que havia mais para ver ali. Bucky balançou a cabeça para limpar a visão, notando que os dois garotos maiores que cercavam os outros, estavam se afastando aos poucos ainda olhando ameaçadoramente na direção dos menores.

- Isso mesmo. Vão embora. – Bucky se viu dizendo, alguns anos atrás.

O prédio atrás deles não demonstrava nenhum resquício de ter alguém assistindo àquela pequena comoção e ele quase queria se ajoelhar e implorar para que o desfecho não fosse diferente. Para que ele pudesse olhar para aquele momento mais um pouco.

Assim que estavam sozinhos, Steve se apressou em levantar a mão – quase encoberta pela manga do casaco – e tirar os cabelos que tentavam bloquear sua visão. Seu semblante não era de alguém feliz com a intervenção de poucos momentos atrás.

- O que você pensa que está fazendo? – Steve falou com uma vivacidade recém-encontrada. Não havia muita distância entre eles, mas o mais novo fez questão de estufar o peito e tomar um passo pra trás. Sua reação o colocou de costas com o muro mal cuidado da propriedade.

O Bucky mais velho sentiu uma pontada forte no peito, tanto com a familiaridade quanto com a saudade daquele pequeno momento para o qual não voltava há anos.

Quando foi a última vez que ele se lembrou daquilo? Será que algum dia havia sentado para contemplar a sorte que tivera durante aquele pequeno encontro? O que teria acontecido se ele tivesse visto o garoto franzino ser encurralado por dois outros bem maiores que ele e tivesse optado por chamar algum adulto para ajudar?

Sua atenção foi divergida para eles novamente quando o seu eu mais novo cruzou os braços com força e estreitou os olhos ameaçadoramente para Steve.

- Como assim? Eu estava te ajudando!

- Eu não pedi sua ajuda!

- Eles iam bater em você?

- Isso não é da sua conta!

Para duas crianças com menos de um metro de altura, Bucky tinha que admitir que eles eram bem destemidos e barulhentos. De alguma forma não era estranho vê-los daquela maneira, versões menores e inocentes de homens que um dia viriam a passar por coisas com as quais nem chegavam a sonhar naquela época.

Ele assistiu as crianças se encarando, trocando farpas genuínas de puro despeito que não levariam a lugar algum. Bucky sabia que aquele momento fora crucial pra eles, que os levara adiante e que provavelmente moldara toda a vida que viriam a conhecer.

- Você gosta de apanhar, então? – o Bucky criança questionou soando ao mesmo tempo curioso e preocupado.

Steve ergueu a mão mais uma vez para afastar a franja teimosa. Mas dessa vez seu olhar vagueou brevemente para o chão sujo aos seus pés, quando ele disse:

- Eu não gosto de valentões...

E assim, Bucky começou a notar a diferença no ambiente. O prédio foi se desfazendo aos poucos, à medida que o céu ia escurecendo com uma rapidez assustadora. O muro precário ruiu sem fazer qualquer barulho e eles... Steve e Bucky, que ainda mexiam as bocas em uma conversa agora muda, permaneceram ali em meio ao universo que se extinguia.

Bucky não pode fazer nada além de assistir a metáfora quase cruel que o cercava. Enquanto a lembrança/sonho o deixava desolado e vazio de novo, suas pálpebras caíram com força e bloquearam sua visão.

~ V ~

Steve voltou a funcionar.

Aconteceu gradualmente, mas ele o fez. Afinal de contas, o mundo não parou de verdade, somente em sua cabeça. E em seu coração. E em cada partícula de espaço a sua volta que Bucky não habitava mais.

Por mais que não fosse a primeira vez dele passando por aquilo, nunca ficava mais fácil. Pelo contrário, parecia que cada mísera situação em que eles dois tinham que se separar, custava um pouco mais de vida que Steve talvez nunca fosse ter de volta. Era uma escavação constante e ele não estava se repondo. Não existia tal possibilidade.

-...para sairmos da mansão de novo. – ele escutou Clint falando ao longe e fez seu melhor para orbitar de volta.

Eles estavam todos – incluindo a recém-chegada Okoye, vestindo o traje das Dora Milaje – em uma sala que T'Challa nunca havia usado antes. Pelo menos não com eles. O lugar era grande e aberto, com um círculo no centro formado por cadeiras imponentes e muito mais cores do que no resto da mansão. Ninguém estava sentado, contudo, pois o clima não permitia.

Era como se houvesse um buraco negro gigante em todos os lugares que Bucky poderia estar ocupando naquela sala. Steve escolheu ficar perto da porta, os braços cruzados com tanta força contra o peito que ele parecia estar tentando impedir a si mesmo de respirar.

Talvez não respirar fosse diminuir a dor, porque cada lufada de ar que entrava em seus pulmões era como facas afiadas tentando cortá-lo de fora pra dentro. Então, enfim ele tinha descoberto o que era uma dor tão grande que não se podia descrever em palavras.

- Eu entrei em contato e ela disse que está vindo pra cá o mais rápido possível. – T'Challa se pronunciou do outro lado da sala, o tom de voz contido, mas ainda assim abalado.

- E nós temos certeza que esse é Hunter? Seu irmão adotivo Hunter? – Okoye questionou e o Rei assentiu, seus olhos momentaneamente vagueando para onde Steve estava.

A majestade, assim como todos os outros presentes, eram assolados pelo timing de uma bomba relógio que aparentemente estava pregada na testa de Steve. Cada um de seus amigos o olhava com apreensão evidente nas feições, era possível que estivessem aguardando por mais uma perda de controle. A cena do corredor espreitando à medida que o tempo ia passando sem que eles fizessem alguma coisa. Qualquer coisa.

Mas Steve simplesmente não podia desmoronar de novo, porque essa não era a opção que o levaria ao fundo do problema. Claro, ele queria se encolher no próprio corpo, deixar o desespero e as lágrimas lavarem todo seu interior que parecia estar em chamas. Ele queria muito arrancar os próprios cabelos e gritar a plenos pulmões por todos os segundos desde que havia concordado em tomar o soro do supersoldado e sua vida tinha se transformado nisso. Porque as coisas só se empilhavam ano após ano, e em um segundo ele possuía o mundo nas mãos, mas no outro isso era tirado brutalmente, sem qualquer receio quanto à sua sobrevivência.

E quem o via de fora podia muito bem dizer "nossa, o Capitão América é sempre tão composto, é quase como se ele não tivesse sentimentos". E Steve era obrigado a endireitar a postura, suspirar e responder algo como "temos um trabalho a fazer, não posso me dar ao luxo de deixar as coisas me abalarem".

