JENNIE KIM
Eu sempre odiei usar saltos. Em apenas em situações qual eu precisava estar completamente apresentável e formal, - como a de agora - eu me prestava a usar tais sapatos. Não conseguia entender como tantas mulheres amavam estar sob uma enorme plataforma quando ao meu ver aquilo acabava com meus pobres pezinhos de dor. Talvez me faltasse costume, ou algo do tipo. Costume esse que eu corria.
Meu olhar rodeou ao enorme lobby enquanto mentalmente xingava até a terceira geração de Jihyo, Sana e comapanhia por estar usando saltos tão altos, quais já traziam as famosas dores. A recepcionista me encarava com um certo desprezo, mascando um chiclete azul que fazia questão que todos vissem, ao comer de boca aberta. Bizarro. Nojento também. Principalmente em um lugar tão chique e cobiçado como o que ela trabalha. Dei de ombros e me aproximei mais, molhando meus lábios antes de dizer meu nome.
Ela mastigou mais algumas vezes e digitou algo no computador, emitindo um cartão com meu nome e uma horrível imagem minha, completamente aérea, tirada pela webcam qual ao menos fui avisada. Peguei o mesmo e andei em direção às travas de vidro, qual ao tocar o cartão na máquina, dava-me acesso aos elevadores. Olhei o celular brevemente, me certificando do andar. Nono, apertei ao adentrar o mesmo. Suspirei ao olhar as minhas notificações, tentando em vão esconder o quão nervosa estava.
"Boa sorte! É boa no que faz, sabemos disso. Prove da melhor forma. Amo você, Jendeukie."
Jisoo enviou, dando-me então uma enorme confiança. Minha melhor amiga sabia exatamente como me deixar calma em tais situações, ela realmente nunca havia me abandonado. Como uma irmã, Jisoo era meu alicerce, minha âncora. Sabia que podia contar com ela em qualquer que fosse a situação, mesmo que fosse para a mesma me xingar e dizer que fiz uma enorme merda. Fazia tempo que não levava esporros de Jisoo desde meu último término. Digamos que eu tenho o dedo podre.
Fui desperta de meus pensamentos ao ver o elevador se abrir, dando visão a uma enorme sala com sofás. A mesma se encontrava vazia. As enormes janelas de vidro iluminavam o local. Era possível visualizar quase que Seul inteira daquele lugar. Ao canto, uma máquina de café, revistas Vogue perfeitamente empilheiradas e uma mesa de chá. Agarrei a pasta em meus braços, checando o horário no relógio. "Droga, cedo demais" murmurei ao perceber que ainda faltavam vinte minutos ao horário marcado. Antes cedo do que atrasada, ao menos. Andei pela sala até o maior sofá, qual dava à vista para Seul. De certa forma, aquela imagem havia me acalmado, podia soltar o ar levemente de meus pulmões.
Um barulho me chamou atenção, fazendo com que eu virasse a cabeça para a porta, tendo a visão de um garoto moreno adentrar a sala. Este usava uma calça preta apertada e uma blusa azul claro. Seu nariz era uma graça e sua boca avermelhada carregava um piercing, assim como em sua sobrancelha. Um tremendo bad boy, eu diria, pelas tatuagens espalhadas. Ele se assustou ao me ver, e por um reflexo, eu também levei um susto. Ele soltou uma risada, se aproximando de mim.
— Oh meu deus, você me assustou! Jennie Kim, certo? — questionou e assenti. — Sou Jeon Jungkook, desculpa não ter me apresentado nas mensagens. Sou o melhor amigo e acessor da ferinha.
Ele sorriu novamente reverenciando-se ao que fiz o mesmo, passando a andar agora até a máquina de café, aonde pressionou alguns botões após colocar o copo no local indicado. Apesar de toda a pose que passava, o garoto era simpático, delicado. Se meu gaydar não fosse completamente comprometido pelas gafes que já cometi, diria que a primeira letra da sigla pertencia à ele.
— Acho que estou um pouco adiantada... Não gosto de me atrasar para meus compromissos. — murmurei ao encolher meus ombros.
— Não se preocupe. O animal feroz que é a Lisa demora para aparecer mesmo. — ele jogou a franja despenteada para trás e colocou uma das mãos na cintura.
É, o G da sigla pertencia mesmo à ele. Ou eu estava louca de vez.
— Eu ouvi isso. — uma nova voz se fez presente, fazendo com que ambos virássemos a cabeça.
