"Todos os dias da tristeza desaparecerão amanhã
Você pode contar comigo, meu amor
Estar aqui
Todos estaremos prontos, amor e bondade estáveis
Jamais iremos te esquecer
Você está em casa, meu amor"
(Never Forget - Michelle Pfeiffer)
Me recordo desse dia perfeitamente apesar de ter quatro anos, ou como gostava de falar na época: quatro anos e meio.
Mamãe não saia mais do quarto, quando eu ia até lá, conversar um pouco, percebia que ela estava pálida demais e sua voz macia como veludo cada dia mais rouca e arranhada. Mamãe parecia uma estrela que antes brilhava encantando a todos ao seu redor, mas agora estava se apagando aos poucos... E o que aconteceria com uma estrela que se apagou? O que aconteceria com aqueles que admiravam a sua luz?
Papai não estava mais saindo para trabalhar, de vez em quando pegava ele com lágrimas nos olhos, mas logo que me via as enxugava rapidamente e me abria seu lindo sorriso. Era pequena demais para perceber que minha mãe estava morrendo, e que só era questão de tempo até ela ser tirada de meus braços pequenos e frágeis, que não poderiam segurar ela em um abraço por muito mais tempo.
Mesmo assim, o dia em que Caterine Angel se foi tudo estava normal, um lindo dia de verão, quente e ensolarado. Eu estava deitada de bruços no tapete da sala brincando com as minhas bonecas, que usavam lindos vestidos de seda, e meus felpudos ursos de pelúcia. Quando meu pai, que não conseguia sustentar um sorriso no rosto por mais de um segundo, veio me chamar falando que mamãe queria conversar comigo.
— Ela está ansiosa para ouvir você cantar. — ele fala e seus olhos brilham com as lágrimas que ele tentava segurar ao máximo. O amor da sua vida estava partindo e não bastava todo o seu dinheiro e todo o seu desejo, não conseguia fazer com que sua esposa ficasse mais um tempo com ele.
Mamãe havia me ensinado a cantar desde que consegui falar minhas primeiras palavras, e por isso eu já sabia três músicas completas, uma que havia cantado para madrinha, uma muito triste (que ultimamente escutava mamãe cantar sozinha) e minha canção de ninar.
Quando cheguei na porta do quarto, a minha madrinha estava lá sentada no chão encostada na parede com grossas lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Ela me vê e abre um sorriso frágil, mas suas lágrimas não param de escorrer. Me aproximo dela e a abraço carinhosamente com meus pequenos braços.
— O que tá acontecendo, madinha? — ainda tinha umas palavras que eu não conseguia falar, mas essa era umas que eu insistia em falar errado porque minha madrinha sempre abriu um sorriso ao chamá-la assim.
Ela olha para cima, em direção ao meu pai, que estava atrás de mim e ele assente de forma rápida e quase imperceptível com a cabeça.
— Mamãe agora foi convidada para morar com os anjos lá no céu. — ela fala tentando sorrir, mas seu sorriso tremia nos cantos da boca e seus olhos se enchiam de lágrimas.
— Cando ela vai? — pergunto ainda sem sentir a tristeza, mas não me sentindo mais tão feliz. Tudo que eu sentia era uma enorme confusão.
— Não sabem ainda, mas é logo. — mais lágrimas rolam por seu rosto.
— Ela vai voltar cando? — acreditava que ela só iria e voltaria como qualquer criança pensaria, fazer uma visitinha rápida no céu. Voar com lindas asas sedosas de anjo e então voltar para mim.
Então ela fica em silêncio e mais lágrimas caem, seu corpo tremia por causa dos soluços. Passo minha mão por suas bochechas as enxugando, então ela coloca suas mãos sobre as minhas, que ainda estavam nas suas bochechas, e me olha fundo nos olhos.
— Sinto muito, querida... Mas ela não vai voltar. — agora era eu que chorava e madrinha enxugava meus olhos, havíamos invertido de papéis tão rápido. — Ela não vai gostar de te ver chorando, por isso seja forte e faça uma linda despedida para ela. — seu sorriso ainda tremia e seus olhos ainda brilhavam de lágrimas.
Eu enxuguei meus olhos, queria ver o sorriso da mamãe pela última vez e deixar ela orgulhosa de mim. Mas meu coração parecia doer, mas doía tanto que sentia que ele pararia de bater junto com o de mamãe assim que ela partisse.
Entro no quarto e me deito ao lado dela que me recebe com um sorriso. Em seu colo havia um papel todo escrito com a sua letra meio tremida tremida. Eu ainda não sabia ler letras cursivas, mas elas enfeitavam toda a folha, e o envelope na escrivaninha deixava claro que era uma carta. Para quem seria que mamãe estava escrevendo a sua última carta?