O que importa é o bem estar de todos.

É preciso seguir em frente.

É preciso continuar.

E assim ele tinha quer. Era esse o único jeito. Ele não podia parar e pensar no e se... E se Bucky não estivesse vivo? E se Hunter estivesse mentindo e manipulando quando dissera estar interessado no vibranium? E se tudo aquilo fosse o plano dele desde o começo e Bucky estivesse, nesse momento, tão longe que as mãos de Steve não poderiam mais alcançá-lo?

Lembrou-se do dia que Bucky decidiu voltar para a criogênia. Por algum motivo além de sua compreensão, essa situação em especial sempre engatinhava de volta para a mente de Steve. Como eles pareciam ter ganhado, mas ao mesmo tempo perdido.

Como naquele exato dia ele enxergou a sombra do Bucky que conhecera a dezenas de anos, sacrificando-se para que os outros pudessem viver em paz. Abdicando da liberdade recém-encontrada para libertar Steve de mais um fardo. Como ele sorrira genuinamente, vestido de branco dos pés a cabeça e dissera que aquilo era o melhor para todos.

Steve ficava repassando as sensações que o advertiram, a maneira como seu próprio coração encolheu para o tamanho de uma ervilha ao que ele queria dizer "mas e o que é melhor pra você?". Havia um quê de egoísmo do qual ele não era capaz de se livrar, não depois de finalmente ter reencontrado uma das coisas que estava certo de ter perdido.

Tudo que ele queria era poder voltar para aquele dia. Dar o abraço em Bucky que não teve a coragem de fazê-lo quando o momento lhe foi entregue de bandeja. Por que simplesmente não o abraçou, droga? Por que não se encaixou no meio das pernas dele e o segurou como se sua vida dependesse daquilo? Porque essa era a mais pura verdade. Steve estava tão resolutamente cansado de negar para si mesmo. E olha onde isso o levara.

Céus e terras podiam mudar e moldar um novo destino. E em todos eles, Steve Rogers precisava de Bucky Barnes.

Uma bola de angústia ameaçou querer subir por sua garganta e ele foi obrigado a tossir com certo alarme, trazendo a atenção de todos para si mesmo novamente. Mais uma conversa havia passado sem que ele ouvisse.

Ótimo. Foco, Steve. Isso é sobre ele e você precisa se recompor.

- Sim, Capitão? – T'Challa perguntou, provavelmente achando que o outro queria ter a palavra.

Bem, mais fácil se intrometer logo do que ficar de fora por mais um segundo sequer e prejudicar a missão.

- Você disse que ela está vindo. Quem é ela? – Steve questionou e não ficou surpreso ao ouvir a própria voz fraca e arranhada. Sam, parado amigavelmente a seu lado como um bom sentinela, trocou o peso do corpo entre um pé e outro.

Steve nem queria pensar no quanto Sam estava sendo paciente, ficando perto dele e não dizendo absolutamente nada que não fosse necessário. Apenas certificando-se que seu amigo ainda estava inteiro.

Sua pergunta pareceu aguçar o interesse dos outros, mostrando-o que ninguém tinha pensando em questionar o mesmo.

T'Challa se empertigou perceptivelmente, cruzando as mãos na frente do corpo e olhando de soslaio para Okoye. Algo passou entre eles silenciosamente através do gesto e ela assentiu uma única vez, assistindo a pequena plateia enquanto o Rei se pronunciava.

- Minha irmã.

Suspiros surpresos espalharam-se pela sala abobadada. Todos – menos Steve – abriram a boca para falar algo diferente, mas foi o comentário de Scott que se sobressaiu.

- Mais algum parente do qual nós devíamos saber?

Surpreendentemente, T'Challa quebrou um pequeno sorriso antes de sua expressão voltar a ficar séria.

- Acredite, ela é bem diferente de Hunter e ao contrário dele, uma herdeira de sangue.

- E onde ela está? – Natasha perguntou, erguendo uma sobrancelha duvidosa.

- Ela, junto com minha mãe, estão fazendo uma viagem por alguns lugares em sua presença foi requisitada.

Mentira, pensou Steve, estudando como T'Challa e Okoye pareciam ter ensaiado aquele momento em particular. Palavras programadas para serem ouvidas pelas exatas pessoas naquela sala.

- Por mais de seis meses? – Clint apontou soando cético.

Steve sentiu um aperto semelhante a orgulho em relação ao amigo, por ter escolhido se pronunciar sobre aquilo que não estava sendo dito. Um breve olhar para Sam indicou que o outro estava lutando a mesma batalha interna.

- Minha irmã aproveitou para evoluir suas pesquisas – T'Challa respondeu, inabalável.

- Pesquisas? – Wanda interviu.

- Toda essa tecnologia que os rodeias, foi projetada e aperfeiçoada por ela.

Steve achou difícil de acreditar que uma pessoa sozinha fora capaz de evoluir todo o conceito de tecnologia avançada que era relacionada à Wakanda, mas daí também ele não conhecia essa irmã da qual T'Challa estava falando. Provavelmente tratava-se de algum tipo de figura imponente como Okoye.

- E nós vamos ficar esperando por ela? – Steve perguntou após alguns segundos sem que ninguém dissesse nada.

- É a melhor opção... – T'Challa começou, mas foi rapidamente interrompido por Steve de novo.

- E se eles forem embora? Eles podem ter saído daqui enquanto nos falamos.

- Hunter não vai sair de Wakanda.

- Por que não? Você não sabia que ele tinha entrado, pra começo de conversa.

Steve não pode evitar que sua voz se elevasse no meio da discussão. As opções cresciam poderosamente dentro de sua mente que começara a trabalhar em um frenesi assustador.

E se, e se, e se...

- Hunter não vai sair de Wakanda. – Okoye repetiu as palavras de seu Rei e Steve, assim como todos os outros, virou em sua direção. – Ele pode ter alcançado o vibranium e ter capturado um de vocês, mas ele não vai embora. Não sem antes...

- ...não antes de me confrontar. – T'Challa completou.

O que era uma explicação vazia e sem sentido, mas com as experiências prévias que eles tiveram com todos os vilões lunáticos anteriormente, nada mais o surpreendia. Hunter havia, de fato, aprontado coisas inexplicáveis até agora e depois do relato da conversa que ele tivera com Bucky, Steve só podia imaginar como o cérebro dele funcionava.

- Então nós esperamos? – Maria perguntou depois de um tempo.

