Marcelle
A terça voou por entre minhas mãos. Continuamos sem fazer, apenas mudando de posição no sofá. As vezes a TV no mudo, ou canal de fofoca. Quem diria que ficar sem fazer nada era complicado?
Ao menos sabemos que Laura está feliz. Seu celular toca, ela sorri, mesmo depois da brica com Mariana, parece tudo certo em sua vida. Sabemos que ela está conversando com Caio, suspiros denuncia tudo. Eu gosto de vê-la feliz de verdade. Querendo apenas uma pessoa. Apesar que Caio é grande o suficiente para ser dois. Acho que ela adoraria esse comentário se eu fizesse, mas não, estou imensa na onde de preguiça que se alojou em meu quarto.
Estou confortavelmente embaixo do meu edredom. A chuva bate com força na janela, tem alguns segundos que deitei, mas o teto parece mais emocionante do que realmente fechar os olhos. Não tive coragem de enviar uma mensagem para Rodrigo, o dia todo ponderando o quanto seria invasiva fazer isso. Esperei que ele tivesse mais coragem e falasse comigo. Ou talvez, ele apenas não quer falar comigo. Não sei o que pensar exatamente. Sinto a confusão instalada dentro de mim.
É normal ficar confusa por que alguém que você conhece há alguns dias não dá sinal de vida? Isso soa ridículo até em minha mente. Mas sempre juro que há algo errado, odeio não saber as coisas.
Ou eu poderia mandar uma mensagem casualmente perguntando se ele está vivo. Obvio que ele está vivo. Preciso de uma desculpa melhor. Talvez perguntar por Lex? Não, não sou a louca das crianças. Aqui está chovendo, poderia perguntar para ele se lá também está chovendo. Certo, Marcelle. Você tem um problema nas mãos.
Será que se eu continuar pensando nele, o fará me enviar mensagem?
Seria uma espécie de bruxaria. Preciso desistir. Melhor ir dormir.
A luz do meu celular inunda o quarto, meu coração bate descompassado. Espero que seja Rodrigo, mas não é. Meu coração dói de uma forma diferente quando leio o nome.
Henrique: Eu não quero que você me odeie.
Tarde demais!
Henrique: Preciso que fale comigo. Hoje encontrei todas as fotos que tiremos no ensino médio. Queria poder voltar a trás. Até lá, segurar seu rosto entre minhas mãos mais uma vez. Dizer para aquele garoto que ele vai estragar uma das melhores coisas que lhe aconteceu. Foi o que fiz, Celle. Foi o que fiz quando não voltei para você.
Sinto a lágrima quente descendo pela lateral no meu rosto. Não a seco, como faria se estivesse em público, apenas deixo encontrar seu lugar para minha fronha.
As pontas dos meus dedos estão geladas. Resolvo responde, vai doer, mas não muito.
Eu: Não pode mudar o passado. E também não pode interferir no presente.
Henrique: Eu sei que tem namorado. Não é sobre isso que estou falando. Estou falando da garota que dividia o fone de ouvido comigo. Segurava minha mão e as vezes afundava os dedos em meus cabelos. Isso me fazia dormir.
Fecho olhos, porque a memória volta. Eu sinto exatamente a sensação que era tocar seus cabelos. E como ele sempre tinha um sorriso encantador nos lábios.
Henrique: O mundo não é o mesmo sem você. Não levei uma década para notar, apenas tomei coragem para dizer agora. Todos esses anos, criando coragem...
Eu: Você casou.
Henrique: Mas também me divorciei.
Quero socar minha cara.
Eu: É tarde, Henrique. É apenas tarde demais. E vou ser justa com você. Essa merda toda me machucou. Por 12 anos eu me questionei, porque quando uma pessoa nos machuca, nunca achamos que o problema é dela, mas sempre nosso. E eu não quero saber de quem é culpa a esta altura do campeonato. Você apenas não voltou, Henrique. E eu estava esperando.
Henrique: Preciso que me perdoe. Por nossa amizade.
