como eu disse no twitter, eu tenho uma boa e uma má notícia:
a boa é que esse é o último capítulo de backstory dos muke, yeeey, os próximos caps serão de 1955, ou seja, o ano dos muke.
a má notícia, é que eu chorei escrevendo esse capítulo. então, boa sorte pra quem ler.
por favor, comentem e votem. vejo vocês no outro lado.
And then I see a darkness
Did you know how much I love you?
Is a hope that somehow you
Can save me from this darkness?
Johnny Cash - I See A Darkness
Inverno, 1949
...Foi o que Luke pensou quando ele girou a maçaneta da porta para ele e Michael entrarem.
Luke fora o primeiro a adentrar a casa, porém logo sentiu a presença do seu amigo ao seu lado. A primeira coisa que Michael fez ao entrar, obviamente, foi observar onde ele se encontrava. A sala da residência Hemmings era pintada de bege, com uma lareira revestida de tijolos - de longe dava para ver que havia porta-retratos em cima dela, porém o conteúdo das fotos não era possível distinguir -, dois sofás marrons, um contendo três lugares e o outro, dois, estavam no meio do ambiente direcionados para o rádio onde se ouvia os portais de notícias e talvez algumas músicas. Havia plantas e quadros no local também, que Michael até passaria mais tempo observando se uma mulher não tivesse chegado no exato momentos que ele os notou.
- Vocês chegaram! - disse a moça animada.
Michael logo a reconheceu como a mãe de Luke. Ela ainda era jovem, seus cabelos eram em perfeitos caracóis loiros que combinavam lindamente com os seus olhos azuis. Vestida com um vestido com preto com bolinhas vermelhas pintadas nele e um avental em sua cintura, ela esbanjava jovialidade, a única característica que trazia algum tipo de seriedade eram seus lábios vermelhos perfeitamente desenhados. Ela era realmente muito linda na opinião de Michael, não de uma forma para se apaixonar, mas de se admirar.
- Você deve ser Michael - a mulher disse analisando o menino de olhos verdes a sua frente, ele concordou com ela. - Bem, eu sou...
- Ele sabe quem você é, mãe - Luke interrompeu mal-humorado. Sua mãe o olhou repreensiva.
- Eu a chamo de senhora H. - Michael disse, sentindo a tensão entre a mãe e o filho.
- Senhora H.? - perguntou, chamando sua atenção, fazendo Michael concordar. - Eu amei! Pode me chamar assim, eu aprovo - disse rindo um pouco.
A mulher era tão viva e animada que Michael se perguntou o porquê de Luke estar tão ranzinza e com cara de poucos amigos, como se estivesse incomodado com algo. O garoto até se perguntou se, na verdade, o seu amigo tinha uma péssima relação com a sua mãe e a mulher contente e gentil era só uma fachada que escondia uma terrível pessoa. Michael, no momento, não tinha como saber.
- Eu fiz biscoitos, vamos para cozinha comer - disse a mãe de Luke.
A cozinha era um pouco maior que a sala, pois também era a sala de jantar da casa. Era mobiliada com os equipamentos necessários para uma cozinha, não era tão moderna quanto a da casa de Michael, mas tinha o indispensável. Também havia um ilha na cozinha, com bancos para eles sentarem, que foi onde Luke se direcionou, e Michael sentou-se ao lado dele.
Os biscoitos, aparentemente de chocolate, foram colocados na ilha para eles comerem. Os biscoitos estavam deliciosos na opinião de Michael, de Luke também, mas o garoto não queria admitir e falar como seu amigo fez. O garoto de olhos azuis ficou apenas observando sua mãe e Michael engatarem numa longa conversa com assuntos aleatórios, rindo e se divertindo com a presença um do outro.
