Passei o resto da noite no quarto e ninguém se incomodou em ir ver como eu estava. Não se se agradeço a isso ou fico ainda mais triste. Choro, soluço, mas não saio da cama em nenhum momento. Com os olhos já inchados, o nariz vermelho e com os ombros balançando menos, consigo pegar no sono. Só acordo no dia seguinte com uma dor de cabeça dos infernos. Quero tanto apagar as últimas lembranças, pois elas me machucam mais do que qualquer machucado que eu já tive. Muitas emoções fundindo-se. Isso enlouquece a minha cabeça.
Levanto da cama, meus ossos reclamam, muitos estralando, outros travando, fazendo eu criar uma careta. Vou na direção da porta para descer, entretendo, antes, decido ver as horas. Dez da manhã. Isso é melhor do que nada, mas ainda continua sendo pior que muita coisa, pior do que quase tudo. Não posso simplesmente sair agora para encontrar com Iryam.
Ah. A perspectiva de eu me encontrar com Iryam é a única coisa capaz de fazer eu ter vontade de levantar dessa cama. Um propósito. Era isso que eu precisa. Só disso. Nada mais.
Desço as escadas em direção da cozinha. Hoje, ainda bem, não encontro com os Limas, mas em compensação vejo Caroline e Dmitri abraçados, todo melosos, parecendo libertos pelo jantar de ontem. Sinto meu estomago embrulhar. Nunca fui muito fã de coisas melosas, agora não sou muito fã deles, isso não é uma mistura muito boa para ver em jejum.
Caroline nota a minha presença, finalmente. Num salto, se desgruda de seu namorado e vem na minha direção. Seu olhar preocupado é ainda pior do que o animo de Cássia.
Acho que preferiria ver os Limas de novo.
— Bom dia, Vanessa. — diz alegre. Contraio o cenho e passo os dedos pelas têmporas. Parecia que o sino de Belém está tocando dentro da minha cabeça. — Oh, desculpe. Quer algum remédio? — indaga afagando o meu braço. O puxo bruscamente. Torço que não tenha parecido com repúdio, mesmo eu sentindo um pouco agora, muito menos raiva, que está comigo a um pouco mais de tempo. — Tudo bem? Quer conversar?
— Não. — respondo seca, com a voz um pouco rouca e a língua áspera. As palavras saem firmes. Sinto como tivesse um punhado de areia na garganta. Caroline se afasta como eu a tivesse a machucado. Talvez tenha mesmo. As palavras são as armas mais mortais, pois te rasgam, criam uma ferida tão profunda que só com o tempo, muito tempo, talvez comece a curar. Não é com um simples "eu sinto muito" que vai fazer tudo voltar como antes.
Dmitri vem na nossa direção, preocupado. Está nítido que quer ver o que houve. Não pretendo estar no meio do casalzinho, então eu saio na direção geladeira. Pego uma pequena garrafa de água e bebo com o remédio para cabeça. O estressadinho foi acudir a sua amada, e o não culpo por isso. Na verdade, fico até agradecida. Acho que ele é o único que eu sinto menos raiva. Ele foi sincero comigo, ele escondeu o namoro dele do pai, de minha tia, mas eles estão bem, ele me contou sobre a traição de Caroline, me salvou daquele verme. Ele é o verdadeiro príncipe encantado num cavalo branco. Ele não tinha nenhum dever em me contar os detalhes sórdidos de sua vida, só descubro de enxerida, na realidade. Mas eu sempre contei as coisas para ela... bem, quase tudo... só duas coisas escondi.
Gabriel e Iryam.
Ela nunca o encontrou, nunca fiz questão de tentar fazer eles se conhecerem; e Gabriel... bem, está longe de ser algo fácil de contar.
Pego uma nectarina. Essa é uma fruta interessante. Não é um pêssego, parece com um, é menos macio, mas parece mais doce, não tem aquela camada felpuda do mesmo e é tão boa quanto. Quem fez eu ter todos esses questionamento foi Anastácia há muito tempo atrás.
Bellem.