- Ela vai chegar aqui ainda hoje e enquanto isso nós o procuramos. De dentro. A sala de reuniões está equipada com televisores de monitoramento, especialmente para que possamos ver as filmagens da cidade toda, nos últimos meses. Assim como atividades dentro das bases de extração de vibranium. Vamos repassar cada dia e cada hora, procurando por qualquer atividade suspeita, até que minha irmã chegue e nós possamos entrar em ação. Tudo certo?

As instruções de T'Challa eram, de alguma maneira, muito reconfortantes. Steve sentiu uma sútil onda de estabilidade o atingir, ao pensar que trabalhar naquele momento usando uma estratégia pronta e segura, era o mais indicado. Eles iriam vasculhar Wakanda – como deviam ter feito naquela primeira vez que escaparam da base que explodiu, mas isso ele não mencionou – e procurar por Hunter até embaixo das pedras.

Certo.

Eles tinham um plano. Um plano que seria fácil de seguir contanto que ele mantivesse a mente fria e calculista. Uma missão. E chegar ao fim dela, significava encontrar Bucky. Esperançosamente.

- Certo. – Steve repetiu, dessa vez em voz alta e as cabeças foram assentindo pouco a pouco.

- Vou avisar as Dora Milaje para ficarem em posição. – Okoye disse e sem esperar por resposta, saiu da sala, lançando um último olhar para Steve que ainda estava o mais perto da saída.

Algo dentro dele se incomodou imediatamente, como um inseto tentando rastejar para fora de sua pele. Era mais uma sensação de ter algo a dizer, sem saber como colocar pra fora.

Ele olhou para frente, para seus amigos ainda parados nos mesmos lugares. Ombros caídos, olhares incertos e a preocupação evidente no semblante de cada um. E como um sopro de vento, Steve soube o que estava incomodando tanto. Antes que eles tivessem que sair dali, para dar início ao plano de T'Challa, ele limpou a garganta mais uma vez e virou nos calcanhares, ficando totalmente de frente para todo mundo. Dois degraus mais alto que o restante – tirando Sam, ao seu lado – Steve recebeu total atenção imediatamente.

- Eu... – ele começou esperando que as palavras certas fossem vir por conta própria. – Eu queria me desculpar com vocês. Pela cena no corredor e por... – respirar e continuar, ele repetiu para si mesmo. – Por manter um segredo de vocês por tanto tempo. Isso é- eu vou entender se você enxergarem a gravidade nisso. E não quiserem arriscar a vida para salvar algo que tem a ver comigo.

- Com você? – Wanda disparou com incredulidade, antes mesmo de ele terminar a frase e Steve prendeu a respiração.

- Capitão... – o tom de T'Challa era de alerta, mas Clint não o deixou finalizar.

- Desculpa, Steve, mas não estamos fazendo isso por você. Isso, especificamente, é pelo Bucky. E por Wakanda, que nos recebeu sem pedir nada em troca.

- Mas... – Steve tentou dizer e Sam o cortou.

- Não, cara, o Barton tá certo. Isso aqui não é como aquele dia no aeroporto.

- Nós vamos salvar o Bucky porque ele é parte do time. – Maria falou.

- E derrotar o irmão adotivo psicótico do T'Challa como uma maneira sútil de salvar o mundo ou o que seja. – Natasha completou com um sorriso que, pela primeira vez em muito tempo, não se assimilou nada a ironia.

- Não é por você. É por ele. – Wanda disse com uma ternura quase dolorosa em sua voz, seus grandes olhos claros se arregalando para que Steve entendesse a ênfase naquilo tudo.

Ele soube de imediato que os amigos não estavam o repreendendo e que nenhuma daquelas palavras foram ditas para magoá-lo, e sim para mostrar que ele não era o único sofrendo debaixo daquele teto. Sua dor podia ser maior, mas era compartilhada.

Compartilhada por cada um ali – até mesmo por Sam – que havia convivido com Bucky desde que ele acordara da criogênia. Cada um deles havia presenciado a evolução e o desenvolvimento de Bucky, para se tornar uma versão melhor de si mesmo. E Steve vivia se esquecendo disso.

Um homem adulto com quase cem anos de idade não deveria querer chorar tanto quanto ele, mas naquela hora foi praticamente impossível não se deixar afogar diante da gratidão que sentia por todas aquelas pessoas.

E só por um momento, um breve sopro de instante que queria se proliferar por suas células, Steve se permitiu ter esperança.

~ V ~

Bucky buscou por ar e acordou em um salto. Ele sentou tão rápido que foi um milagre sua cabeça não ter saído do pescoço e rolado para longe. Uma claridade absurda quase o cegou completamente, suas pálpebras fazendo pouco para protegê-lo. Elas queriam se abrir, na verdade, mas seu instinto o fez levar a mão para tentar cobrir o assalto doloroso.

- Buck?

Alguém sacudiu seu ombro. Mais precisamente, a pessoa a qual a voz que o chamara pertencia. Ele não sabia como, mas podia dizer que estava sonhando. E que diferente do outro, nesse sonho ele não estava somente observando.

- Vamos, anda logo. Vai ficar sentado aí até quando?

Bucky piscou mais algumas vezes, assimilando que estava, de novo, do lado de fora. Em algum lugar onde tinha muito grama, na qual seu corpo parecia estar apoiado. O ar também estava diferente, mais... Denso e pegajoso. Como se fosse... Verão?

Ele conseguiu abrir um olho por completo e viu o sol, brilhando forte e arrebatador no topo do céu azul que o encobria. Seus raios quentes batiam na grama ao redor, brilhando em pequenos cristais cintilantes.

- Você está me ouvindo?

A sombra pairou sobre ele, na forma de um corpo franzino e agitado. Bucky o olhou, não ficando surpreso que sua respiração tenha escapado rapidamente dos pulmões.

Steve.

Claro.

O coração de Bucky pulou uma batida ao vê-lo tão de perto, mais velho do que estava nos fundos daquela escola, mas não tão diferente fisicamente. Conforme sua visão foi voltando ao estado normal, Bucky foi pegando os detalhes. Os ombros magros descobertos pela regata branca e surrada que Steve usava. A calça brim que parecia larga demais pra ele. O cabelo loiro liso e estupidamente macio, caindo um pouco na frente de seus olhos. A luz do sol acentuava suas irises claras e os cílios longos, que varriam sua bochecha toda vez que ele piscava. O rosto ruborizado pelo calor, assim como algumas gotas de suor escorrendo por sua têmpora.

Era possível estar apaixonado dentro de um sonho?

Ao contrário do anterior, contudo, dessa vez ele era ele mesmo. Não um espectador que não podia ser notado, mas a consciência nova no corpo antigo. Bucky estava, até onde tudo aquilo permitia, finalmente acordado.