Luke gostou de vê-los se dar tão bem, como se também fossem amigos e continuariam a se dar bem depois dessa reunião. Porém ele sabia. Simplesmente sabia. A partir do momento que Michael reconhecesse as opiniões de sua mãe e como eles viviam, o garoto de olhos verdes correria. Era extremo demais para o momento que eles viviam, Luke já estava acostumado com certas coisas, mas seria muito para Michael aguentar e entender. Por isso ficou quieto e esperou o momento em que a sua mãe estragaria tudo.
Coisa que não demorou tanto assim para ele...
- Luke, lava a louça, eu terei de terminar algumas coisas do trabalho - a mulher mandou assim que a conversa entre ela e Michael teve uma pausa.
- Não - Luke respondeu, a desafiando.
- Como você disse, Luke?
- Eu disse que não - Luke reafirmou, provocativo. Queria mostrar para Michael a voz dele naquela casa, a voz de homem que ele tinha na casa.
- Luke. Lava. A. Louça - repetiu, com a voz firme e impassível.
- Luke, eu te ajudo - Michael se meteu inocentemente -, eu posso se...
- Não! - Luke interrompeu - Lavar a louça é coisa de mulher.
Luke conseguiu sentir os olhos nele, o queimando e ferindo sua pele depois que a sua frase fora dita. Michael estava surpreso com a sua fala, talvez se surpreendendo com a personalidade que Luke mostrou, talvez decepcionado, Luke não sabia. Mas da parte da sua mãe, ele sabia, e muito bem. Era de traição, dor e, claro, decepção. Quem era o garoto a sua frente? Ela poderia estar se perguntando, Luke pensou. E a única resposta que ele poderia dar era que ele era uma pessoa com medo da rejeição, mesmo que inevitável. Mas ela não entenderia.
- Luke, lave a louça - ela disse, pela última vez. Luke conseguiu sentir um pouco de dor em sua voz, doía nele também -, e depois que Michael ir, nós teremos uma conversa. - Ele estava encrencado, sabia disso.
Momentos seguintes que sua mãe saiu da cozinha e tudo ficou em silêncio. Luke foi lavar a louça como ela havia pedido e Michael o ajudou secando. O garoto conseguia sentir o peso na quietude entre eles, era como se o ar pudesse ser cortado com uma faca. Conseguia ver que Michael estava incomodado com a situação toda entre ele e sua mãe, por isso ele abriu a sua boca para perguntar:
- Por que você foi um idiota? - perguntou Michael, um pouco indignado.
- Você não entenderia - Luke respondeu.
- Você não está nem tentando que eu entenda, a única coisa que eu sei, até agora, é que você é um idiota com a tua mãe que te trata tão bem como se você fosse um bebê - Michael parecia estranhamente irritado, Luke não estava compreendendo o porquê de toda essa irritação.
- Ela tem essas ideias... - Luke cedeu.
- Que ideias? - Michael perguntou.
- Igualdade, etc.
- Igualdade?
- Sim, tipo entre homens e mulheres. Como se o homem também tivesse a obrigação de cuidar da casa, sabe? E entre outras coisas também - respondeu, encurtando, e bastante, os discursos de sua mãe.
- E você discorda disso? - Michael perguntou curioso.
- De fato, não. Mas há muita gente que sim - Luke admitiu, com um pouco de medo da reação do amigo.
- Olha, eu concordo com ela - Michael disse, deixando Luke interessado. - O meu pai parece uma criança perto da minha madrasta, ela limpa tudo que ele faz, serve o prato dele, e entre outras coisas! Ele não levanta um dedo, assim como eu e o filho dela. Eu me sinto mal por isso, não é ela que bagunça, por que só ela que faz?
- Sim, é meio que sobre isso que a minha mãe fala, e entre outras coisas - Luke disse animado por ver que o seu amigo parecia concordar com a sua mãe. - Ela fala sobre outras coisas, provavelmente ela te explicará mais um dia.
- E eu adorarei ouvir - Michael afirmou.
- Eu concordo com ela. Eu nunca deixaria a minha esposa fazer tudo sozinha, sabe? - Luke disse enquanto ensaboava a forma dos biscoitos, ele parecia como se estivesse olhando para o futuro. - Eu a ajudaria, seja trabalhando, em casa e com os nossos filhos.