Eu: Amizade? Henrique amigos não abandonam um ao outro por 12 anos e volta para pedir perdão. Amigo não machuca o outro. Eu não sou aquela Marcelle, nem você é o mesmo Henrique.
Henrique: Deve haver alguma coisa que possa fazer, qualquer coisa. Estou farto de sentir meu coração pesar. Não estou falando como seu ex-namorado, por favor, Celle. Eu preciso saber que nesse mundo você não me odeia. Porque eu me odeio por fazê-la me odiar.
Eu: Não odeio você.
Henrique: Porém não me ama.
Eu: E de quem é a culpa disso?
As lágrimas silenciosas virou um choro baixo. Sento-me na cama com dificuldade de respirar. Puxo o ar, exalo o ar, mas a sensação de asfixia continua impregnada em meu corpo. Meu celular vibra, mas desta vez é uma ligação, não consigo ver quem é, apenas atendo. Não é tarde, apenas quis deitar para encarar o teto.
― Um crime de mestre ― a voz de Rodrigo soa em meu ouvido e levo um susto ― Matei minha esposa, agora prove! Você viu esse filme?
Sua animação não me contagia, mas estou feliz que ele ligou.
― Não ― minha voz sai rouca.
― Está ocupada? Ou dormindo? ― ficamos em silêncio ― Marcelle, seria bem interessante me responder.
― Só estava pensando ― minha voz está rouca e desanimada.
Não posso dizer que estou chorando por causa de Henrique. Seria demais.
― Então amanhã nos falamos ― sinto um sentimento de urgência crescer dentro de mim ― Boa noite.
― Henrique ― digo, tão rapidamente que não sei se ele entendeu ― Ele me procurou, não sei como lidar com esse fato e provavelmente não deveria estar falando disso com você.
Ótimo. Perdi a cabeça de vez.
― Não tem problema ― sua voz agora é sóbria ― Tive uma ideia maluca.
― Acredito que você é cheio delas ― posso imaginar seu olhar de reprovação quando atesto algo baseado em suposição.
― Venham para o aniversário de Lex ― O que? Ele teve uma ideia insana ― Minha mãe acredita que será bom. Também acredito nisso. Pode trazer todas.
Minha mente gira com intensidade. Mãe acha? Oh meu Deus.
― Posso pensar? ― ouço sua risada, o que me faz sorrir também.
― Não estará me prometendo nada ― sinto meus olhos arderem pós-choro ― É um convite aleatório. Apenas, era para... ― ele para de falar ― Agora consigo ver o que estou tentando propor. Estou a convidando para um lugar onde estará toda minha família, é verdade, pode hesitar. No seu lugar, eu não iria.
Agora não sei se ele está brincando ou falando a verdade. Será verdade isso? Se fosse um convite inverso ele não iria?
― Que bom que não perdi meu tempo o convidando para meu próprio aniversário ― Preciso dizer que estou decepcionada.
― Está dizendo que não estou convidado para seu aniversário? ― agora posso ouvir seu tom de diversão ― O que farei com seu presente?
― Acabou de dizer que se fosse você, não iria ― justifico.
― Disse mesmo ― Agora entendo os motivos que o levaram para o caminho longe da advocacia ― No seu lugar, mas no meu eu vou. Quero estar lá quando tiver trinta e um anos. Quero que olhe em meus olhos e diga: Tenho mais números que você.
Fico em silêncio. Aquilo ainda me incomoda, por mais que ele acredite que seja uma brincadeira e verdadeiramente aceite aquele fato naturalmente, eu ainda sinto um pouco de desconforto. E quando penso sobre ele, tento ao máximo excluir esse fato.
Apenas um homem atraente.
Apenas um homem que tem o mesmo gosto duvidoso que você.
Ele é apenas um homem.
― Espero que não esteja chorando pelo Henrique ― sua voz agora é sóbria e há indicio de irritação ― Espero mesmo, Marcelle. Porque sei que está chorando, que acabou de falar com ele. Não preciso invocar Poirot para fazer essa junção dos fatos.
Ele está mesmo irritado porque estou chorando por causa do Henrique?