- Buck? – Steve repetiu, soando levemente impaciente.

- Ahn... – Bucky descobriu a própria voz no fundo da garganta e pigarreou, estranhando como o som saiu.

- Você vai ficar aí? Precisamos terminar o jogo.

Ele não sabia do que Steve estava falando, aquele cenário aberto e verde não o lembrava de nada que ele tinha vivido no passado. Mas o que mais Bucky poderia fazer? Ele sabia que aquela não era a realidade e que sua mente estava sendo, de certa forma, manipulada. Se era um sonho genuíno, uma memória verdadeira ou algo totalmente diferente, não importava. Porque Steve estava se endireitando e estendendo uma mão para ajudar Bucky a se levantar.

Esquecendo-se por um momento do quanto o outro era mais frágil fisicamente, Bucky deixou-o ajudá-lo a ficar em pé, imediatamente sendo surpreendido por duas coisas.

A primeira era que ele estava vários centímetros mais baixo, indicando que sua idade naquele momento devia ser em algum ano da adolescência. Ele olhou para baixo, para as próprias pernas e se viu vestido em uma calça idêntica a de Steve, os pés descalços. Uma camiseta branca simples cobria seu tronco e Bucky teve que levar as mãos à cabeça para constatar que seu cabelo estava curto, aparado dos lados e um pouco maior em cima. Steve seguiu o gesto com uma expressão curiosa, como se não estivesse entendendo o porquê de Bucky estar agindo daquela maneira, o que provavelmente era o caso.

A segunda constatação que ele fez, foi que o garoto a sua frente, mesmo sendo consideravelmente mais frágil fisicamente, não apresentava qualquer dos sinais que o Steve dos anos trinta devia portar. Não haviam olheiras profundas embaixo de seus olhos ou uma respiração arranhada provinda de pulmões doentes. Ele, de fato, não assemelhava nada ao Steve enfermo do qual Bucky vagamente se lembrava.

Steve, pelo contrário, parecia ser uma personificação do cenário que os cercava. Vida e saúde.

Bucky tinha a leve consciência de estar com a boca aberta.

- Eu acho que ele teve um derrame. – Steve gritou por cima do ombro e uma risada grossa seguiu suas palavras.

Bucky ficou imóvel, o ar preso nas vias aéreas enquanto assimilava o fato de eles não estarem sozinhos. Olhando para o espaço aberto atrás de Steve, ele pode nitidamente identificar que estavam em uma clareira ao ar livre e que ao longe, perto de algumas árvores altas e densas, um homem estava em pé, sua forma sendo escondida pelo brilho intenso do sol. A pergunta ia sair da boca de Bucky, mas algo o impediu.

Não algo, alguém.

Alguém muito pequeno que se atirou nele pela lateral e abraçou sua cintura.

- Merda - Bucky soltou em som de surpresa e olhou para o invasor, o medo repentino dissipando-se em total confusão ao avistar uma criança agarrada a ele. Não.

Não era uma criança, ele pensou, ao ser tão dolorosamente arrebatado pela realização que seus joelhos ameaçaram ceder embaixo dele, fazendo-o voltar para o chão. Pela segunda vez desde que havia acordado, ele permitiu que alguém teoricamente mais fraco o sustentasse.

Seus braços eram finos, mas tinham um aperto vicioso, segurando-o com uma força impressionante. Quando ela jogou a cabeça para trás e olhou pra cima, seus longos cabelos castanhos e ondulados emolduraram o rosto que se parecia muito com o seu em vários aspectos. Eram as irises – cor de mel – que a diferenciava dele mais do que tudo. Bucky sentiu lágrimas insistentes queimarem seus olhos ao se dar conta de quem era a pequena criatura agarrada a ele.

- James Buchanan Barnes, você acabou de falar palavrão na frente da sua irmã?

O tom repreensivo de sua mãe seria algo que Bucky reconheceria mesmo se fosse surdo. E na bizarrice da situação, ele se viu erguendo o pescoço para poder olhar a figura que era familiar para cada uma de suas células.

Deus, ele não conseguia nem lembrar qual era a última memória concreta que tinha da mulher a sua frente, andando a passos decididos e com uma expressão tão repressiva quanto terna. Os cabelos, iguais aos da filha, esvoaçavam ao seu redor quase encobrindo o rosto de certa forma ainda muito jovem.

- Ela nem começou a falar direito, James, não quero que a primeira coisa que ela diga seja "merda" ou "inferno". – Winifred falou com seu jeito de balancear o tom em algo remotamente amoroso e ainda assim repreendedor. Ele esticou uma mão protetora e afagou os cabelos de Rebecca, parando perigosamente perto de Bucky.

- A senhora acabou de repetir. – ele se ouviu dizendo, olhando para ela com todos os sentimentos expostos no rosto como imagens em uma tela de projeção.

Bucky não estava triste.

Nada que ele pudesse descrever em palavras seria capaz de expressar o que ele estava sentindo de fato naquele momento. O que quer que tudo aquilo significava, como ele havia chegado até ali, não importava. Porque Bucky não conseguia assimilar o fato de que estava olhando para sua própria mãe. Linda. Jovem. Completamente confusa ao ver os olhos do filho encher de lágrimas ao olhar pra ela como se estivesse enxergando-a pela primeira vez. Porque ele estava.

- O que? – ela perguntou balançando a cabeça e estreitando os olhos. Ele a viu virar para Steve, ainda parado perto deles, e questioná-lo também, mas o outro estava tão alheio quanto ela.

- Os palavrões. – Bucky expeliu as letras sem assimilar o fato de que sua língua parecia ter vontade própria. Ele só queria que ela voltasse a olhar pra ele. – Você repetiu.

Um sorriso quase divertido ameaçou partir o rosto de Winifred ao encarar o filho em toda sua insolência. Rebecca soltou um riso alto, como se pudesse entender o que eles estavam falando e soltou a cintura de Bucky para se agarrar ao vestido da mãe.

- Voltem ao jogo, vocês dois. E lave essa boca com sabão, James. Honestamente... Você precisa passar mais tempo com o Steve.

Bucky quis pedir a ela para não ir, o medo crescendo em seu peito como adagas afiadas da incerteza de não voltar a vê-la. A saudade queimava tão forte dentro dele que por alguns segundos Bucky simplesmente... Deixou de respirar. Ele viu por meio da visão ligeiramente embaçada, que Winifred apenas se distanciou alguns metros, voltando à pequena mesa de piquenique que eles aparentemente estavam ocupando e Bucky só agora havia notado. Ela ajudou Rebecca a sentar de novo, e ambas ficaram rindo absortas em sua própria conversa unilateral, transformando o estômago de Bucky em inúmeras borboletas que ameaçavam querer sair por seu umbigo.

