— Matthew, Marilla, cheguei! — aviso quando fecho a porta, então jogo a chave na escrivaninha da sala e vou direto para a cozinha.
— olá, Anne. — Matthew me cumprimenta enquanto casca batatas, sentado ao pé da mesa e eu dou um beijo no topo de sua cabeça.
— Anne, que demora toda foi essa? — Marilla pergunta sem ao menos olhar para mim, muito ocupada fazendo algo na pia.
— boa tarde para você também, Marilla. — a abraço por trás e ela apenas balança a cabeça. — desculpa pelo atraso, mas Cole pediu que eu ficasse um pouco mais depois da aula para que o ajudasse com um projeto da aula de artes.
— tudo bem, só vai fazer a lição de casa para nós ajudar com o jantar. — ela manda ainda sem olhar diretamente para mim.
— sem problema. — vou ao lado pegar uma maçã na fruteira quando vejo o que ela está fazendo. — lasanha? você nunca faz lasanha. — ela finalmente se vira para mim.
— teremos visitas no jantar de hoje. — ela passa ao meu lado para pegar algo na geladeira.
— quem? — mordo a maçã e ela só para, olha diretamente para mim e coloca uma mão na cintura.
— você sabe que uma das coisas que eu menos gosto em você é a sua curiosidade? talvez você devesse trabalhar nisso. — ela volta a procurar algo na geladeira.
— eu só queria saber quem está vindo. — tento me defender.
— e em vez disso ganhou uma intimação para mover esse traseiro até o seu quarto, fazer suas atividades e depois descer aqui para nos ajudar, que tal? — ela finalmente pega o que procurava na geladeira e Matthew me lança um olhar de súplica.
— volto em uma hora. — saio quase correndo de lá.
— tomara. — consigo ouvir Marilla dizer.
• • •
— essas visitas são mesmo muito importantes, não é? você está usando a sua porcelana. — pergunto ao ajudar a arrumar a mesa da sala de jantar.
— por que você tem sempre que fazer tantas perguntas? — Marilla pergunta de volta, colocando os pratos e a campainha toca.
— eu atendo. — Matthew fala ao terminar de colocar os talheres à mesa.
— ótimo, e, Anne, pode buscar as lasanhas, por favor? — ela pergunta e eu assinto com a cabeça.
vou até a cozinha e quando me inclino para tirar a lasanha do forno já previamente aberto, vejo pela janela um homem negro de costas para mim, na minha varanda. intrigada, vou direto até a sala de jantar e por uma fresta tento observarar os nossos convidados e me deparo com John e Gilbert Blythe, acompanhado por um rapaz que eu nunca vi antes, sorridentes bem no meio da sala de estar.
quase deixei a lasanha cair antes mesmo de chegar na mesa.
tento me recompor do choque antes que eles venham para a mesa.
como aquele cara de pau teve a coragem de aparecer na minha casa?
— Anne, acho que você já deve conhecer John Blythe e esse é o seu amigo, Sebastian. — aperto a mão do senhor Blythe e em seguida a do seu amigo.
— por favor, me chame de Bash. — ele pede com um sorriso amigável no rosto.
— claro. — tento sorrir da mesma forma mas é um pouco complicado quando se tem Gilbert Blythe olhando sem piscar para você.
— olá, Anne. — ele fala mas eu simplesmente finjo que não escutei e tomo um lugar a mesa.
por favor, que esse jantar não se prolongue mais do que o necessário. por favor, por favor, POR FAVOR.
• • •
— Anne, o que há com você? — Marilla sussurra para mim enquanto os rapazes se mantêm entretidos com uma conversa da qual não sei absolutamente nada sobre.
— ahm? — pergunto meio aérea.
— você não falou nada durante todo o jantar, está tudo bem? — ela parece meio preocupada.
— estou sim, é que eu estou um pouco cansada e ainda tenho um teste importante amanhã. — invento uma desculpa. — posso me retirar?
— espere só mais um pouco, vou trazer a sobremesa agora. — ela pede licença e se retira da mesa.
— então, Anne, — Bash tenta começar outra conversa. — pelo que eu soube de você, a senhorita costuma ser bastante comunicativa, o que houve? — ele me ganhou com o "senhorita".
— bem, acho que o termo que melhor me define é "tagarela". — todos na mesa riem, inclusive Gilbert, que anda quase tão quieto quanto eu. — e o senhor não me conheceu em um dos meus melhores dias. — Marilla volta à mesa com uma tigela de mousse de chocolate em mãos.
— aproveitem, esse é um dos meus melhores pratos. — Matthew comenta e todos tratamos de nós servir rápido.
— Marilla sempre me falou muito bem de você, Anne. — agora é John que tenta iniciar um diálogo. — que além de ser muito inteligente você é muito criativa também.
— uma leitura e escritora assídua também. — Gilbert finalmente decide abrir a boca. — foi dela a iniciativa de criar um concurso de contos, na sexta série, e agora virou um evento anual na escola.
— gosto que minhas ambições me guiem, sem elas seriam pouquíssimas as coisas em que eu posso realmente confiar. — falo olhando diretamente para ele.
— então, Matthew, você estava falando sobre os insetos nas suas plantas. — Sebastian tenta mudar de assunto descaradamente.