- Nossa, você parece ter tudo planejado - Michael apontou.
- E você não? - Luke rebateu, fazendo o seu amigo pensar.
O garoto de olhos verdes começou a refletir. Ele já havia pensado no futuro? Talvez algumas vezes, porém nunca inteiramente. Conseguia se ver trabalhando em alguma profissão e se esforçando para fazer seu trabalho direito, isso ele via. Contudo, não conseguia planejar a parte pessoal. Uma esposa nunca aparecia em seus planos, assim como filhos. Era distante demais, perto de irreal. Talvez só não fosse o momento de planejar, pensou.
- Não, não planejei nada, não - admitiu. - E talvez você esteja planejando muito cedo.
- Eu não nego - Luke reconheceu. - Eu tenho até a pessoa que será a minha esposa.
- O QUÊ? - Michael perguntou surpreso. - Quem?
- Alexa Nolan.
- A prima do Garrett?
- Sim.
- O cara que nos odeia?
- Ele mesmo.
- Você é louco, Luke, sabia disso?
- Mas eu gosto dela! - ressaltou - O nosso amor será forte o bastante para ultrapassar esse obstáculo.
- O nosso amor? - Michael perguntou debochado. - Ela nem sabe que você existe.
- Ela AINDA não sabe que eu existo - enfatizou. - Um dia ela saberá e poderemos ser um lindo casal, você será o nosso padrinho de casamento.
- Valeu, mas eu só quero ser padrinho de CASAMENTOS REAIS, Luke.
- Da nobreza? - Luke respondeu segurando o riso, porém logo caindo na risada com o seu amigo debochado que ria também. Ele não entendia a intensidade de seus sentimentos por Alexa, e nem o faria entender, por isso não o levava tão a sério assim. - Anota isso, Michael, eu a levarei para o baile, pode apostar
- Qual dos bailes? O de formatura ou o da cidade?
- Ambos, mas eu estou planejando para o baile da cidade mesmo - ele disse de forma sonhadora. - Imagina, eu e ela, na frente da cidade inteira a fazendo verdadeiramente minha para todo mundo enquanto dançamos uma música que será reconhecida como nossa dali para frente.
- Você tem tudo planejado mesmo.
- Não são só planejamentos, Michael, são os meus sonhos, que se tornarão realidade. Principalmente esse do baile.
Michael depois disso não falou muito, ele simplesmente continuou secando a louça enquanto o outro garoto divagava sobre futuro e planos, todos incluindo Alexa neles. O garoto de olhos verdes até considerava fofo, porém achava precipitado demais da parte de Luke, ele tinha muita coisa para viver e ter certeza com a vida, era muito cedo para tamanhas certezas.
Assim que Luke e Michael acabaram de lavar e secar a louça, respectivamente, os dois viram que o horário já era um tanto tarde e que Michael precisava voltar para casa. Luke prometeu que o acompanharia até lá, e o outro aceitou de bom grado, ele só esperaria o seu amigo avisar para a sua mãe que Michael estava indo para casa para então ambos irem até lá.
Michael esperou Luke na sala mesmo, já pronto para ir embora. O menino deu uma olhada geral, novamente, na sala e seus olhos pararam nas fotos acima da lareira e ficou as encarando de longe, com curiosidade em saber qual era o conteúdo que havia nelas. E, como se viu sozinho naquela sala, não achou que seria de todo o mal ele ir vê-las, e foi exatamente o que fez.
As fotos estavam relatando as cenas mais adoráveis que Michael havia visto nos últimos tempos. Era Luke e sua mãe, de diversas formas e jeitos, principalmente rindo e se divertindo. A foto que estava em destaque era uma em preto e branco que tinha a mãe de Luke abraçando fortemente o menino e ambos com um grande sorriso no rosto. Eles estavam tão espontâneos mostrando todo o amor que nutriam um pelo outro que chegava a ser até palpável. Tão palpável que doeu em Michael, sentindo lágrimas penicarem o canto de seus olhos.