- Você está esquisito. – a voz de Steve o despertou e Bucky virou, ainda meio tonto, para vê-lo indo na direção do homem que estava mais afastado na clareira. O peito de Bucky começou a doer em antecipação enquanto ele se designou a segui-lo. – Sabe, o turno da minha mãe vai até amanhã de tarde.

Bucky franziu o cenho ao alcança-lo, andar lado a lado com Steve enquanto o outro era algum centímetro mais baixo era um pouco estranho agora, mas seu corpo se lembrava, então gradualmente sua mente foi caindo na rotina.

A grama embaixo de seus pés fazia cócegas, mas era de certa forma agradável. Firme. E normal.

- É? – Bucky incentivou ao ver que Steve estava esperando por uma reação de sua parte.

- Aham. Eu pensei que você podia ir lá pra casa e nós podíamos fazer aquele dever de matemática, lembra? Eu não consigo por nada no mundo entender aquelas coisas, que pra você parecem tão fáceis.

O coração de Bucky – por vontade própria – começou a bater mais rapidamente de novo, não porque ele estava pensando que alguma coisa ia acontecer entre eles. Nenhum dos dois parecia ter esse tipo de intenção, especialmente quando eram adolescentes e mais ainda na época em que viviam. Mas porque, de onde quer que aquele sonho tenha vindo, aquela costumava ser sua vida e ele sabia disso. Cada osso de seu corpo sabia que aquilo – ele e Steve passando tempo juntos, seja com a família de Bucky ou Sarah – era no que seu dia a dia consistia.

Na vida em que Bucky vivia fora de sua cabeça, a coisa mais difícil do mundo era ele e Steve não se separarem. Tudo, cada cosmo e pessoa no planeta, pareciam estar voltados ao simples objetivo de separar os dois.

Quando eles tinham cada mísero segundo para passar juntos, quando a casa de Bucky era a casa de Steve e vice versa, eles não... Eles não sabiam que aquilo seria tirado deles com tamanha crueldade. Eles não sabiam que andar juntos na rua ou passar a tarde no parque, nunca mais seria uma opção para eles.

Caminhar descalços na grama verde e refrescante, debaixo de um sol escaldante, sem nada mais para se preocupar além do dever de matemática? Nunca mais.

Ele se viu acorrentado à possibilidade de aproveitar cada segundo daquela memória doce e ilusória. Que seria arrancada dele cedo demais, mas que por enquanto...

- Sim, é, parece uma boa ideia. – Bucky concordou sentindo as bochechas esticando-se ao sorrir para o amigo a seu lado. Os olhos de Steve brilharam sob o sol incansável e ele assentiu apenas uma vez.

Dessa vez, já sabendo do que se tratava, o golpe que Bucky sofreu foi menor ao dar de cara com George Barnes.

Seu pai estava parado há uns dois metros deles, as mangas da camisa branca arregaçadas até os cotovelos, a barra da calça dobrada parando nas panturrilhas e os pés também livres do calçado. Bucky apenas o observou. A barba bem aparada, assim como o cabelo e as mãos grandes em volta de uma bola de futebol, surrada e velha.

- Tudo bem, filho? – George perguntou olhando entre ele e Steve.

- É, acho que ele está cansado de perder. – Steve zombou, dando um leve empurrão no braço de Bucky.

- Ah, não liga pra isso, Bucky. – ele não foi capaz de lutar contra o sorriso que se abriu mais ainda ao ouvir seu pai usando aquele apelido. E como sua mãe o havia chamado de James. E como ele sentia falta deles. – Nem todos são tão bons quanto eu e o Stevie. Vamos lá, sem deixar a bola cair antes de cem jogadas.

Bucky foi bruscamente abalado pela risada de Steve. Quando virou para olhá-lo, tão saudável e cheio de vida, uma leve inexplicável o fez quase correr para abraça-lo.

- Cem? O Buck não aguenta nem vinte.

- Ei, ei, ei, isso é um complô? – Bucky se viu entrando na pequena confraternização e na estranheza familiar de tudo aquilo. Aos poucos, seu corpo foi se acomodando a sua mente e ele entrou onda.

Porque ele era masoquista, essa é a verdade. E seu peito estava tão, mas tão constrito de saudade e pesar, e também felicidade e ansiedade por ter sido presenteado com aquele pequeno momento, que Bucky não podia deixar de aproveitar.

E formar um círculo bem aberto com seu pai e Steve, em uma clareira no parque em um dia ensolarado, jogando uma bola de futebol em um jogo inventado de última hora sobre quem conseguia ficar mais tempo sem a deixar cair, enquanto sua mãe e irmã faziam um piquenique a uma distância curta deles... Era a maneira mais gostosa de se machucar, ele percebeu.

~ V ~

Steve coçou os olhos mais uma vez, lutando contra um bocejo e a vontade irracional de sair dali chutando tudo e desistindo de ser paciente.

Cinco horas.

Cinco malditas horas haviam passado desde que eles começaram a "vasculhar" as filmagens.

A sala de reuniões, como T'Challa havia avisado, fora equipada com laptops e outros computadores para acomodar todos eles, cada qual com uma pasta onde os vídeos estavam armazenados. Eles se separavam na grande mesa e dividiram-se entre as partes da cidade, assistindo os filmes de segurança com minuciosa atenção.

Vez ou outra alguém suspirava com mais intensidade, ou alguma cadeira era arrastada para que seu ocupante se acomodasse melhor. Em determinada hora, um dos empregados trouxera comida e Steve percebeu que aquela era a primeira vez em muito tempo que eles foram servidos por outra pessoa.

Mas ele não tinha fome. Não quando seus ombros eram vítimas de um peso invisível e suas pálpebras estavam cansadas, mesmo quando ele não queria dormir. Seu aniversário tinha acabado há muito e Steve não dava a mínima para esse fator.

Dando um leve toque para pausar o vídeo que estava assistindo há vinte minutos, ele se viu sendo erguido da cadeira por um comando que não lembrava ter enviado as próprias pernas.

Ele só... Não conseguia ficar ali dentro nem mais um segundo sequer. Esperando, esperando, esperando. Procurando por uma agulha em um palheiro que não lhe era familiar. Esperando.

Steve abriu a porta e saiu para o corredor, buscando por um oxigênio que não o fizesse ter vontade de rastejar para fora da própria pele. Ele apoiou uma mão na parede fria, fechando os olhos por apenas dois, três, quatro, cinco, seis segundos antes de ouvir o clique que o havia seguido a pouco ser emitido novamente quando outra pessoa saiu da sala.