― Não deveríamos conversar sobre isso ― volto a falar baixo, mas no meio da minha garganta tem um nó. Talvez uma pedra ― Não gosto da sensação de me sentir... como se eu precisasse ouvi-lo. Quem serei se ignorar que ele pode estar falando comigo porque precisa de ajuda. Não sei o que aconteceu nos últimos anos.
― Tenho um palpite ― Eu não quero essa conversa. Não agora ― Você não vai gostar. Eu lamento pelo conflito. Não estou tentando impor ou qualquer outra coisa. Se acha deve algo para ele, então deverá. Se afastar de uma pessoa, é escolha.
Assinto, mesmo que ele não esteja vendo. As lagrimas voltam a brotar, meu peito queima, e meu coração se retorce.
― Por que faz parecer fácil? ― sempre que digo algo, ele faz parecer a coisa mais simples ― Por que diz coisas como 1º lugar da sua lista. E que me quer em um momento tão particular da sua vida. Não deveria falar essas coisas, entende? Em algum momento você vai notar que idade importa sim.
― Quando você tiver oitenta e eu setenta e seis? ― Eu posso dizer que o primeiro sentimento verdadeiro que brotou dentro em relação a Rodrigo foi o ódio ― Estaremos velhos da mesma forma. Pode continuar lamentando ou pode viver a vida.
Ficamos em silencio outra vez. Apenas respirando lentamente.
― Está certa ― volta a falar. Estou? ― Importa mesmo. Tudo isso importa. Preciso ir.
― Rodrigo? ― chamo seu nome com urgência.
― Ligue para Henrique ― O quê? ― Não sei como estão conversando. O convite está feito, pode vir, tem a causa da mãe de Laura, tem hotel, você pode ficar em minha casa. Lamentar o passado não vai fazer bem a ninguém.
Odeio saber que aquilo é uma verdade, mas mesmo assim a parte racional do meu cérebro está desligada.
― Por que sinto que está terminando comigo mesmo que não estamos namorando? ― a pergunta sai em um fôlego só.
― Porque é exatamente o que estou fazendo ― Sinto as palavras me atingirem em vários lugares ― Está em conflito. Não pode estar em conflito. Nunca é bom. O que destruiu o mundo foram conflitos. Descubra o que seu melhor amigo quer. Se tiver que voltar para ele, faça.
Voltar?
Voltar a ficar com Henrique?
Quero responder, mas não sou capaz de articular palavras.
― Sexta, o aniversário é sexta ― O que? ― Se vim, é por que resolveu tudo. Se não, talvez aqui seja adeus. Beijos.
E desliga. Não espera por mais nada.
Olho para o celular, há outra mensagem de Henrique. Quero jogar o aparelho na parede, mas não faço.
Henrique: Eu quero te ver, Celle. Por favor.
Eu: Por que? Qual a necessidade de me ver agora?
Henrique: Por favor.
Eu: Não posso ser essa pessoa para você.
Henrique: Você o ama?
Quero gritar pela janela. Henrique só pode estar querendo que eu surte. Essa merda toda. Isso. Eu apenas odeio.
Eu: Não tem a ver com outra pessoa, tem a ver comigo. Eu me amo, Henrique. Me amo tão profundamente que não serei essa pessoa para você. A adolescente que o que o amava, morreu. Quando eu olhei para meu celular e não tinha uma ligação perdida do meu melhor amigo, ela perdeu um pouco de si. E tudo que essa adolescente fez foi estudar por seis meses consecutivos, ela perdeu todas as habilidades sociais.
As lágrimas vão surgindo, involuntárias, parecem acidas.
Eu: Mas não foi culpa sua. A culpa foi minha por acreditar em você, mas quando eu estiver na casa da minha mãe, pode me encontrar. Apenas. Aliás, não vai significar nada. Saiba disso.
Henrique: Só preciso vê-la. Prometo não desapontá-la.