- Michael podemos ir a minha mãe já está aq - Luke parou no meio da frase olhando para onde o seu amigo estava. O coração do menino quase parou ao ver Michael olhando suas fotos - Tudo bem?
- Tudo, tudo sim - Michael respondeu apressadamente. - Eu já vou indo, Luke, não precisa me levar, eu vou sozinho mesmo.
E nesse momento Luke sentiu o seu coração quebrar. Michael iria embora e nunca mais olharia para sua cara, era isso que aconteceria, ele tinha certeza que sim. Já havia acontecido outras vezes e o garoto de olhos verdes não era diferente de ninguém. Porém ele apostava em Michael, não tinha como negar, por isso insistiu.
- Não, eu vou contigo sim, não se preocupa - Luke disse, quase que implorando.
- Não, Luke, sério - Michael respondeu, com severidade. - Senhora H., foi um prazer enorme estar aqui, muito obrigado. Tchau.
Assim que Michael dissera as últimas palavras, ele deu um abraço rápido na mãe de Luke e fora para a porta abrindo e depois fechando-a, saindo sem olhar para trás. O garoto de olhos azuis se sentiu no desespero de ir atrás do seu amigo - se é que eles eram amigos agora -, por isso logo saiu também pela porta, deixando sua mãe confusa olhando a porta se fechar.
Michael não estava tão longe, mesmo estando de bicicleta, o garoto seguia seu caminho, dessa vez, não muito apressado, já que não queria chegar em casa e também por causa da estrada escorregadia pela neve. Diferente de Luke, que pedalou apressadamente para se encontrar com o seu amigo e ficar ao lado dele, não muito longe de onde era a sua casa.
- O que você está fazendo, Luke? Eu disse que eu iria sozinho - Michael disse irritado.
- Eu estou te acompanhando, eu disse que te acompanharia - respondeu Luke, igualmente irritado.
O garoto de olhos verdes desceu de sua bicicleta assim que ele entrou para um tipo de beco, que tinha seu chão em forma de paralelepípedo e um tanto escuro, era um atalho para a sua casa. Luke imediatamente sentiu-se mal estando lá, como se uma energia ruim o invadisse, porém, ainda sim, o garoto pedalou mais um pouco para poder parar na frente de Michael com sua bicicleta e o impedir de seguir, descendo e colocando a sua bicicleta de lado logo em seguida.
- Você vai fugir, né? - Luke perguntou, sentindo tanta raiva que estava prestes a explodir e não conseguiria controlar os estilhaços. Infelizmente, Michael teria de aguentá-los.
- O que você está falando, Luke? Fugir de quê? - perguntou Michael confuso.
- Não te faça de desentendido de merda agora, Michael. Eu sei por onde você vem e você é tão ridículo como qualquer outra pessoa que já entrou na minha vida.
- O que disse, Luke? - Michael estava com o seu coração doendo pelas palavras de Luke. Não sabia o que fez, mas estava sofrendo a consequência disso.
- Você sabe, Michael. Porque é igual aos outros.
- Outros quem? - insistiu
- A TODOS OUTROS QUE ME ABANDONARAM E REJEITARAM PORQUE EU NÃO TENHO UM PAI! - o garoto desabafou irritado. - Não é a minha culpa que aquele cara era um merda e não quis me assumir, assim como a minha mãe não é puta, prostituta, ou qualquer outra ofensa que usam pelo que ele fez! A culpa é dele, caralho! E ninguém parece ver isso. Até hoje eu e a minha mãe sofremos as consequências porque ele não quis me assumir, até hoje pessoas vão embora da minha vida por isso.
- Luke, você está entendendo tudo errado, Luke, eu não ia... - Michael tentava se justificar com rapidez, porém o seu nervosismo e Luke não o deixavam acabar.