Ele se preparou para virar e engolir a angústia, fingir que estava tudo bem e voltar para dentro. Seus sentidos captaram que a pessoa ainda estava ali, mas sem dizer nada.

Steve abriu os olhos e ergueu o pescoço para encontrar Clint na parede oposta, as mãos enfiadas nos bolsos da calça, o foco no piso excruciantemente limpo a seus pés.

- Te deixa pra baixo, não é? – ele falou depois de um tempo, mais provavelmente continuando uma conversa da qual Steve não fazia parte até aquele momento.

Ele se recostou na parede em que estava apoiado, imitando a posição de Barton.

- O que? – Steve questionou, decidindo entrar na dança, para falhar em se distrair da sensação horrível de ter sido drenado de toda vontade de continuar.

- Pensar que essa é a nossa vida. Acordar, lutar, sobreviver, respirar, dormir, acordar e fazer tudo de novo. – Clint listou categoricamente, ainda sem encará-lo. Sua voz estava tão exausta quanto Steve se sentia. – Te deixa pra baixo saber que a única maneira de evitar tudo isso é simplesmente não ser quem você é.

Steve ponderou aquilo por um momento, entendendo o que Clint estava realmente dizendo. Todos os males pelos quais Steve passara desde que Abraham Erskine havia lhe oferecido a oportunidade do soro, fora porque ele estava cansado de não poder ser quem era. De não poder lutar, de não poder salvar. De não poder fazer o certo da única maneira que conhecia: lutando por ele. Acreditando nas coisas das quais os outros escolhiam correr.

Era quem Steve sempre havia sido e quem sempre seria. Preto no branco.

Não fazer isso era como... Ele não sabia. Ele nunca precisara saber.

Não era como se o Capitão América tivesse férias anuais ou uma expectativa de aposentadoria. Ele era o Sentinela da Liberdade, que lutava pelo bem da nação e o fim dos malfeitores.

O que... O que aconteceria se um dia ele decidisse não ser o Capitão América? Se ele descobrisse que tudo de ruim que o assolava dia após dia era devido ao uniforme vermelho, branco e azul? A bandeira que ele vestia orgulhosamente, mas que o queimava de dentro pra fora? E se ele escolhesse a si mesmo ao invés do resto do mundo? Steve Rogers conseguiria dormir a noite, sabendo que poderia fazer o bem, mas escolhera por virar as costas? Era disso que se tratava sua existência? Preto no branco.

- Ele não culpa você.

Quando as palavras de Clint foram seguidas por seu olhar firme, Steve desviou a atenção para o bico de seus sapatos.

- Eu sei que é isso que ele pensava... Pensa. – ele se corrigiu com a força e rapidez de um chicote sendo estralado, a alternativa dolorosa demais. – Mas eu não- não consigo parar de imaginar o que ele está fazendo agora. Será que ele está respirando? Onde? Será que está consciente? C-como...

Steve soltou um suspiro frustrado e forçou o caroço do choro a voltar para dentro. Como explicar para Clint aquilo que nem ele mesmo sabia explicar a si mesmo?

- É como se eu estivesse sentindo tudo e nada ao mesmo tempo. Ele se foi fisicamente e tem esse- esse pedaço faltando que parece que vai me comer por dentro. E é tão...

- Desesperador. – Clint proveu quando notou que Steve estava se atropelando nas próprias palavras. – Agonizante. Aterrorizador. Eu sei o que você quer dizer.

- Aí é que está! – Steve retorquiu, finalmente se deixando olhar fundo nos olhos de seu amigo, uma lágrima estúpida escorrendo por sua bochecha. – Ninguém sabe, Barton, ninguém realmente sabe além de nós dois. O medo constante, a necessidade quase insuportável de se agarrar ao mínimo suspiro. Eu não sei se essa é a última vez e ainda parece que é. Como foi quando ele caiu daquele trem, ou em Washington ou quando...

Ele desviou o rosto ao sentir a vergonha queimar por suas veias, tão forte e vívida. Parecia que havia sido ontem, todo o sangue e desespero, os socos, a amizade partida, o fervor e pavor de não conseguir escapar. Seus membros cansados e ainda assim incapazes de desistir.

- Quando Stark tentou tirar ele de mim a força. – Steve completou finalmente, decidindo que se não falasse sobre aquilo por mais um segundo, sua mente ia entrar em combustão. – Eu não podia passar por aquilo de novo, eu sei, Deus, eu sei o quanto eu fui egoísta em tentar colocar ele debaixo de um domo de proteção e salvá-lo a todo custo, mas... Barton – Steve tentou passar através do olhar todas as coisas que temiam devorá-lo vivo. – É o Bucky. É, é... É o Bucky.

Falar o nome dele assim, com a voz trêmula e falhando, praticamente orando através dessas cinco letras e implorando para ser ouvido, parecia ter mais efeito do que qualquer discurso que pudesse sair de sua boca.

Steve viu, refletindo nos olhos de Clint, a surpresa e a impotência de não poder fazer absolutamente nada para mudar aquilo ou amenizar a dor paralisante.

Antes que qualquer resposta pudesse vir, contudo, a porta se abriu mais uma vez e Wanda colocou a cabeça pra fora.

- Scott achou alguma coisa.

Não foi preciso dizer mais nada para os dois entrarem num rompante – Steve na frente – e irem ficar atrás de Scott, ainda sentado, junto aos outros.

Ele estava usando um laptop e um vídeo de segurança de uma das bases pela qual ele ficara responsável, estava pausado em uma data apenas alguns dias atrás, o horário marcando a primeira hora da madrugada.

- Eu notei agora que já vi isso umas três vezes. – Scott começou a explicar assim que virou para ver todos prestando atenção. O coração de Steve batia com tanta força que ele ficou irritado consigo mesmo, achando que o órgão estava fazendo muito barulho e ele precisava ouvir Scott continuar. – A filmagem chega à uma hora da manhã e volta, só nesse dia. Os outros estão normais, então não posso dizer se foi defeito ou não, mas olha isso... – ele voltou apenas alguns segundos no player e deixou rolar. O vídeo mostrava um corredor curto que parecia dar em um elevador, muito parecido aquele da base em que eles estiveram há um tempo. Havia um guarda, que não era possível ver o rosto, mas que mantinha a postura reta e imponente, uma lança na mão esticada ao lado do corpo. Ele virou a cabeça alguns centímetros para a esquerda e depois voltou a olhar pra frente. E aí o vídeo tremeu.