— Oi, meu amor. — sua voz estava ainda mais rouca e fraca, como um sussurro que ela se esforçava ao máximo para pronunciar.
— Oi, mamãe. — meus olhos ardem e minha garganta se fecha, eu tinha que ser forte. — Vim canta uma música pra você. — sorrio fracamente.
— Que linda surpresa. — ela abre um sorriso maior ainda.
Enquanto cantava me esforçava para não deixar as lágrimas escorrerem e os soluços atrapalharem na compreensão de minhas palavras, estava cantando a música triste que ela me ensinara a cantar para o papai depois que vovó havia partido, dois meses depois de vovô. E que ela cantava sozinha de vez em quando... Uma música que para alguém que havia partido, mas pela qual estaríamos vivendo nossos dias para que algum dia, talvez em outra vida, a vermos novamente.
Não demorou para eu parar de cantar e começar a chorar, mas mamãe começou a cantar sozinha, sem se abalar. Ela era tão forte, queria tanto ser como ela, tinha esse desejo desde aquela época... Caterine começou a fazer carinho em meu rosto, junto toda a força de meu pequeno coração para cantar o final com ela. A despedida e a promessa de nunca esquecer.
Depois disso comecei a chorar descontroladamente, eu era apenas uma criança, e minha querida mãe estava sendo tirada de mim. Ela me abraçava e passava a mão pelo meu cabelo tentando me acalmar.
— Querida, — Caterine sussurra pela última vez em meu ouvido. — você é mais forte e corajosa do que qualquer um que conheço, além de ter um coração gentil demais para esse mundo. Sei que você conseguirá realizar seus sonhos. Mamãe vai sempre estar com você. — ela beija minha nuca e vejo a luz invadir o escuro recinto, alguém abriu a porta. — Queria que isso não soasse como uma despedida, pense que eu vou estar lá no céu, torcendo todo dia por sua felicidade, minha princesinha. — ela me chama pelo apelido que papai havia me dado.
Olho para o lado e vejo o papai com os olhos vermelhos, ele nos abraça e ficamos um bom tempo assim. Então eu tive que sair, os médicos com seus uniformes brancos entraram e ficamos eu, a madrinha e o papai lá fora. Foi escurecendo e eu adormeci. No dia seguinte, assim que acordei, descobri que mamãe já estava no céu.
♪ ♫ ♪ ♫
Não sei como um corpo tão pequeno aguentou tanta saudade, eu olhava pela casa e não via mamãe ao meu lado, entrava no quarto dela e do papai e ela também não estava lá. Sabia que não estava, pois ainda estava com a roupa preta que usei em seu enterro de manhã, assim como um monte de pessoas estranhas usavam em casa.
Eu acreditava em todas as palavras que mamãe me disse, e continuo acreditando, ela estava comigo, está sempre comigo, mas não era do jeito que uma criança de quatro anos (e meio) iria querer. Tudo que eu queria sentir era seus abraços quentes e beijos doces, queria ouvir a voz dela mais uma vez, nem que fosse para me dar uma bronca. Mas ela havia ido embora, desistido de seu corpo para virar um anjo, me recordo claramente que foi minha madrinha que me falou isso.
Por incrível que pareça, depois de um mês eu não chorava mais por ela, eu tinha lindas lembranças dela em todos os cantos da casa, de vez em quando eu dormia abraçada à sua boneca de porcelana favorita, o que às vezes me machucava. Chegava a dormir até mesmo com uma blusa dela que ficava extremamente grande em mim, mas o cheiro de mamãe permanecia fortemente nessa blusa, e por causa disso ela sempre apareceu em meus sonhos como uma figura iluminada que brincava comigo em um belo jardim cheio de flores.
Papai tentou manter a alegria, sempre que podia brincava comigo, e não deixava eu ver que ele ainda chorava por ela, mas dava para perceber que ele sentia uma profunda saudade de mamãe.
Teve alguns dias em que eu pegava ele e sua irmã mais nova, minha madrinha, discutindo sobre algo ou alguém no escritório da mansão. Eu não compreendia o que estava acontecendo só me recordava de algumas palavras. Parecia que tinha uma pessoa ameaçando nossa família, me recordo de papai mencionar um grande segredo de mamãe que ele não poderia contar para sua irmã por mais que quisesse. E me recordo claramente de escutar o nome de uma pessoa Duquesa Carmem Mont'Negro.