Penso em mandar uma mensagem para Rodrigo, mas não faço. Ao invés disso, selo meus olhos com força. Induzo a entrar num sono profundo, provavelmente perturbador. Isso irá cansar minha mente. Meu coração está gladiando com a razão, mas estou vendo-a, encolhida no canto escuro do meu cérebro. Está ensanguentada e rendida. Na hora que preciso da racionalidade, ela decide morrer.
**
O dia amanheceu como se nunca houvesse chovido. Esse tipo de bipolaridade climática acaba com o sistema imunológico de uma pessoa. Levo muitos minutos deitada. Encarando o teto e querendo apagar a noite de ontem da minha cabeça. Não sei como voltar a falar com Rodrigo, não acho que cabe a ele decidir se nunca mais iremos nos falar. Ainda mais quando tenho a missão de ir à casa de Mariana. Não tive coragem de ir ontem.
Preciso de uma aliada e sei que devo me unir a Jéssica, não é que Julia não ajudaria, mas Ju é pacificadora, não corre atrás de conflitos, ela os evita.
Meu celular não tem nenhuma notificação e sinto meu coração se contrair. Estou permitindo que Henrique volte para minha vida, o mesmo ato quase exclui Rodrigo. Mas preciso ao menos saber se está tudo bem. Porque quero que esteja tudo bem, há muito tempo eu não quero que alguém esteja bem.
Eu: Não precisa responder. Hoje irei na casa de Mariana. Precisamente agora cedo, só quero que saiba que está certo. Não devo virar as costas para ela. Há algo ali. Eu vou descobrir o quê.
Eu: Sinto que preciso me desculpar, as vezes eu posso realmente deixar as pessoas entrarem em minha cabeça. Mas eu vou encontrá-lo, em meu aniversário. Não na festa, mas quando estiver lá, então se não quiser ir. Entendo se não quiser também que eu vá ao aniversário de Lex.
Eu: Preciso ressaltar que não sabemos como agir com outras pessoas, o que nos faz, estranhos. Entenda, não queria brigar. Não mesmo.
Jogo o celular na cama e me arrasto até o banheiro, preciso de um banho e sair discretamente sem levantar suspeitas. A água desce por meu corpo causando uma sensação confortável, depois da noite de ontem, tudo que preciso é de um banho quente. Como posso ter derramado uma lágrima por Henrique? Sinto que traí a mim mesma. Tão patética ao cair tão facilmente em uma conversa de um cara que some por ano sem ao menos mandar uma carta, ignora uma promessa e simples quer fingir que não teve outra escolha a não ser me ignorar. Não posso fingir que meu coração não palpitou, mas não é amor, não há sentimento, apenas uma pilha de magoas. Profundas, roxas e doloridas.
Eu disse ao Rodrigo que ele poderia pensar em mim, porque eu queria pensar nele. Ele pediu permissão porque ele não queria que acontecesse tudo outra vez, então ontem eu apenas chorei por causa do meu ex. E usei uma desculpa tão escrota que queria ser capaz de rebobinar o passado. Apagar.
Espero que não seja tarde, seu pedido foi uma forma de proteção. Quem em são consciência ouve uma mulher falar de seu ex? Acho que errei profundamente. Talvez posso estar o machucando. Eu... não quero machucá-lo.
Visto uma calça jeans, mas não me arrumo. O dia ainda é fresco, apesar do sol. coloco um pouco de maquiagem para disfarças minhas olheiras em evidencias. Porque elas estão. Chorar a noite é péssimo.
Pego minha bolsa e coloco o celular dentro. Na saída, anoto um recado para elas, então anoto também o número de Rodrigo. Ele não me respondeu, bem, foi exatamente o que pedi. Que não me respondesse. Está sendo obediente, não que faça muito estilo dele, mas somos seres capazes de fazer tudo ao contrário.
Certifiquei-me de apenas ligar para Jéssica quando estivesse fora do apartamento. quando olhar para minha cara saberá que fiz alguma merda.
Dentro do meu carro faço a ligação, atende no segundo toque e diz que está na academia, que eu posso buscá-la. Ligo o GPS para não me perder, como costumo fazer. O trânsito ainda está leve, não demoro muito para estar estacionada na entrada da academia. Ela acena de longe e joga a mochila no banco detrás. Ela mora aqui perto, porém disse que poderíamos ir sem que ela trocasse de roupa.