Steve prendeu a respiração. Se ele não estivesse procurando, certamente não teria percebido. E aí o guarda fez o exato movimento de novo. E o vídeo tremeu. E de novo.

- Alguém apagou o resto desse dia. – Natasha constatou em voz alta.

Scott virou a cabeça para olhar para os amigos e assentiu, focando em Steve por último.

- Achamos ele, Cap.                                                                                                    

~ V ~

Bucky estava acordado e com medo, mas não se atreveu a abrir os olhos. Ele sabia que era outro sonho, claro, mas depois do último, não havia forças sobrando dentro dele para se deixar iludir novamente.

Deixa que seja outra lembrando dolorosa, não vou fazer parte disso nem mais um segundo, ele dizia a si mesmo, vendo a imagem de sua família refletida no interior das pálpebras, ainda queimando com o calor do sol.

Pelo menos, qualquer que fosse o sonho da vez, Bucky não estava ao ar livre. Ele sentiu a superfície macia na qual estava deitado e a percepção – e o treinamento – diziam-no que havia paredes ao redor. E nenhuma claridade. Não uma que o iria castigar caso ele decidisse acordar por completo.

Bucky não sabia dizer se era uma cama, ou uma maca, ou apenas algo tão macio que fora feito para parecer um colchão. Onde ele estava? De qual época se tratava isso? A curiosidade pinicou no fundo de sua cabeça e ele ocupou-se em tomar consciência dos próprios membros.

Braços. Pernas. Mãos. Pés. Quentes... Deus, ele estava tão aquecido e confortável. E coberto. Havia, sem qualquer dúvida, algo por cima dele. Um cobertor, talvez, ou um lençol. Não, era muito pesado para ser somente um lençol. Sua cabeça descansava em cima de um travesseiro. E...

Ok. Tinha alguém com ele.

Sim. Definitivamente tinha alguém com ele.

Seus olhos se abriram por vontade própria diante dessa constatação ou talvez tenha sido a surpresa e deram de cara com o teto, parcialmente iluminado.

Não era seu quarto em Wakanda, nem o de Steve. Steve.

Bucky virou o pescoço minimamente para ver a silhueta da pessoa que estava a seu lado, e as cortinas pesadas que estavam fechadas a não ser por uma fresta mínima que não adiantava de nada.

E aí o barulho explodiu.

Foi como ser acordado por um balde de água fria e ele quase teve o coração arrancado pelo susto. Era estridente e insuportável e ele não fazia ideia de onde estava vindo. Assemelhava-se muito a uma sirene, fazendo Bucky ficar instantaneamente alarmado e pronto para agir, por mais que o ambiente a sua volta não parecesse nada hostil.

- Ungh... Nãooo...

O resmungo veio da sua direita, onde a pessoa que o acompanhava parecia estar acordando. Bucky libertou o braço esquerdo do tecido que o cobria e arquejou em surpresa ao ver que não era de metal. Era seu braço mesmo, humano e verdadeiro, com músculos genuínos, o que significava que...

Ele passou os dedos pelo rosto e sentiu uma barba rala e mais um pouco acima seus cabelos mais longos, indicando mais uma vez sua idade, agora mais avançada do que da última vez.

O barulho cessou magicamente ao mesmo tempo em quea porta do quarto foi aberta sem qualquer tipo de solicitação e Bucky só pode encarar enquanto uma menina, com provavelmente uns dez anos de idade, entrava a passos largos e decididos, jogando-se na cama bem ao lado dele. Quer dizer, entre eles. A outra pessoa não pareceu sequer se dar conta disso.

O que... O que diabos...?

- O que nós já conversamos sobre entrar sem bater?

Bucky prendeu a respiração ao ouvir a voz vinda do outro lado. Ele conhecia aquela voz.

Steve.

Espera, a outra pessoa com ele na cama, era Steve?

E quem era essa menina?

Bucky sentou-se. Aquilo não era nem remotamente familiar a ele. Nada. Ao virar e olhar para a criança recém-chegada, ele também soube imediatamente que não se tratava da sua irmã. Rebecca não tinha a pele morena, nem os cabelos longos repletos de cachos. Quem era ela? Bucky não conseguia se lembrar por nada no mundo. E o que Steve estava fazendo ali?

Bucky a viu suspirar dramaticamente e se empertigar mais ainda na cama. Seu rosto mal iluminado de repente se virou em sua direção e ele não pode fazer nada além de encarar de volta, enquanto os lábios infantis dela se curvavam em um biquinho que ele percebeu ser fingidamente inocente.

- Eu sei – ela arrastou dramaticamente a última palavra. – Mas não quero ir pra escola, papai.

Hum...

Espera, que?

Papai? Ele... o que? Steve?

Papai?

Bucky arregalou os olhos sem perceber e quase teve um ataque do coração quando outra figura entrou no quarto, indo na direção das cortinas e as abrindo sem qualquer piedade. A luminosidade invadiu o quarto em segundos e os três que estavam na cama resmungaram imperceptivelmente.

- Henry, pelo amor de Deus! – Bucky ouviu Steve resmungar e foi obrigado a olhar para o tal de Henry.

Não muito mais velho que a menina, mas com a aparência totalmente diferente. A pele incrivelmente branca e coberta de sardas onde Bucky podia ver. O cabelo ruivo quase laranja escorrendo em mechas lisas ao redor do rosto até o ombro, mas bagunçados de forma rebelde. O pijama que ele vestia, de astronautas e outras coisas relacionadas, indicava que também havia acabado de sair da cama.

Ele ergueu a mão e coçou o olho, quebrando em um bocejo tão intenso que Bucky se viu imitando inconscientemente.

- Vocês vão levantar ou...? – o garoto, Henry, questionou e recebeu um imediato "não" da menininha que se ocupou de pular em cima de Steve.

Steve que havia rolado de barriga pra cima na cama e quem Bucky estava agora encarando. Porque era ele, indiscutivelmente. Mesmos olhos, mesmo cabelo, mesmo rosto moldado nas feições mais lindas que Bucky jamais vira e as quais saberia amar em qualquer circunstância.

Steve que era, o que, pai daquelas crianças? Mas... Isso não era possível, porque Steve não tinha filhos. Nem Bucky. E nem... Mas... As crianças não pareciam, de fato, com nenhum dos dois.

Então, por que Henry estava caminhando a passos preguiçosos na direção da cama?

Ele decidiu que se a menina tinha uns dez, o garoto tinha doze. Seu corpo magrelo não teve nenhuma dificuldade em subir na cama que aparentemente já havia abrigado os quatro antes.

