4 meses depois
— Você foi aprovada! Você vai fazer sua faculdade!
Claudio nunca gritou tanto nem tão alto, mas nem ligo, nós dois fomos aprovados e agora somos calouros. Não sei se rio ou se choro. Na verdade estou fazendo os dois.
— Preciso contar pra Ana— Falo comigo mesma enquanto pego meu celular apressadamente, do bolso da minha calça.
Eu: Passei!
Ana: Não acredito! Parabéns! Vamos comemorar ou prefere trote?
Eu: Comemorar com certeza! Hahaha!
Ana: Vou te buscar agora!
Eu não tenho carro, muito menos carteira de motorista, mas tenho minha amiga que às vezes da uma de Uber e me ajuda, me dando carona. Eu tenho a melhor amiga do mundo ou não tenho?!
— Gente, vou sair. — Falo pra quem ta na sala, minha mãe e meus dois irmãos.
— Aonde vai, filha? — Minha mãe pergunta. — É segunda à noite e acabamos de saber que você e seu irmão entraram pra faculdade.
— Vou sair com a Ana, mãe. — A olho, sem entender essa preocupação/animação toda.
— A chama para vir jantar aqui com a gente, então. Vai sair até mais barato pra vocês.
— Ahm... Tá, vou ver com ela. — Dou de ombros e pego, novamente, meu celular.
Eu: Que tal jantar de graça?
Ana: Quero! Onde?
Eu: Aqui em casa.
Ana: Junior ta ai?
Eu: Talvez...
Ana: Não vou se ele estiver ai!
Eu: Vamos Ana, não precisa ficar com medo, ele não morde. Eu acho.
Ana: Prefiro gastar dinheiro.
Eu: Por favor! Por mim!
Ana: Ah! Ta bom! Mas só hoje! E se ele começar com brincadeira sem graça eu caio fora.
Eu: Okay!
— Ela vem. — Me sento ao lado do Claudio e olho para o Junior — Por favor, Ju, não aborrece ela, por favor.
— Ela que é estressadinha demais. — Ele ri, ironizando.
— Ok! — Mamãe se levanta e vai pra cozinha. — Vou inventar alguma coisa. Não briguem crianças!
Claudio desliga seu notebook, o deixa de lado e me olha. — Temos que fazer logo nossas matrículas, Gabi.
— Tudo bem, Clau, amanhã resolvemos isso.
— Mas você não tem trabalho?
— Tenho, mas dou um jeito. De qualquer modo eu vou ter que sair, ou pedir pra trabalhar meio período.
— Eu queria trabalhar, pra ter meu dinheiro e tal, mas medicina é integral...
— Ainda não acredito que você passou pra medicina!
— Você poderia ter passado, se tivesse estudado. — Ele ri.
— Mas não é o que quero e também nem tentei. Passei pra comunicação e pronto, tá ótimo.
Ele da de ombros e sai da sala como seu notebook. Olho para o Junior e ele está olhando para a televisão. Mamãe não gosta que a gente comente, mas ele parece com nosso pai, tipo, muito. Já eu sou uma mistura, cabelo castanho ondulado, altura mediana, corpo do tamanho G. Claudio parece mais com nossa mãe, pequena, ruiva e magra. Cada um de nós temos o nosso próprio jeito diferente de ser, mesmo que a gente se pareça com nossos pais. Eu não ligo, mas Junior liga. E muito.
— O que ta olhando? — Ele me olha, me cortando só com o olhar.
— Nada. — Olho para a tv e tem um cara batendo em um outro homen.
— Já disse que eu não gosto que fiquem me encarando.
— Como vai a faculdade? — Tento mudar de assunto.
— Não muda de assunto.
— Ju, nada de briga, já estamos velhos pra isso.
— Que se dane. — Junior se levanta e sai da sala.
Solto um suspiro, pego o controle e troco de canal. Coloco num canal de desenho e fico assistindo até a campainha tocar. Sei que é a Ana, então dou um pulo e corro pra porta, a abro e minha melhor amiga está lá, digitando freneticamente em seu celular.