― Tem um plano? ― Aperto o volante. Não tenho a droga de um plano ― Está bem, vamos dizer que o Otávio precisa de uma reforma. Do escritório. Não, do novo apartamento, um quarto.
― Ele precisa mesmo? ― ela revira os olhos ― Preciso conhecer esse Otávio. Que tal o jantar?
― Não sei ― aponta para a vaga vazia em frente ao prédio ― Como está com o amigo da Laura?
― Vamos deixar para lá ― faço um gesto com a mão.
Precipício, cara amiga. Apenas precipício.
Quando vou até o porteiro, me deparo com o senhor que sempre está quando venho visitar Laura, ele me reconhece imediatamente e libera nossa passagem. Agradeço e desejo um bom-dia.
Olho outra vez para o playground, mas desta vez Jéssica para e também observa. Não esperei por isso.
― Otávio tem dois filhos ― sua voz é baixa ― Sempre gostei de pensar que um dia eu teria vários filhos, hoje olho para minha vida e se resume a um filho.
― Acha que ele pode ser o pai dos seus filhos? ― ela esboça um sorriso leve.
― A ex-mulher é um pouco pegajosa ― Ou seja, problemática ― Estou tentando não me apegar, mas eu estou caindo malditamente de amores por ele. Não consigo parar, é como ver a porra de um acidente acontecer. É como ver um avião sem a droga de uma asa. Não quero que dê merda. Ela acha que sou uma versão mais nova, apenas isso.
Viro-me para ela. Então houve conversa?
― Foi o que ela me disse ― aperto seu braço com afeto ― Ela acha que estou com ele por alguma coisa material. É cansativo.
― Você não é uma versão ― agora seu sorriso se alarga ― É uma edição limitada. Espero que ele não seja tão otário em estragar isso. Não é todo dia que acorda e tem uma mulher como você caindo malditamente de amores.
― Sabe qual é a pior parte de ter uma amizade longa? ― nego com a cabeça. Eu só vejo vantagens ― Eu sei que está mentindo. A Ju me contou sobre os encontros, seus olhos estão maquiados, e você odeia se maquiar sem motivo. Seria interessante começar a se abrir.
Estamos paradas como se estivéssemos planejando um crime parada no pátio alheio, mas inalo o ar. Acalmo meus nervoso e esboço um sorriso falso.
― Ele é ótimo ― Ótimo? Uau. Case-se com ele! ― Temos muito em comum. Até mesmo nos convidou para o aniversário da filha dele.
― A filha do irmão? ― assinto, ela assente ― Claro, por que não? Tem uma loja no shopping que meu sobrinho ama comprar brinquedos, veja a idade dela e podemos fazer compras juntas. Então ele está sério sobre você? ― sua pergunta me faz arquear as sobrancelhas ― Ele quer que você vá a um evento oficial da família. Não se preocupe, Rodrigo tem todos os atributos de um homem completo. Pensa pelo lado bom, ele é gato para caramba, se assumiu pai de uma garota que não é dele, mostra que tem um coração imenso e mesmo sem saber aonde isso tudo irá levar vocês, fez questão de dividir um momento bem particular da vida dele. Sei que está criando teorias do futuro, Celle, mas é o lugar mais incerto do mundo. O desconhecido. Nenhum cientista habitou o futuro. Porque é impossível saber o que há nele. Apenas viva aqui, o momento.
Ela se vira indo em direção ao elevador. Assinto para o nada. Assinto para o playground colorido. O futuro é terra inabitada. Não devo levar minha mente muito distante.
Na porta do apartamento, aperto a campainha que ressoar me assustando. Que barulho horrível e nada delicado. Sinto as pontas dos meus dedos gelados, meu coração dança de forma melancólica contra a minha caixa torácica. Meu estomago vazio, parece mais vazio agora. Deveria ter comido algo, sinto o gosto amargo na boca, mas para afastar essas sensações desagradáveis, passo a mão no cabelo sentindo meu pescoço. Nunca fui uma mulher de usar cabelos longos, mas confesso que depois de cortar o cabelo assim, não consegui mais voltar.