Bucky não pode fazer nada quando Henry, sem qualquer tipo de aviso ou sem se preocupar em pedir permissão, se esgueirou para seu colo e envolveu os braços esguios ao redor do pescoço de Bucky, deitando a cabeça em seu ombro.

Ele arriscou um olhar para Steve, com a garotinha – vestida em um pijama de borboletas – deitada em seu peito, olhando para Bucky e Henry como se aquele fosse o mundo todo diante de seus olhos.

Ele buscou, então, naquelas irises que lhe haviam passado segurança tantas outras vezes, por algum sinal de que Steve estava tão confuso quanto ele e acabou por não encontrar nada. Nada ali que lhe desse a impressão de aquilo ser tão estranho para ele, quanto era para Bucky.

Porque não era uma memória. E também estava tão claro e vívido para ser apenas um sonho.

- Pai, vamos ficar na cama até o final do semestre. Eu prometo que limpo o quarto da Sarah até o próximo verão. – Henry murmurou contra seu peito e Steve riu, seguido pela menina, que agora tinha nome.

Sarah.

Assim como a mãe de Steve.

Sarah e Henry.

Os olhos de Bucky trilharam o cômodo no qual estavam. A cama grande embaixo de seus corpos, uma cômoda na parede oposta com uma televisão muito parecida com aquela em que eles tinham na sala de estar em Wakanda. Uma porta entreaberta à esquerda de Bucky, que abrigava um banheiro. Mesa de cabeceira. Porta-retratos.

Bucky parou para ver a foto que estava ali, do lado dele da cama.

Eram os quatro: ele, Sarah no colo de Steve e Henry esparramado no chão fazendo algo que os fizera rir para quem quer que estivesse tirando a foto. Seus sorrisos genuínos, o sol brilhando sobre suas cabeças e o excesso de verde ao redor lembraram Bucky de outra paisagem familiar.

Então, ele entendeu.

Não era preciso olhar para fora, para além das cortinas que Henry havia escancarado, para saber onde estavam. Não que ele fosse conhecer o lugar, porque aquilo não era real.

Era um sonho. Algo que nem Bucky nem Steve jamais haviam vivido.

Dentro daquele quarto, naquele universo paralelo, eles eram Steve e Bucky, pais de Sarah e Henry, duas crianças lindas que deviam ter adotado. Ou não.

Ele não saberia dizer, aquele ponto.

Uma mão pousou em seu antebraço e Bucky olhou para Steve com a intensidade de quem olha para um anjo.

- Sim?

- Tudo bem com você?

Bucky não ousou responder, apenas assentiu uma vez e timidamente levou o braço até a cintura de Henry, retribuindo seu abraço e esperando não desmoronar diante do mínimo movimento.

Parecia que cada resquício de memória era feito para mata-lo um pouco mais.

Isso foi longe demais, ele pensou, ao ver Steve brincando com os cachos de Sarah e ela deitada tranquilamente no peito do pai, fechando os olhos na esperança de poder dormir mais um pouco.

Henry começou a ressonar segundos depois, agarrando-se a Bucky como um bicho preguiça.

O cabelo ruivo tinha um cheiro tão confortante e doce, e Bucky queria chorar.

Ele queria chorar porque aquilo não era nem um pouco justo.

Aquilo era tudo e mais um pouco, do que ele e Steve jamais poderiam ter.

Um leve choque para a realidade do que suas vidas realmente eram.

Não um lindo conto de fadas, onde ele e Steve podiam morar em uma casa simples no subúrbio de algum lugar qualquer, com cortinas grossas e pesadas, e um capacho na porta. Onde eles tinham um despertador que os alertava para a hora que seus filhos tinham que levantar e ir pra escola.

Droga, ele nem sabia que queria tanto aquilo até estar ali. Ou que um dia podia vir a querer. Ou que somente a ideia de nunca poder sequer experimentar aquilo com Steve – seu Steve de verdade, não esse de um sonho cruel – o deixava completamente paralisado.

Henry e Sarah. Sarah e Henry.

Bucky, de repente, se viu tão desesperadamente apegado àquelas crianças que lhe eram totalmente estranhas até poucos minutos atrás... Quais eram as histórias por trás delas? Desde quando eles eram uma família? Será... Será que Bucky havia ensinado matemática para Henry? E talvez Steve sentasse com Sarah à mesa antes do jantar, e eles ficassem fazendo desenhos com giz de cera, que depois iriam parar na porta da geladeira?

Porque essa casa tinha outros cômodos, certo? Uma sala de estar. Uma cozinha. Uma lavanderia. Coisas desse século, como uma lava-louça e até... Até um jardim pra eles.

Bucky achou que ser capturado pela Hidra, torturado durante anos e depois passar por um processo de recuperação, havia sido doloroso. Ele achou que já havia conhecido pessoalmente todos os tipos de tortura que haviam sido criados pelo homem e pelo diabo.

Bucky achou que sabia...

- Soldado?

Ele virou para o lado, mas não fora a voz de Steve que dissera aquilo.

- Soldado?

Um frio gelado desceu por sua espinha e ele se agarrou mais forte a Henry, fechando os olhos com força. Resignado.

Ainda não, por favor, só mais um pouco...

- Soldado!

Não...

Bucky reconhecia os fios de consciência puxando-o para longe de Henry e Sarah, deixando Steve sozinho naquela cama que ficaria com um a menos em poucos segundos, porque a realidade sempre dava um jeito de encontra-lo. Sempre.

- Ele não vai acordar assim, de boa vontade.

Não. Não vou. Bucky conseguiu pensar, mesmo sob o peso grogue que o arrebatava aos poucos, fazendo-o deitar de volta no travesseiro, o peso de seu filho como uma pena, quase imperceptível.

- Pois bem, dê um choque nele.

O aviso foi breve e sucinto, e em menos de dois segundos o corpo de Bucky foi brutalmente revivido pelas ondas fortes de eletricidade.

Seu grito cortou a garganta e o puxou de volta.

~

N/A: Ai... Até eu sofri com esse capítulo.

6k????????????? Eu amo tanto vocês. Sério. Obrigada por não desistirem de mim, mesmo.

Não esqueçam de votar, please, mesmo se eu estiver sendo uma chata enrolona. E continuem persistindo com esse livro, porque as coisas estão caminhando para seu fim...

E sim, já mencionei nesse capítulo uma certa pessoa que eu estou LOUCA para trazer para o mundo de My Immortal. Vamos ver no que dá.

P.S.: Gente, eu amo muito Scott Lang, não consigo superar, esse homem é um neném. Sem mais.

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