- AH, EU ESTOU ENTENDENDO TUDO ERRADO!? - perguntou irado. - Não, e não estou entendendo tudo errado, eu só entendi a tua tática antes do tempo, e sabe o pior de tudo, Michael? Eu pensei que você, de todas pessoas que passaram pela minha vida e foram embora, seria diferente! Eu pensei que você não se importaria com isso. Mas você é podre como todos os outros. Foi você ver aquelas merdas de fotos e perceber que havia uma figura paterna faltando, que você correu. Quis ir embora imediatamente porque não queria ter conexão com o garoto sem pai da cidade que é criado só pela puta da sua mãe.
- Luke não é bem assim... - tentou se defender, mas estava tão desnorteado com o caminhão de informações que recebera que mal conseguiu completar a frase sem ser interrompido pelo irritado e irônico Luke.
- Não? Então o que é então, Michael? Me diz, se é que você tem coragem.
- E-eu sinto tanta falta da minha mãe - Michael confessou com a voz embargada, seu coração despedaçando a cada palavra.
- O quê? - Luke fora pego de surpreso. Essa era a resposta que ele definitivamente menos esperava. Com isso, todos os seus sentimentos raivosos dentro dele, foram substituídos por uma imensa preocupação.
- Ao ver aquelas fotos, de vocês dois juntos, rindo e, claramente, transmitindo amor um ao outro, me fez sentir uma profunda saudade dela, do seu carinho, calor e, principalmente, amor - o garoto confessou, sua voz se quebrando ao meio das palavras - E sabe o que é pior de tudo, Luke? É que eu mal me lembro dela porque já faz tanto tempo. Sua face sumiu de minhas memórias porque elas foram deixadas na Austrália, nossos momentos juntos e calorosos estão sumindo de mim. Eu sei que eu os vivi, mas não consigo lembrá-los mais pois eu era pequeno demais, e, Luke, eu jurei, eu prometo que eu jurei que eu me lembraria dela, porém eu estou esquecendo cada vez mais a única pessoa que me amou de verdade a minha vida toda.
- Michael...
- Não, espera - Michael pediu, agora ele não pararia até tirar tudo de seu peito. - Meu pai pouco se importa comigo, mal olha na minha cara. E eu tentei que ele o fizesse. Eu passei por cima de mim mesmo, de quem eu sou para receber o mínimo de atenção que ele poderia me dar, porque o único jeito de tê-lo pra mim é através de castigos e, Luke, é tão cansativo entrar em confusões só para se sentir um pouco valorizado pela única pessoa que você tem no mundo.
E sem falar na minha madrasta e o filho dela, eles me odeiam demais. É possível ver nos olhos deles o desprezo que eles têm por mim e eu nunca, na merda da minha vida, fiz nada de mal para eles para me odiarem assim. Principalmente para a vaca da Matilde. E só piora tudo quando a merda do meu pai ama mais o Ian do que eu. E pode parecer até invenção, mas não é. Ele é tudo o que o meu pai sempre quis que eu fosse. Um verdadeiro menino atlético e energético que ele poderá realizar todos os seus sonhos de pai e filho que um dia ele teve. O Ian está até praticando baseball com o MEU pai, acredita?
E eu tenho que viver na merda daquela casa, na merda dessa cidade, dessa vida onde ninguém se importa comigo. Porra, a única pessoa que me amou está morta e eu nem sei porque eu continuo aqui. Eu deveria estar com ela. Com a minha mãe."
Luke observou o seu amigo chorando a sua frente enquanto tirava todo o peso de dentro de si. Suas feridas eram tão profundas quanto o garoto de olhos azuis pudesse esperar, e ouvi-lo desabafar foi um baque enorme em seu coração, tanto que estava, sem perceber, até chorando junto com Michael. Porque parecia que doía nele também. Que conseguia sentir a dor do seu amigo como se fosse a sua. Por isso, sem pensar duas vezes, Luke se aproximou de Michael e o abraçou fortemente, algo que pegou Michael de surpresa, mas que logo aceitou de bom grado, usando o ombro de Luke para deixar mais lágrimas e soluços escaparem.
