É a terceira vez que estou bebendo água num único quarto de hora. As coisas estão tensas para mim. Tudo bem, não só para mim, mas sim para o restaurante inteiro. O crítico saiu tem meia hora e Ten está em algum lugar sozinho. Eu sei disso porque todos estão aqui e não temos a mínima ideia de onde ele esteja.
Frustrante, realmente. O cara comeu, bebeu, conversou com Ten ao final, agradeceu pela comida e saiu. Bem épico, divertido, emocionante. Desculpe pelo meu sarcasmo, porém é inevitável olhar para nossa situação atual e não acabar pensando de maneira pessimista. Ok, pode me detonar, eu sou o pessimismo em pessoa, mas às vezes sou tão otimista que chega a ser uma ingenuidade cega. Eu acredito que tudo dará certo.
Estou pensando nisso ao atravessar a rua. Talvez Ten esteja pegando um ar ou sei lá. Ele é inconstante demais e, embora não caia por nenhum vendaval, balança e se contorce tanto que chega duvidamos disso. Ele consegue se adequar à tempestade, fazer parte dela até a calmaria chegar. Eu sei disso muito bem, compreendo um pouco de comportamentos — afinal, minhas observações no ensino médio serviram para algo.
Porém, não posso me aproximar dele se ele não deixar. Digo, claro que somos próximos e afins, mas eu quero ser mais que um "cara" para ele. Sabe, a única pessoa a qual cogito um bromance é ele. Eu adoraria estar num bromance com ele. Ten é alguém que me faz olhar para mim mesmo e me questionar se alguém realmente gostaria de mim, porque às vezes (sempre) eu costumo pensar que nunca serei bom o suficiente para ele. Não quero ser um idiota egoísta. Ele me faz bem, será que faço bem à ele?
Mais duas semanas e lá vamos nós, França. Nem consigo imaginar as infinitas coisas que podemos fazer juntos. Acho que meu coração está meio doentinho ultimamente. Do nada dá uns repentes que chega me assusta. Eu mal entro no ônibus e já tenho que lidar com arritmia cardíaca, é isso? É que essa ansiedade tola está me ferrando por inteiro e, se já não basta essa crítica rondando minha mente, essa viagem samba e sapateia na minha cabeça e se diverte com todos os meus parafusos antes presos.
Eu só quero que tudo fique bem. Quero que paremos de "cara" e inventemos apelidos carinhosos ou brincalhões um para o outro. Podemos ser grudentos, mas Ten odeia isso. Podemos ser cuidadosos, mas Ten adora perigo. Podemos apenas beber café, mas Ten acredita em overdose. Podemos acariciar um ao outro, mas Ten se considera um cacto.
Oh, meu caro santo Deus... O senhor está mesmo me fazendo gostar dessa criatura? Eu duvido que ele tenha sentimentos. Ele sorri, e daí? Seus sorrisos não significam "eu gosto de você" ou "você me faz feliz, não pare." São apenas sorrisos. Ele apenas estica ambos cantos dos formosos lábios e aperta os olhos. Fim de jogo. É por isso que me estabaco todo no chão, porque caio em sorrisinhos bestinhas como esses. Que eu desgoste dele, gracias.
Mas não é isso o que tem acontecido nesses últimos três dias tão pacatos e mórbidos que chega a ser tedioso. Nem como muito, apenas quando Ten me chama no horário de saída e me prepara algo. Ele está meio distante, eu acho. Ele continua sendo o mesmo, mas agora o silêncio entre nós me incomoda demais.
— Você conhece a namorada de Doyoung? — tento puxar uma conversa decente. Ou melhor, tentar. Ten está provando a sobremesa e então concorda com a cabeça. — Pessoalmente?
— Acho que ainda não tive a chance — ele estala os dedos e boceja.
— Hoje eu encontrei-a com Doyoung. Ela tem cheiro de BB Cream — parece que esse comentário o anima, pois sua expressão se torna relaxada e ele sorri.
— Quem tem cheiro disso? — agora percebo que algumas palavras ele pronuncia perfeitamente, enquanto outras estão meramente errôneas. Ele evoluiu muito, mas ainda tem o que aprender.
— Ela, absolutamente — sorrio para atrair sua atenção. — Sabe o que isso me fez pensar? No meu primeiro beijo.
Ah, porra, não creio que acabei de falar isso pro Ten. Parece que Lee Taeyong vê olha a palavra "vergonha" bem à sua frente e passa direto. Não é possível que eu seja tão... Cruzes, nem sei um adjetivo capaz de me descrever. Seria uma ofensa para todos.
— Seu primeiro beijo? — o desgraçado ri e concerta a postura, claramente evidenciando seu interesse pela história. Concordo com a cabeça.
— Uma vez eu beijei uma garota e tinha gosto de maquiagem — dou de ombros e vejo-o jogar o corpo para frente de tanto rir. Ele me acha engraçado... Algo mais, Ten? Acho que só isso. Já aceitei, cara.
— Mas maquiagem é uma coisa normal — ele explica calmamente, após se recompor. — Não seja bestinha, Tae.
— Mas tinha algo artificial ali me irritando. Sabe, ela estava usando muita e eu nem sei por que, ela era bem bonita. Você já beijou alguém com muita base e uma imensa camada de gloss de morango? — vou contando e fico feliz por não estar mentindo. Quer dizer, o fato de o beijo ter gosto maquiagem é que eu era tão inexperiente que eu beijava tudo, menos a boca da menina. Mas Ten não precisa saber disso, né?