Oh, Bellems. Família unida e difícil. Mesmo gênio os primos compartilham sem saber, todavia Anastácia sempre foi sempre mil vezes mais fácil que Gabriel. Oh, os Bellems. Cheios de aventura, querendo uma boa viajem, um novo desafio, nunca ficam muito tempo no mesmo lugar, nem tão misteriosos. O verdadeiro ponto de interrogação é Flor Bellem, a matriarca... Digna de Sherlock Holmes.
Saio dos meus devaneios ao ver o meu rai... Chega! Já disse! Saio dos meus devaneios ao ver Dmitri se aproximando. Sim, Dmitri. Ele não é mais o seu raio de sol, ele é uma nuvem tempestuosa, que arrasa as casas, alaga as avenidas e destrói as plantações. Quem eu quero enganar? Essa sou eu.
Dmitri vem na minha direção, ele parece querer conversar, mas parto antes dele possa dizer algo. Quando estou para sair de sua frente, sinto a sua mão quente em meu pulso, pedindo que eu ficasse. Hesito um segundo antes de balançar-me e soltar-me de seu aperto. Será mesmo que ele não percebera que não estou em meu melhor humor, que permaneço com o vestido de ontem e meu cabelo despenteado. Será que nada disso é o suficiente para perceber que não o quero por perto, que estou ferida, que estou assustada, que estou irada. Será?
Quero só sair daqui. Quero só sentir a brisa suave. Quero deitar ao lado de uma árvore. Quero nadar no lago e depois também quero que me faça uma xícara de café quente. Eu quero... Eu o quero.
— Vanessa. — ele me chama e ignoro o seu apelo. — Vanessa, precisamos conversar.
— Não, não temos nada para dizer um ao outro.
— Temos sim! — Corro até a porta de entrada na sala. Quando estou prestes a pegar na maçaneta e fugir desse pesadelo, Dmitri puxa o meu braço esquerdo e faz eu girar sobre os calcanhares.
— Estou cansada de conversas. — Não pretendia que saísse assim, tão tremula, tão fraca, não deixando passar de um sussurro enraivecido. Meus olhos inflamam. Não quero mais conversas. Só tem uma que me satisfazer, a que terei com Iryam, nenhuma mais.
— Você tem que parar de fugir. — adverte. Puxo o meu braço, mas ele está prendendo-o com mais força desta vez. Não machuca, longe disso, seu toque é suave. Será mesmo que não consigo fugir mais uma vez? Suas pupilas freneticamente analisam o meu rosto. Não parece notar que estou cansada, que estou cansada, muito cansada. — Você tem que parar de tratar sua prima assim também. — diz sério, com a voz confiante e olhar petrificado. Tombo a cabeça para trás e rio. Rio com prazer. Tudo isso se resume a minha prima?
— Tudo isso se resume a minha prima? — materializo o pensamento. — A sua nova namoradinha? — permaneço rindo. Noto que as pontas de suas orelhas avermelham. Só não sei dizer se é por raiva ou por vergonha ou os dois. Eu torço que seja os dois. Sorrio maliciosamente. — Seja menos patético, Dmitri. — Ele arregala os olhos. Foi pego desprevenido.
Puxo o meu braço, desprendendo-o, e abro a porta. Antes que eu pudesse fechar, Dmitri está no meu pé de novo.
— Eu não quero você por perto, então dá para você ficar longe de mim um pouco? — Antes que pudesse esperar a sua resposta, giro e desço os degraus. Não sei se ele me segue ou não. Também não sei pelo o que torcer.
— Isso não se trata somente de você. Você, Vanessa, está machucando pessoas inocentes. — continua Dmitri.
— Imagino que isso o machuque também.
— Sim. — responde. Poderia não passar mais de um sussurro que ficaria perdido no vento, entretanto, eu ouço. Paro e o encaro. Ele ainda está onde eu o deixei. Perco o fôlego, mas não permito que ele perceba que isso mexeu comigo.
— Que bom. — digo. As palavras não ditas me matam...queria ter sido mais cruel, mais letal, mas não consigo. Não consigo imagina-lo sofrendo. Um soco na boca do estomago é o que isso é. Ele se esqueceu do que eu passei nas últimas 72 horas. Mais tarde eu vou lembra-lo.
