Por: Tatiana Castro
"[...] a evidência de que uma guerra se iniciou
Muitos guerreiros nórdicos, suas espadas e escudos brilham ao sol
Corram às armas defendam-se, preparem-se para resistir e lutar por suas vidas
O dia do julgamento chegou então prepare-se, não corra, defenda sua terra
Eles estão vindo do mar
Eles estão vindo, o inimigo
Sobre o sol brilhante
A batalha tem de ser vencida
Invasores pilhando
Invasores saqueando
Coloquem fogo nos campos alertem os outros homens do interior
O aviso deve ser dado, não existem homens suficientes aqui para resistir
Os vikings são muitos, muito poderosos para nós sozinhos os enfrentarmos
Nós temos de ter reforços, nós não podemos lutar esta batalha sozinhos
Eles estão vindo das colinas
Eles estão vindo para atacar
Eles estão vindo para a matança
Não existe como voltar
Invasores lutando
Invasores saqueando
Machados trituram e clavas se chocam enquanto guerreiros feridos caem ao chão
Membros decepados e cadáveres sangrentos feridos fatalmente por todos os lados
O cheiro de morte e carne queimada, a batalha caminha para o fim
Os saxões foram derrotados pelos poderosos homens do norte
Melhor se separarem e correrem
A batalha foi perdida e não vencida
Vocês devem fugir
para lutar um outro dia
Invasores estuprando
Invasores saqueando".
(Iron Maiden, 1982. in: Invaders - álbum The Number of the Beast)
Kira Krovopuskov
Presenciar um humano em um surto de raiva é entediante. Um imortal preso em um corpo mortal sofrendo um ataque de raiva não é menos patético, contudo, se acrescentar um lobo como expectador, a mistura pode levar a uma catástrofe.
Mais uma vez vejo-me envolta em baba e pelos, pois Wolf, instintivamente, se transformou em seu alter ego bestial ao ser confrontado com a invasão do quarto e as acusações de Ignestans.
— Não me darei ao trabalho de separar vocês novamente – cubro minha nudez com um hobby de seda dourada, providencialmente, esquecido ao lado da cama – Querem se matar? Pois vão em frente.
Abandono à balbúrdia e refugio-me no enorme banheiro, que a poucas horas foi palco da minha luxúria. Refresco meu rosto e pescoço na torneira ornamentada com intricados entalhes rococós combinando com a imensa pia de mármore negro.
O silêncio pesado emana do quarto. Esse é um bom sinal? Não estou nem um pouco disposta a descobrir, mas quem seria aquela criatura com graves ferimentos em companhia de Ignestans? Seu semblante não aparenta ter vindo à Fortaleza Vermelha de bom grado.
— Não se desculpe, Kira – reforço minhas próprias convicções, encarando o espelho ao enxugar o rosto – Você não fez nada de errado. Não deve nada a nenhum deles, nem ao seu pai.
Suspiro e arrasto as pernas relutantes de volta ao quarto. Em minha ausência, Wolf retornou a sua forma humana, só enrolado no lençol de seda, com aquele peitoral sexy a mostra em silenciosa provocação ao olhar fulminante, porém abatido, do demônio.
O vampiro moribundo treme no chão aos pés de Ig, esquecido entre a batalha muda dos que, em teoria, deveriam ser aliados. Como Dmitri mantém uma legião inteira sob seu comando e eu não consigo manter nem ao menos duas criaturas sob meu controle?
— Se já acabaram com as bobagens vamos ao que interessa – tomo as rédeas da situação e a atenção das criaturas teimosas que nunca sonhei conhecer. – Foi você que nos abandonou naquele covil, Ignestans. Sou eu quem deveria estar atirando objetos do quarto na sua cara. Fomos atacados e, se não fosse pelo lobo, eu, provavelmente, não teria escapado ilesa, mesmo não desistindo de lutar.
— Não os abandonei! Fui atrás de Kasyade exigir informações – Ig reprime a raiva entre os dentes.