— Espero que o Junior não esteja estressadinho hoje, porque eu já estou. — Ela diz sem nem me olhar, já entrando dentro da minha casa. Rio e fecho a porta, indo atrás dela.
— Ele disse alguma coisa parecida. — Me jogo no sofá, e nos sentamos uma ao lado da outra.
— Tanto faz — Ela desliga e deixa o celular de lado. — E então, caloura? — Ela me olha de repente animada.
— Ah! To sem acreditar ainda!
— Nossa, amiga, pode começar a acreditar agora! Tomara que a gente pegue alguma aula juntas, mesmo sendo cursos diferentes. Tenho esperança de sermos da mesma sala mais uma vez na vida.
— Acho difícil — Rio. — Você ta dois semestres adiantada, Ana!
— Reprovei, lembra? — Diz como se fosse óbvio, e fácil demais.
— Tanto faz — Dou de ombros.
— Okay! Chega disso, cadê a comida?
— Vamos lá ver. — Me levanto e vou indo pra cozinha.
***
— Beleza! — Minha mãe diz assim que a comida ta toda pronta e posta na mesa arrumada. — Agora só chamar os meninos.
— Eu vou ficar vigiando a comida. — Diz Ana se sentando em uma das cadeiras.
— Eu chamo. — Minha mãe fala já indo chamar meus irmãos.
Me sento ao lado da Ana, ela começa a tagarelar sobre seu amor por comida japonesa, até minha mãe e meus irmãos chegarem. Ana para de falar na mesma hora em que Junior começa.
— Essa cadeira é minha. — Ele para ao seu lado e a encara.
— Ih, começou. — Claudio murmura enquanto se senta à minha frente.
— Junior, não tem nome nas cadeiras. — Minha mãe se senta na ponta da mesa.
— Essa garota nem é da família, não tem direito de escolha. — Ele responde.
— É praticamente da família, não trata a Ana assim. — Eu o encaro.
— Tudo bem, eu sabia que trote seria melhor. — Minha amiga se levanta, resmungando, e se senta ao lado do Claudio, bem na frente do Junior.
Meu irmão mais velho se senta ao meu lado. Começamos a nos servir e a comer em silêncio, mas ele sempre descobre um jeito de detonar com tudo uns minutos depois.
— Achei que era uma comemoração, não um funeral.
— Porque você me odeia tanto? — Ana explode.
Todos na mesa ficam quietos, sem reação nenhuma. Olho para o Junior e ele está encarando sua comida, sem ao menos piscar os olhos. Ele fica assim por uns segundos e então olha para a Ana.
— Acho que te odeio por não conseguir te odiar.
— Oi?! — Ela pergunta, cínica.
— Eu te odeio porque eu gosto de você. Porque eu não tenho como te odiar. Porque toda vez que você chega meu coração pula, e quando você vai embora ele morre por uns segundos. Eu... Eu te odeio porque quando você sorri o mundo todo se ilumina, mas te odeio mais ainda por me fazer me odiar quando você está triste e eu não poder ir te abraçar.
— Junior... — Ana Sussurra, espantada, com essa reação repentina, assim como todos nós.
— Eu te odeio Ana. — Meu irmão continua, ignorando tudo e todos. — Por você ser a amiga da minha irmã e mais nova do que eu. Eu te odeio por ter que te tratar como irmã, ou as vezes pior do que isso, sendo que eu queria te tratar muito bem, como se você fosse minha mulher. É por isso que eu te odeio tanto. — Junior se levanta, nos dando outro susto, e sai dali.
Olho pra Ana e ela está vermelha e com os olhos cheios d'água. Ela olha para mim, sem saber o que fazer, e depois olha para o Claudio e para minha mãe, totalmente perdida.
— Acho que essa é a hora em que você corre atrás dele e diz que também o ama. — Minha mãe diz, voltando a comer.
— Mas... — Ela olha para nós três. — Eu não entendo... Eu... Eu tenho namorado... Eu...
— ... Tem que ir conversar com ele... — Claudio tenta ajudar.
— Vai logo! — Exclamo, exasperada.
Ana se levanta e vai na direção de meu irmão como um jato.