A porta se abre revelando uma Mariana portando uma caneca de café, Jéssica respira deixando seu rabo de cavalo balançar para um lado e para o outro tocando meu rosto.
― Mari! ― diz tão animada quanto apresentadora de programa infantil ― O porteiro nos deixou subir.
― Não tem problema ― ela olha para mim com um olhar hostil. Engulo em seco ― Dois dias seguidos, Marcelle. Confesso que é mais do que a vi durante todo ano passado.
Ela abre a porta nos deixando entrar.
― Então, eu quero saber se tem horários disponíveis ― Jéssica atropela minha chance de criar uma defesa. Estou com o pequeno papel na mão, ela olha para a folha quase amassada e trinca o maxilar ― Sabe, o Otávio acabou de se mudar, o quarto dele é tão sem graça.
Jéssica está tagarelando, mas Mariana não quer saber, ela sabe que não estamos aqui por Otávio. Ela sabe melhor do que ninguém que estamos aqui porque pressentimos algo errado.
Meus olhos descem até a manga da sua camiseta, há uma marca multicolorida. Esverdeada, roxa, uma transição para o marrom. Aquilo dá um soco tão seguro em meu estomago que sugo ar e abro a boca.
― Mariana, não vou tomar seu tempo ― ela faz uma expressão de desgosto diante de minhas palavras ― Você não nos quer aqui, tem todo direito do mundo. Não vou enrolar, é sua vida, sua escolha. Vim até aqui para entregar esse papel.
Estendo a mão em sua direção, mas ela não pega, na verdade, ela está me fitando, furiosa. Deposito o número sobre a mesa de vidro. Dou um passo para trás.
― É o número de Rodrigo ― ela expõe um sorriso de deboche ― Não precisa ligar para ninguém, além dele. Se algo der errado. Apenas ligue para ele. Poderá vir sozinho, sem ninguém. Não precisa ter vergonha, mas Mariana, não ignore o que estamos vendo.
― Preciso trabalhar ― ela bufa se voltando para os papeis ― Sabe, Marcelle. Acho engraçado como vocês se sentem heroínas. Mas não são. São quatro mulheres solteiras e amargas. Todas adultas ignorando a porra da vida. Laura tem um problema com Rafael desde o momento o conheceu. Se ela quer seguir a droga da vida de cama em cama, o problema é dela. Agora não podem vir aqui e me dizer como viver meu relacionamento.
― Tem uma marca em seu braço ― ela cobre assim que Jéssica procura a marca ― Foi ele quem fez isso?
― Não, eu bati na cozinha ― sua voz dá uma travada ― Vocês são péssimas detetives. Não preciso do número daquele garoto. Ele se assemelhava um delinquente. O que ele é hoje? Chefe da máfia?
Tento não ficar ofendida com seu julgamento.
― Ele hoje é investigador da policia civil ― outra vez seu sorriso debochado está exposto.
― Agora é super-herói? ― seu tom é tão hostil e cortante que sinto calafrios subirem por meu corpo ― Vocês são todos iguais. Uma hora é o vilão, na outra o herói. Então, como o Elias foi de delinquente a um homem com um emprego de verdade, Rafael está passando por um momento difícil. Essa droga de machucado foi sem querer. Se não se importam, preciso trabalhar.
Jéssica se volta para a porta, mas eu não. Continuo ali.
― Mariana, sabe aonde nos encontrar ― digo, engolindo tudo que estou sentindo ― Não precisa ser assim, sabe que não precisa.
― Olha ― ela aponta para a janela ― É seu Batsinal. Bom saber que vocês revezam namorados, em algum momento iam precisar mesmo.
Ela está apenas fora de si.
Sigo Jéssica para saída. Fecho a porta, é complicado. É a negação. É o momento que sente que tudo ficará bem, mas não fica. Tudo só piora.
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