- Ei, Michael, ei - Luke o chamou, afastando seu amigo um pouco para poder olhar nos seus olhos avermelhados pelas lágrimas -, não diga novamente que ninguém te ama ou se importa contigo, não é verdade.
Michael soltou uma riso seco e debochado, mas ainda por cima, dolorido, de pura descrença.
- Como não é verdade, Luke? Quem é me ama então?
- Eu te amo.
A resposta foi sincera e rápida, porque não havia necessidade de pensar demais nela. Luke percebera que queria estar com Michael ao seu lado, conversando e se divertindo com o garoto, assim como trocando confissões e dores como trocaram nesse beco escuro a caminho da casa de Michael. Amava o garoto que naquele momento estava o olhando incrédulo e espantado.
- Você não está falando isso só para que eu me sinta bem, né? - Michael perguntou temeroso.
- Não, Michael. Eu te amo, eu te amo com o meu coração e quero tê-lo na minha vida. E a minha mãe te ama também, sei que vocês só se conheceram hoje, mas você não tem ideia do quanto é fácil te amar, então ela já deve estar de amando agora.
Um sorriso verdadeiro pendia no rosto de ambos os meninos.
- Eu te amo, Luke - Michael confidenciou.
Os dois garotos se abraçaram de novo, por pura felicidade agora. Porque estava mais que confirmado que tinham um ao outro. E isso era tudo que eles precisavam no momento, alguém para contar.
- E eu também amo a senhora H. - Michael disse se afastando -, ou devo chamá-la de senhorita?
- Senhorita faz mais sentido, ela é solteira mesmo - Luke disse dando de ombro. - E desculpa pelo que eu disse e te chamei, eu acho que eu passei dos limites.
- Tranquilo - foi a vez de Michael dar de ombro -, acho que ambos precisávamos disso.
- É, verdade - Luke concordou. O garoto foi até a sua bicicleta e subiu na mesma - Eu terei que ir, acho que ficamos tempo demais aqui. Até mais, Michael.
- Até mais, Luke.
Os dois garotos seguiram em direções opostas, porém ambos sentindo a mesma coisa, um sentimento de completude invadi-los a respeito de sua amizade. Ambos confiavam o bastante um no outro para desabafar o que estava guardado no âmago de seu ser, assim como tinham sentimentos verdadeiros um pelo outro, que foi exposto no momento que começaram a conversar num beco perto da casa de Michael, onde Luke sentia arrepios por estar ali.
A vida, para Michael, parecia realmente boa naquele momento.
Tanto que o garoto nem se importou com o seu pai dizendo que ele chegou tarde demais em casa e o culpando porque, para seu pai, Michael estava atrasando a janta. Michael simplesmente subiu as escadas de sua casa ignorando tudo e foi tomar um banho rápido para não atrasar mais o jantar, já que era a sua culpa.
Durante a janta ele também ficara quieto, não havia nada em sua vida que pudesse ser interessante para os outros três acompanhantes de mesa. Os três engataram num assunto que não tinha a mínima necessidade das palavras de Michael nela. Mas não era o que a sua madrasta pensava.
- Então, Michael - Matilde começou, estranhamente bem-humorada para estar se direcionando a ele -, você passou a tarde fora, espero que estava se divertindo.
- Eu estava, obrigado. - Michael agradeceu.
- Você estava na festa dos Nolan para o Garrett? - ela perguntou animada. - Soube, pelo seu pai, que vocês são amigos.
- Em primeiro lugar, não, eu não estava na festa de Garrett. E em segundo, nós não somos amigos - Michael contou.
- Mas vocês eram - seu pai ressaltou. - O que aconteceu?
- Nós brigamos - Michael disse, um tanto animado. Aquela velha sensação de tentar impressionar o seu pai o invadiu de novo, e ele não conseguia controlar tal desejo.
- O quê? - Matilde e seu pai perguntaram pasmos. Talvez mais Matilde que seu pai.