Ando sem rumo. Não quero pensar em nada, só sentir a brisa gélida beijar o meu corpo, o chão irregular moldar os meus passos e as nuvens pesadas banhar a minha alma. Se o lago e o banho não deram conta de purificar a escuridão que me envolve, só tenho a mais um lugar para recorrer. Espero o céu cair. Enquanto desaba eu ando, com o vestido grudando no corpo.
Sinto que já vivi isso antes. Tudo está nublado. A visão embaçada com as gordas lágrimas que se mesclam com a chuva. Ando sem destino, sem me preocupar em ser atropelada, se vivo ou morro. Estia o tempo aos poucos. A chuva havia sido intensa, capaz de naufragar o mundo, de me tomar, mas ainda estou aqui. Uma chuva de verão, ou, ao menos, um pré-verão. As estações por aqui não são perfeitas, como muita gente, como eu.
Algo vibra em minha mão. Olho abismada para o celular que trouxe sem pensar. O que havia me tirado daquele transe foi uma mensagem.
"Olhe para trás".
Assim o faço.
Engulo um grito de surpresa ao ver um Gran Siena atrás de mim. O tempo já não é mais o mesmo. Havia se desaparecido em alguns metros as pesadas nuvens e agora desponta um sol radiante que aquece a pele. Poderia correr de medo, correr pela minha vida para longe daquele carro, mas, em vez disso, fico parada, vendo-o diminuir a velocidade até parar e um homem alto com belos cabelos de ouro surgir de dentro. Tranco a cara. Um sorriso traquino queria vir, contudo, o reprimo com todas as minhas forças. O homem se aproxima de mim uma vez com passos lentos, de repente corre na minha direção segurando-me em seus braços com força, como se eu fosse frágil e a qualquer momento fosse desabar. Eu o abraço de volta sentindo o seu cheiro de alecrim. Alecrim... Alecrim... Só conheço uma pessoa que cheira alecrim. Quando levanto a cabeça para vê-lo, pontos pretos surgem levando-me a inconsciência.
Quando acordo não reconheço onde estou. Tudo parece muito confuso. É tudo muito claro. Sinto uma textura macia sob mim. Passo os dedos e noto que é uma fina coberta roxa. Roxa. Uma cor. A cor preferida de Caroline. Como um turbilhão, as lembranças voltam. Minhas roupas ainda estão molhadas, meu cabelo úmido, meu nariz entupido e tudo que eu reconheço são os bancos de couro a minha frente. Estou voltando.
Grunho.
Chamo a atenção de Dmitri. Ele se vira para mim. Suas sobrancelhas que mais cedo formavam um "V", agora estão relaxadas e um sorriso capaz de aquecer a minha alma ele me entrega.
Grunho.
— Te odeio. — digo com a voz rouca. Passo a língua no céu da boca sentindo a textura áspera, como se eu não dissesse uma única palavra à milênios. Dmitri só ri com a minha declaração. — Eu te odeio. — repito a mentira. Não quero permanecer com ele. Tento me sentar, mas a sua mão me empurra para baixo.
— Fique deitada. Será melhor. Você desmaiou quando eu cheguei. — Eu me lembro disso. Eu me lembro como ele me abraçou... Como eu o abracei. Do seu cheiro...
— Alecrim. — deixo escapar entre dentes. Como eu me odeio de eu saber disso. Eu queria estar corando quando ele vira a cabeça na minha direção; seria melhor do que sentir que minha circulação congelou. Meus dedos formigam e estou congelando nessas roupas.
— O que você disse? — indaga.
— O que você ouviu? — replico. Ele balança a cabeça. Eu sei que ele está sorrindo nesse exato segundo. Como eu sei disso, já é um mistério.
— Nada.
— Então eu falei nada. — Ele não vai permanecer nesse assunto. Até que fim serviu de algo ele ser tão bom moço.
Observo a paisagem passando lentamente sobre os meus olhos. Depois do que deveria ser uns dez minutos, tenho certeza que já passamos pela mesma árvore com musgo umas cinco vezes. Ele nada diz, como se não percebesse que estamos dando voltas.