— bem, foi um prazer conhecer você e rever vocês, mas eu preciso mesmo me retirar agora. licença. — todos pedem licença e eu subo quase correndo as escadas.
o que você está fazendo comigo, Gilbert?
• • •
estar na minha janela deixa tudo muito melhor.
passei pelas minhas piores crises aqui e sempre voltei para a vida real totalmente renovada.
acho que dá para adivinhar que tenho passado muito tempo aqui nos últimos dias.
estou observando as mudanças que o outono trouxe à minha árvore quando alguém bate na porta.
— pode entrar. — falo sem tirar a atenção da árvore.
— ela fica ainda mais bonita vista daqui, não tem tanta magia quando vista da rua. — olho na direção de quem entrou e vejo Gilbert parado no meio do meu quarto.
— essa janela consegue tornar tudo melhor. é o lance dela. — falo voltando o meu olhar para algum ponto aleatório na rua.
— Anne, me desculpa. — ele senta no chão ao meu lado.
— você fez tudo aquilo? — me arrisco a virar em sua direção.
— eu beijei Josie Pye no dia seguinte ao nosso beijo, sim. também beijei outras pessoas naquele dia e me arrependo muito disso. — dá para perceber nitidamente a sinceridade em sua vez. — e houve outro beijo com ela na festa, como já conversamos, e não, eu não parei. se você me perguntar o porquê eu não saberia responder com total certeza. e mesmo que soubesse não não compensaria. não sei se pode ser considerado traição mas foi assim que eu senti que fosse logo depois do que aconteceu. me desculpa. — me sento ao seu lado no chão. — o que mais você ouviu que eu fiz?
— que conseguir me beijar foi extremamente fácil, que destruiu o meu vulcão por inveja e espalhou o boato de que eu tinha piolhos. — falo sem dar mais tanta importância para isso.
— eu nunca disse que era fácil. — ele responde logo imediatamente. — eu contei para alguns amigos do time e eles inventaram esse comentário meu, eu juro.
— acho que você precisa rever suas amizades, senhor Blythe. — comento meio brincalhona e ele sorri.
— eu sei que sim. — sorrio também.
— ainda falta vulcão e piolhos, Gil.
— ah, claro. sobre o seu vulcão eu fiquei realmente impressionado, mas foi um acidente. um acidente extremamente cômico, por sinal. — ele ri um pouco sozinho. — e os piolhos. bem, eu nunca ouvi essa história.
— é compreensível. certos boatos não são considerados importantes o bastante para que chegue até a elite. — ele fica só olhando para mim. — o que foi?
— por que você me deixou explicar? eu pensei que você estivesse com muita raiva de mim.
— e eu estava. ou ainda estou, não sei ainda. — balanço de leve a cabeça. — mas durante esses dias após o ocorrido eu só pude ficar me perguntando, "será?". e ficar na dúvida de qual poderia ser a verdade é ainda pior do que ter que lidar com a realidade de fato.
— então... estamos de bem? — ele pergunta meio receoso.
— eu gosto de você, Gilbert. gosto muito. você chegou a ser o meu garoto favorito. — dou uma risadinha abafada. — e por isso eu me abri demais para isso e eu adorei. mas com isso, eu fiquei mais exposta também e daí veio a parte ruim. só não quero que isso aconteça de novo. — ele segura as minhas mãos com cuidado.
— eu ainda quero ser o seu garoto favorito, quero ser a pessoa que faz o seu dia, seria o seu maior fã e você seria a minha, e — ele faz uma pequena pausa. — eu gosto muito de você também.
— você acabou de citar Rex Orange County para mim? — nós dois sorrimos um pouco.
— você me deu a deixa e é tudo verdade. — ele abaixa um pouco a cabeça.
— eu sei que é. e eu adoraria andar por aí de mãos dadas com você, irmos a encontros sozinhos e até nos beijarmos na frente de qualquer um. — ele levanta a cabeça com um sorriso ainda maior no rosto. — mas...
— mas? — o sorriso dele murcha um pouco.
— acho que ainda não estou pronta. não é tão fácil curar um coração partido. eu só preciso de um pouco de tempo. — ficamos um pouco em silêncio e ele beija a minha mão.
— eu vou estar aqui quando você estiver pronta e espero poder estar ao seu lado durante o processo. — o meu sorriso resolve aumentar agora.
— eu também espero que você esteja ao meu lado. — por um impulso eu o abraço e ele corresponde na hora.
— então, melhores amigos? — ele se levanta e oferece a mão para me ajudar, que eu aceito na hora.
— talvez, não melhores ainda, mas podemos dar um jeito nisso.
melhores amigos. isso soa bem.
por enquanto, pelo menos.
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eu estava com um bloqueio criativo imenso e acho que o capítulo não ficou tão legal mas diz se esse finalzinho não ficou fofo.
e meu deus, isso tá muito grande. acho que esse é o maior capítulo que eu já escrevi. espero de todo coração que vocês tenham gostado.
já estamos com quase 0.7k de visualizações aqui e socorro como isso tá rápido. muito obrigada mesmo.
eu amo muito vocês e até a próxima 🌸