— E parece que voltou com mais que informações – mudo o foco para encerrar o impasse. Talvez o demônio ressentido superasse o fim de noite em que eu e Wolf aproveitamos para extirpar os problemas familiares de nosso sistema.
— Esse não parece ser o "Kay não sei das quantas" – Wolf observa apontando para o vampiro moribundo.
— Kasyade não está mais na Terra – Ig joga a bomba sem mudar a carranca.
— Como assim? – controlo a voz melhor do que consigo domar o impulso de chacoalhar o demônio pelo colarinho, para obriga-lo a desembuchar – Seu superior está morto?
— Sim, eu senti o momento que aconteceu – Ig revela e fita minhas mãos agarradas a gola do seu sobretudo. Pelo visto estou prestes a perder a batalha interna contra o desejo de esganá-lo.
— Sentiu? Como assim? Não estava lá? – juro que, realmente, estou prestes a torturar esse demônio até ele deixar a atitude de desprezo com que me fulmina.
— Sofremos uma emboscada. Estava salvando meu próprio corpo mortal quando senti que ele não teve êxito em fazer o mesmo. Ficou claro que o objetivo era nos tirar definitivamente do caminho – Ig explica e se desvencilha das minhas mãos – Foi por isso que abandonei a luta e trouxe esse filho da puta do bando inimigo. Tenho certeza que Sangsue está envolvido em toda essa merda.
Será que Ig obteve a nossa primeira vantagem? Ele conseguiu o que eu e Wolf não fomos capazes na noite passada: capturar com "vida" um dos soldados com informações válidas?
Ajoelho em frente ao vampiro. Ele está bem machucado, mas irá recuperar sua vitalidade em pouco tempo.
— Sou Kira a líder do clã russo. A quem você deve lealdade? – por acaso, hoje é o dia oficial de lançar olhares de desdém? Pois foi só o que recebi de volta do prisioneiro – Você é do bando de Ed?
— Quem é Ed? – Ig se intromete.
— Você saberia se tivesse ficado no covil ontem – Wolf rosna.
— Vai a m... – o xingamento do demônio é interrompido por fortes batidas na porta do quarto.
— Senhorita Kira! – chamam do corredor. Se não me engano é o mordomo que inicialmente nos recepcionou na Fortaleza.
Antes que eu abra a porta, Wolf se posiciona entre eu e a nossa fonte de informações jogada no chão. A intimidade que eu e o lobo criamos é muito mais que física. Já estamos pensando da mesma maneira e, sem troca de palavras, ambos sabemos não ter o luxo de perder esse prisioneiro antes do tempo. Necessitamos de informações reais e não podemos confirmar em ninguém.
— Senhorita Kira! – o homem que não me recordo o nome repete em companhia de batidas urgentes na porta.
— O que aconteceu para não poder aguardar? – reclamo ao abrir a porta.
— Parece que a senhorita encontrou os invasores – o mordomo xereta por cima do meu ombro e ganha um rosnado de Wolf. – Os alarmes silenciosos alertaram os seguranças.
— Se fosse mesmo um invasor, a sua preciosa rainha ou sei lá como a reverenciam, já estaria morta – Ig desdenha, mas é óbvio que ainda está magoado – Sua segurança é uma lástima.
— Estou bem – interrompido na tentativa de livrar-me do serviçal e arrancar informações do prisioneiro – não necessito de auxilio.
— Infelizmente seus "amigos" não são o principal problema – a boa educação não impede que ele frise a palavra "amigos" como se fosse um termo chulo – As autoridades policiais estão na Fortaleza e exigem falar com a senhorita e com o senhor Krovopuskov.
Essa situação pode ficar pior do que está? Não bastava uma queda de avião, pais desaparecidos, pesadelos bizarros e criaturas sombrias a atormentar-me em todos os níveis imaginados? Claro que não! Mortais e sua curiosidade sobre o submundo irão dar o tom de desespero que me falta.