- Sim! Garrett estava atacando um garoto, né pai? - Michael começou a contar animado - E eu te juro que ele quase ia matar o menino, mas ele não matou, porque eu interrompi o deixando no chão, pai. Eu bati no Garrett e salvei a vida do menino, não é incrível!? Nós somos amigos agora, porque eu salvei a vida dele. E eu e Garrett não somos mais amigos também por isso, mas eu não perdi nada também.
- E quem é esse menino? - a pergunta veio surpreendentemente de sua madrasta, não de seu pai, e ela parecia muito irritada.
- Luke Hemmings.
Ao dizer o nome a mulher só faltava ter engasgado com a comida que estava em sua boca. Ela só poderia ter ouvido coisa. Não é possível que alguém troque a amizade com os Nolan para ser amigo dos Hemmings, principalmente por causa daquela mulher desprezível que teve um filho sem ser casada, e ainda o cuidou sozinha! Matilde pensou.
- Michael, você disse Luke Hemmings, dos Hemmings da cidade? - ela confirmou.
- Tem outros Hemmings na cidade, Matilde? - Michael respondeu ironicamente, vendo cada vez mais a mulher se irritar na sua frente.
- Ian? - chamou a atenção de seu filho.
- Sim, mãe.
- Vá para o seu quarto - ela mandou irritada encarando Michael.
- Mas eu 'tô comendo, mãe - justificou.
- Ian, eu não pedirei outra vez, vá para o seu quarto.
- Ok, ok - Ian concordou, e, por fim, cantarolou de forma malvada: - Mas só porque alguém está muito lascado.
Michael não entendia o porquê dele estar lascado, nas palavras de Ian. Ele tinha salvado uma pessoa e feito amizade com ela, como isso poderia prejudicar uma pessoa? Ela deveria ser, ao menos um pouco, parabenizada por salvar alguém. Porém toda a racionalidade de pensamento fora embora no momento em que a sua madrasta jogou o prato que ele estava comendo no chão, o fazendo levantar-se rapidamente de medo.
- VOCÊ TROCOU O GARRETT PELO LUKE? O FILHO DAQUELA MULHERZINHA DESPREZÍVEL? COMO É POSSÍVEL? - Matilde levantou-se também, estando na frente de Michael. Ela parecia terrivelmente maior e mais amedrontadora.
- ELE IA MATAR LUKE! - Michael gritou de volta para a mulher.
- POIS QUE MATASSE ENTÃO. NÃO TERIA PESSOAS COMO ELE E A SUA MÃE QUE SUJARIA A SOCIEDADE DO QUE É CERTO!
Naquele momento Michael entendeu que aquela mulher assustadora na sua frente não estava o atacando pelo certo, mas pela colocação social que a amizade dele e Garrett poderia proporcioná-la. Por isso ela estava tão legal com ele nos últimos tempos, porque ele era a sua escada para subir e estar, nem que seja um pouco, no nível dos Nolan da pirâmide social daquela pequena cidade. Não adiantava nada ter uma boa vida se não fosse parte do círculo de amizade dos Nolan, você seria como o mais pobre na cidade ainda sim.
Para ela, Luke era melhor morto se isso significava estar no topo da pirâmide.
- VOCÊ NÃO CONHECE OS HEMMINGS PARA DIZER ISSO - Michael gritou com raiva. - ELES SÃO PESSOAS MARAVILHOSAS, A DESPREZÍVEL AQUI É VOCÊ!
A única coisa que Michael sentiu naquele momento foi o seu corpo ser lançado contra a parede da sala de jantar. Suas costas logo começaram a doer pelo forte impacto, porém nada conseguia tirar a surpresa dele pela atitude extrema que a sua madrasta havia acabado de tomar. Seus olhos arregalados evidenciavam o seu espanto.
Michael já havia apanhado e sido empurrado algumas vezes pelo seu pai, sim. Não era a primeira vez que isso acontecia, um empurrão e machucado. Ainda mais quando o garoto aprontava feio, muitas vezes acabava com pequenos hematomas em sua pele e ele considerava tranquilo já que muitas crianças apanhavam e também fazia parte de seu momento com o seu pai.