Depois de alguns meses onde tudo estava um caos pelo desaparecimento do noivo de madrinha, papai apareceu com uma mulher, e ele falou que ela era minha nova mamãe, ou seja, minha madrasta, e eu tinha duas irmãs da mesma idade que a minha. Mas percebi que ela não gostava de mim nem de papai, ela me olhava de um jeito que eu não saberia descrever aqui. O nome dela era o mesmo que eu escutava nas discussões: Carmem Mont'Negro. Nesse tempo eu não sabia que essa mulher ia ser minha destruição.
♪ ♫ ♪ ♫
Jackson
Meu pai sempre foi duro comigo, minha mãe era quem tentava me entender, porque desde que aprendi a andar eu fugia das monótonas aulas de etiqueta e dos muros opressores do castelo/prisão. Foi a rainha que decidiu me colocar em uma escola do nosso reino, para que assim eu tivesse amigos que não fossem aqueles príncipes mesquinhos e cheios de si, e para não me tornar isso também. Ela queria que eu tivesse uma vida normal. Pelo menos o mais normal possível para alguém da realeza.
Mas o dia que ela partiu, foi doloroso não só para mim, mas para todos do castelo. Já sabíamos que ela estava doente, com câncer. Ela já tinha raspado todo o seu cabelo castanho brilhante e depois de um tempo não podia sair da cama, sempre conectada à fios que a conectavam a máquinas.
O rei pagou os melhores médicos do mundo, a colocou em um quarto que foi inteiramente reformado para que ela ficasse confortável. Mas ela não aguentou e teve que ir embora. Me lembro que eu tinha sete anos, e eu conversei com ela um dia antes dela partir...
— Meu pequeno príncipe. — ela fala ao me ver em seu quarto.
— Mamãe! — eu corro para seus braços, eu era só um garotinho, queria ficar com a minha mãe, a única que mostrava que me amava em todo aquele enorme mundo da realeza.
— Você está chorando? — ela fala sorrindo gentilmente, enxugando minhas lágrimas. — Príncipes corajosos como você não choram. — ela sempre chamou a minha rebeldia de coragem...
Essa foi a deixa para que eu começasse realmente a chorar. Ela não podia ir, não agora, minha mãe tinha que ficar comigo, o que acho que deveria ser para sempre, pois é isso que toda criança pensa, elas não acreditam que a qualquer momento seus pais podem ser tirados delas! Essa era uma preparação que íamos tendo aos poucos, até ver a pele de nossos pais começarem a enrugar e seus cabelos se tornarem brancos... E mesmo assim, nunca estamos prontos para essa despedida...
— Você sabe que eu tenho que ir embora. — eu volto a olhar para ela. — Por isso eu quero que você me escute, não pense que está sozinho, eu vou estar com você aqui. — ela aponta meu coração. — Ao lado de todas as pessoas que você ama. Sei que seu pai é muito duro com você, mas ele está fazendo isso pelo seu bem, ele quer que você seja um rei magnífico, mas ele não percebe que você é muito diferente dele. — ela ri. — Quero que você seja corajoso, seu sorriso é mais lindo do que qualquer outro, e eu não estou falando isso porque sou sua mãe... Bem... Pelo menos não só por causa disso. — ela ri. — Sei que um dia você vai encontrar alguém especial para você, e independentemente do que seu pai falar, siga seu coração, você é inteligente... demais. — ela passa as mãos pelos meus cabelos. — Não queria te deixar agora. — ela sussurra no meu ouvido e uma lágrima escapa de seus olhos.
Eu tinha parado de chorar para prestar atenção no que ela falava, mas essa despedida deixava tudo ainda mais real, ela poderia partir a qualquer momento. Ela já estava pálida e muito magra, magra de mais, ela que sempre foi razão de brincadeira pelas outras princesas por ser mais gordinha que elas, mas que nunca se deixou abalar pelos comentários dessas garotas tão malvadas.
— Eu te amo mamãe! — eu falo entre soluços, não queria que ela partisse sem saber disso.
— Eu te amo, também. — ela me abraça mais forte. — Eu te amo tanto.
E então no dia seguinte ela se foi, nunca mais a veria, e isso doía mais do que eu quero falar aqui, sentia que um pedaço do meu coração havia ido junto com ela.
Meu pai depois da morte dela começou a ser ainda mais duro comigo. Foi aí que entendi que um dia eu sairia da escola e só ficaria preso no castelo e em audiências com membros reais, e assim nasceu minha filosofia de vida: eu tinha que aproveitar, viver a minha vida, porque a qualquer momento isso poderia ser tirado de mim, tanto pela dona morte quanto pelo meu pai e uma princesa que ele e seu conselheiro escolheriam para ser minha noiva.