— Não vamos para casa? — pergunto me sentando. Agora está muito melhor. Não tenho mais frio, minha cabeça não lateja e sinto que o vestido está quase todo seco. Quando sento evito olhar para as janelas ao meu lado, sei que devo estar horrível.
— Não, não está. — diz. Fico sem entender a sua resposta. Não foi isso que perguntei.
— Não perguntei qualquer coisa que você esteja pensando. Quero saber se vamos para casa. — digo autoritária. Ainda sinto um desconforto ao falar.
— Vamos, só estávamos... passeando um pouco. Sabe, para você se recuperar. — Dmitri se cala e depois de um sete segundos acrescenta. — Você não está horrível. Era isso que eu estava dizendo. — Pisco. Como assim ele sabia? — Eu não leio mentes nem nada. Só vi a sua cara, só isso.
— Ah. — Toco inconscientemente uma mecha do cabelo trazendo-a para mais perto de mim.
— Então quando você vai levar de volta para casa?
— É só você pedir.
— Poderia me levar para casa? — peço o mais suave possível. Ele não consegue esconder o sorriso dele. Bufo e reviro os olhos. Todo esse escrutínio está me tirando do sério. — Para inicio de conversa eu se você não tivesse a ideia idiota de querer conversar comigo.
— Ah, não. — Ele balança a cabeça incrédulo. — Conversas são o mínimo que as pessoas fazem para diminuir atritos.
— Outras pessoas compram anéis. Também ajudam muito. — Tsc. — Atritos e anéis.
Ficamos calados por um longo período de tempo. Estamos nos aproximando de casa. Quando estávamos perto o suficiente para eu sair correndo, Dmitri vira o volante, fazendo-nos dar meia-volta de um jeito que eu acredito ser pouco seguro. Esbugalho os olhos para ele.
— Você está louco! — grito com ele. — Está querendo me matar?! Nos matar?! — exclamo.
— Não, não mesmo. Só quero que você entenda que não pode tratar assim a sua prime, nem a mim e muito menos...
— ... Muito menos quem? — questiono gritando. — A sua ex maníaca?
— Aquele jantar foi um desastre.
— Pelo menos nisso concordamos. Acho que você não percebeu porquê estava muito ocupado com o seu próprio drama, mas ela estava manipulando Cássia para prejudicar Larissa, a própria prima.
— Para mim isso soa familiar. — diz. Meu coração acelera. Como ele ousa me comparar com ela.
— Ela é uma víbora que estava tentando nos atingir. — berro. Ele vira o corpo para me encarar. Dmitri para o carro. Ele que o tráfico é nulo a essas horas. Cerro os punhos e vejo-o tencionando a mandíbula.
— Nos?
— Sim, nos atingir, por causa do mercado, avestruz! — digo entre dentes. — Vai me dizer que você não percebeu que desde a hora que ela me viu ficou fazendo provocações. Larissa, aquela tola, deve ter contato sobre a nossa briga.
— O mundo não gira ao redor do seu umbigo, Vanessa. — ele diz tão sério. Serio mesmo que ele não percebeu essa merda toda.
— Imagino então que tenha dado glória quando eu desapareci do resto do jantar. — Eu noto como seus olhos cintilam de fúria. — Você pode ficar se esfregando nela a noite toda, seus dois desprezíveis. — cuspo as palavras enojada. Como eu posso estar falando uma atrocidades dessas. Meu desejo é engolir tudo o que eu disse, mas agora é tarde demais. Dmitri ofega. — Não precisa fazer mais nenhum favor, pode fingir que eu não existo, pode me ignorar, eu dispenso a sua carona de reconciliação.
N/A:
Olá, meu povo lindo desse wattpad! Quanta saudades! Meus caros, aviões e submarinos, peço que nunca desistem de mim como até agora não desistiram de acompanhar a verdadeira marrenta, cabeça dura Vanessa!
Será que um dia eles vão se da bem? Será que um dia vai parar de tantos atritos entre os dois? Poderia ter um anelzinho. Uma aliança de paz. O que acham?
Foi só isso.
Até o próximo!