Porém dessa vez era diferente, e muito. Fora a sua madrasta quem o empurrara. Ela o havia jogado contra a parede sem dó nem piedade por causa de sua raiva. O garoto pensou que havia um acordo silencioso entre ele e seu pai que Matilde nunca poderia tocá-lo um dedo nele dessa forma, já que todas as vezes que ele apanhou de seu pai, a mulher ficara de fora e não interrompia.
Por isso, quando suas costas tocaram a parede bruscamente, e Matilde ainda parecia insatisfeita com o ocorrido, Michael olhara para o seu pai, num silencioso pedido de ajuda para que ela parasse e ele pudesse finalmente ir para o seu quarto. Entretanto, o seu pai só estava o observando, com a carranca tranquila como se esperasse a briga entre eles acabar. Como se não fizesse nada para interromper pois estava do lado dela, concordava com ela.
- VOCÊ É UMA CRIANÇA DE MERDA, COMO OUSA FALAR ASSIM DE MIM? O QUE VOCÊ SABE DA VIDA? - a madrasta continuou, irritada, sem a noção nenhuma do estrago que ela estava fazendo - Escuta aqui, criança - ela disse mais calma, bem perto do rosto de Michael dessa vez -, você deixará a amizade com aquele menino de lado e pedirá desculpas para a Garrett, e se ele não aceitar, você lamberá o chão que ele pisar até aceitar.
- Não - Michael respondeu, desafiadoramente. - Eu não deixarei Luke por aquele garoto asqueroso. Luke é muito melhor que ele, e você terá de me aguentar com ele, não com Garrett.
Há momentos em nossas vidas que definem o nosso futuro e quem seremos, e aquele foi o momento de Michael, que definiu toda a sua vida a partir dele. Quando a sua madrasta o segurou pelos seus ombros e o chacoalhou forte e repetidamente, fazendo sua cabeça bater diversas vezes na parede logo atrás dele, ele tomou três decisões em sua vida que nunca iria mudar.
A primeira: Michael nunca tentaria mudar o pensamento de Matilde sobre ele. Sua madrasta o odiava. E nada que ele pudesse fazer a faria mudar de ideia, porque sua raiva por Michael era algo profundo dentro dela que talvez nem ela entendia o porquê de todo esse ódio, mas não faria nada para mudá-lo. Assim como Michael também não faria.
A segunda: não desistiria de Luke por nada de sua vida. Ele era a única pessoa que Michael realmente tinha no mundo, e não deixaria Hemmings para trás porque pessoas da sua própria família eram contra ele, ou por qualquer outro motivo. Luke era parte sua agora e para sempre seria, não importava o que os outros pensassem.
A terceira decisão e a mais dolorosa ele decidiu enquanto olhava para o seu pai. Enquanto a sua madrasta o chacoalhava e o homem não fazia nada para defendê-lo. Naquele momento, ele sentiu algo se quebrar dentro dele. O que restava do vínculo, do amor e esperança pelo homem que o botara no mundo havia quebrado ali e nada mais havia. Então Michael decidiu que não se identificaria mais com o sobrenome Gordon, que veio do seu pai, para começar a se identificar com o Clifford, que era de sua mãe.
E mesmo que parecesse pouca coisa, para ele era uma mudança gigante e radical, porque ali ele admitira que seu pai nunca o amaria da forma que ele sonhou, nunca o teria para si. Era assustador em como o seu sonho o havia quebrado e que agora ele carregaria essa dor para sempre em seu peito.
Só no futuro Michael realmente entendeu o quanto essas três decisões mudaram a sua vida e o quanto ele as carregou dentro de si o tempo todo. Principalmente a segunda, que ditaria tudo que ele viveu dali para frente, em especial, os momentos mais felizes de toda a sua vida.
***
alguém precisa de lencinho ou só eu mesmo?
espero que tenham gostado.