Eu devia estar com uma cara de idiota e surpresa muito mais do que o normal. É claro que, em fotos pela internet, Lalisa era completamente bonita, mas vendo-a em minha frente, era o suficiente para que fizesse meu queixo cair. Seus cabelos estavam em ondas, a franja perfeitamente alinhada. Trajando uma saia preta de couro junto à uma camisa social branca, essa com as mangas arregaçadas até o cotovelo. Talvez eu estivesse reparando demais, pois até mesmo vi quando suas sobrancelhas se arquearam ao me ver encarando-a daquela forma.
Toda a postura autoritária e o cheiro doce de Lalisa foram o suficiente para me tirar de órbita durante alguns segundos, o que me despertou uma enorme curiosidade em saber mais sobre ela. A mesma me lançou um olhar indecifrável. Não sorriu ou demonstrou falta de interesse. Levemente me reverenciei a mesma, que fez o mesmo com um mínimo movimento.
— Não é como se fosse novidade, ferinha. — Jungkook passou por ela, propositalmente bagunçando sua franja. Ela fez uma careta ao lhe lançar um olhar duro, ajeitando os fios negros em sua testa novamente.
O moreno saiu, desaparecendo de nosso campo de visão após entrar no elevador, a porta de saída daquela sala, nos deixando sozinhas na enorme sala. Lalisa se pôs a caminhar até a bendita máquina de café, pegando um copo do mesmo em menos de um minuto. Ela fez um movimento com a cabeça, oferecendo o café provido da máquina para mim, e eu apenas neguei com a cabeça, apertando mais a pasta contra meu corpo. Céus, o que tinha demais nessa mulher para me deixar tão intimidada como um cachorrinho que caiu da mudança?
— E então? Você é quem servirá de minha babá pré matrimonial? — despejou com deboche na voz.
Passo um para me irritar: deboche.
— Bem... Não exatamente, mas chame como a senhora preferir.
Lalisa estendeu uma sobrancelha, levando o café até a boca, deslizando sua língua pelos lábios cheios após feito. Sequer havia posto um cubo de açúcar no expresso quente.
— Senhora? Uhm, acho que eu realmente devo parar de comer besteiras, minha pele já deve estar enrugando, não e, senhorita Kim?!
Passo dois para me irritar: ironize.
Respirei fundo discretamente. Um. Dois. Três. Inspira. Respira. É uma cliente importante para sua carreira, Jennie, vamos lá.
— Não foi bem o que quis dizer, me desculpe, senhorita Manoban.
Ela abriu um sorriso, cruzando seus braços. Não pude deixar de reparar a forma como seus longos dedos rodeavam o copo descartável que segurava, mantendo sobre mim um olhar desafiador e caso não fosse minha cliente, acharia que até mesmo sedutor. Ew. Fora de cogitação. Negócios são negócios.
— Eu estava zoando, senhorita Kim. Mas prefiro mesmo que me chame pelo nome, caso estiver dentro das regras do contrato que sequer li.
Meu estômago praticamente embrulhou. Ela ao menos leu o que estava contratando? Respirei lentamente e assenti com a cabeça, encolhendo-me mais ao meu próprio corpo quando a mesma se aproximava de mim. Por incrível que pareça, por trás de tanta intimidação, meu corpo sentia uma breve... raiva?
— Tudo bem. Creio que já saiba meu nome, ao menos. Como quem fez e assinou o contrato, asseguro que pode me chamar apenas de Jennie.
— Certo, Jennie.
Ela analisou-me de cima à baixo. Não sabia como, mas essa mulher tinha realmente um dom em me deixar imensamente desconfortável apenas com seus olhares queimando sob meu rosto. Parecia que Lalisa lia cada pedaço do meu ser, fugindo de meu controle. Argh, definitivamente começamos errado.
— Bem, essa é nossa ficha de preferências e adições, começamos do básico, indo até o último grão de glitter que deseja em sua maquiagem. — busquei me afastar um pouco, permitindo-me sentar no sofá atrás de mim, abrindo a pasta. Peguei a caneta presa na mesma e tirei sua tampa, a prendendo no topo da caneta. — Costumo fazer uma breve conversa para amenizar o clima e deixar com que nós tenhamos um clima bom e mais confortável durante esses meses de preparação para o seu grande dia. Tudo bem pra você?
Ergui meu olhar vendo uma Lalisa indecifrável se sentar à minha frente de um jeito completamente despojado, diria que até mesmo largado e descontraído no sofá. Apoiou um dos cotovelos no encosto do sofá e deu uma risadinha debochada. Cocei a garganta. Ela não me parecia nem um pouco profissional no momento.