— Por que você sentiria o gosto da base? — ele ri. — Você beijou o queixo dela ou o quê?
Fui desmascarado, que droga. Só rindo, porque se eu chorar, não paro mais.
— Poxa, Ten, foi meu primeiro beijo — faço beicinho e cara de criança. — Foi sem querer. Eu até a fiz sangrar, e de repente não sabia mais qual vermelho era do sangue e do gloss.
— Deve ser por isso que você é chatinho pra comer, você come é gente — eu rio com isso, mesmo sabendo que isso saiu meio ambíguo. — Você mordeu a garota?
— Sim, mas só porque eu queria fazer tipo aqueles beijos de novela, pensava que eles usavam os dentes. Eu nunca que ia colocar a minha língua nela, tinha medo de engravidá-la — esse é o limite para Ten segurar o riso. Estou me sentindo um bobinho agora. — Ei, para de rir da minha inocência.
— Engravidar pelo beijo? — sua risada me impede de entender claramente, então levo algum tempo para sacar o que ele quer dizer.
— Quem nunca pensou assim? — reviro os olhos. — Ninguém nasce com a mente impura, querido Chittaphon.
— Desculpa, é que você falando é tão fofo que até parece que acredita nisso agora! — seu olhar brilhante chama a minha atenção. Quando ele vai parar de sorrir e meu coração voltar ao normal?
Eu rio um pouco, mas estou fritando internamente. Espero que esse meu fascínio e admiração por ele não evolua, seria uma droga me apaixonar antes de me amar primeiro. Esse lance de amar a todos menos a mim tem que ter um basta logo, senão não poderei viver a minha vida. É preciso.
— Ei, e o lance do hotel? — atiço.
Ontem Ten me falou que estava tendo dificuldades para conseguir um quarto de hotel próximo ao seu, já que o tal hotel onde ficará hospedado já está totalmente ocupado. Isso é um saco, não quero ficar longe dele de jeito algum. Meu francês também é um lixo, admito. Não conseguiria sobreviver um dia sequer sem Chittaphon.
— Ah, eu não sei se você vai gostar da minha ideia... — ele respira fundo, claramente se preparando para algo. — Você se importaria se dividirmos um quarto?
Amém, eu não estou bebendo nenhum líquido tampouco comendo nada, caso contrário eu com certeza me afogaria ou morreria engasgado. Essa é uma proposta e tanto, não é mesmo? Eu absolutamente não estava preparado por isso. Acho que o me falta de verdade é oxigênio no pulmão.
— Quê? — eu tento não aparentar meu nervosismo. Essas coisas de dividir quarto com Ten me é assustador. Tipo, imagina só acordarmos juntos, dividirmos o banheiro... "é sua vez?", "não, é a sua"... Essas coisas me deixam nervoso.
— Veja — ele tira o celular do bolso e me mostra uma espécie de mapa, cujo indica quartos livres próximos ao seu hotel e o local do evento que irá participar. — Vai ser um evento grande e internacional, então óbvio que será difícil conseguir quartos. Além disso, o lugar mais perto que você pode ficar acabará saindo muito caro e meio distante do meu. Por isso que lhe propus dividirmos um quarto.
Isso não estava bem nos meus planos. Quer dizer, nada disso fazia parte dos meus planos. Porém, se aconteceu, o que posso fazer? Ten vai pagar a minha passagem e até agradeço por não ter de pagar um hotel também. E essa maldita tensão está me sufocando cegamente. Que terror vai ser dividir o quarto com alguém que ultimamente estou atraído e nutrindo um interesse rebelde. Sério, eu não estou gostando nem um pouco dessa parada de gostar de estar com ele.
— Por mim, tudo bem — continua ele.
— Não é uma má ideia — mas é claro que é uma péssima ideia. Eu mesmo decido que vou dormir no chão e bem longe de Chittaphon. — Estou de acordo.
— Certo. Você tem um passaporte, né? Precisamos dele, obviamente. Preciso acertar algumas coisas para viajarmos...— ele vai explicando e eu vou me perdendo com o movimento dos seus lábios, o deslizar natural dos seus escuros olhos, o sobrolho numa bipolaridade entre arquear e carregar-se. Todas suas palavras esvaem-se e eu sei que não devia, mas não consigo parar de pensar sobre quão maravilhoso ele é.
Eu admiro-o tanto que me assusto com isso. Queria ter o contato, ter o abraço, ter as mãos, ter beijos e trocar sussurros lambidos de flerte. Pareço um molequinho apaixonado pela florzinha mais bonita do bairro, a diferença é que a minha se despedaça num único toque. Não quero fazê-lo meu, detesto sentimento de posse e afins. Mesmo assim, queria que fôssemos um pouco mais do que somos agora. Ainda não estou pronto para esse tipo de sentimento, sei, e às vezes penso em parar com tudo isso. Mas não dá, ele está me olhando tão profundamente...
— Você vai ser um bom guia — comento gentilmente. — Obrigado por tudo.
— Eu nem fiz nada — ele ri. — Só quero que se divirta.
Aquiesço com uma sacudida da cabeça.
— Eu vou, com certeza. Nós iremos.
Ele começa a falar sobre o clima de lá, sobre quão azul o céu fica no verão e etc. Queria poder dizer que está rolando um clima entre nós também. Um puto clima.