— Oh, claro. "Meu grande dia"! - fez aspas com os dedos e sorriu de lado, tombando a cabeça minimamente para o lado. — Será como um perguntas e respostas clichês como por exemplo onde exatamente eu e Chaeyoung nos conhecemos, primeiro encontro, primeiro beijo, primeira foda? – ela proferiu ao levar o copo até sua boca, arqueando novamente a maldita sobrancelha, dizendo com uma simplicidade enorme.
Minhas bochechas coraram como nunca. Estava tão envergonhada com o descaramento de Lalisa que mal conseguia fitar seu rosto. Olhei no papel. Merda.
— Não exatamente. Será sobre você. Você responde uma de minhas perguntas e pode me fazer alguma sobre mim. Acho que soa mais confortável para a noiva e cria um clima amigável. Assim, suas preferências e exigências serão construídas em meio à uma agradável conversa.
A postura de Manoban se ajeitou e num descuido enorme, desci meu olhar até suas mãos e consecutivamente suas veias saltadas. Oh, droga. Profissionalismo, Jennie.
Ela parecia surpresa. Talvez pelo fato de eu ter na ponta da língua tudo o que ela menos esperava ouvir, ou talvez por que pela primeira vez, alguém foi de fato, corajosa o suficiente para passar por cima dos deboches infinitos de Lalisa, impondo a linha profissional que teríamos de traçar.
— Uau, senhorita Kim. Fascinante. — ironizou mais uma vez. — Quando começamos?
Mais uma vez, respirei fundo e mentalmente contei até dez. Da maneira como essa mulher me irritava, era provável que eu precisasse contar até no mínimo cinquenta mil. Insuportável. Profissionalismo, Jennie Kim, por favor.
— Agora. – disse, forçando um enorme sorriso simpático. Lalisa sorriu, como se estivesse mais do que satisfeita com a minha reação. Deslizei a ponta de minha língua sob meus lábios e então tomei fôlego, despejando a primeira pergunta em minha mente. — O que mais gosta de fazer?
Lalisa arqueou uma sobrancelha com minha pergunta, não demorando nem um segundo para responder, de forma animada.
— Dançar. Mas é raro que eu faça. — deu de ombros e prosseguiu. — Quanto a você?
— Ler. Executo com frequência.
Disse e Lalisa deu uma risada, murmurando "que porre" para a minha resposta. Ela realmente havia dito aquilo? Cocei a garganta e a mulher a minha frente me lançou um sorrisinho, levando o copo até a boca.
Eu realmente devia ter feito yoga antes de sair de casa para que eu não tivesse a súbita vontade de fazer essa garota engolir essa merda de copo.
Jennie, sua carreira. Não se esqueça.
Meus músculos estavam tensionados, estranhamente como os de Lalisa também se encontravam. Eu estava tensa pelo ódio qual havia nutrido durante míseros minutos, mas e ela? Por que tanta tensão?! Só por dizer que não dançava com frequência ou por estar prestes a casar?
Vai saber...
— O que gosta de ouvir?
— Essa é fácil, alternativa. Alguns que foram independentes e viraram pop também. Marina and the Diamonds é um ótimo exemplo. Lana del Rey virou mainstream e música de adolescente chato que acha que é underground... Lorde é minha favorita.
Foi a minha vez de arquear a sobrancelha. Qualquer pessoa que olhasse para Lalisa pensaria apenas duas coisas:
1 - Ou ela era uma roqueira doida;
2 - Ou ela gostava de pop chiclete que tocasse pelo TikTok.
— Uau. É um gosto... diferente, eu acho.
— Ah, não. Qualquer adolescente de dezessete anos tem esse gosto. A diferença é que não pago de cool na internet fazendo caras de tédio ao tirar foto ou perco meu tempo em dancinhas mal elaboradas.
Áspera. Essa palavra definia Lalisa expressando suas opiniões. Parecia ser algo dela, como se fizesse sem sentir. Clara e sincera até o último fio de cabelo, aquilo definitivamente era muito bom. Bem, dependendo do ponto de vista.
— O jeito como expressa suas opiniões é bem... direto. O que acha de me falar sobre sua opinião sobre casamentos?
Bem, de uma forma ou de outra, teria que inserir o tema em nossa conversa, o que fez a expressão de Lalisa mudar drasticamente de interessada e animada, para tediosa e até um pouco... irritada?! Seu maxilar estava trancado e ela franzia o cenho como se escolhesse a dedo cada palavra que usaria para que então não soasse tão rude, o que para Lalisa era quase impossível.
— É como brincar de roleta russa com uma arma completamente carregada. Como pisar em ovos. Você sabe exatamente aonde vai dar e mesmo assim, você continua jogando... — nesse momento ela se levantou, fazendo um movimento com a cabeça. Ainda faltavam vinte minutos para que a pequena entrevista terminasse. Era uma reunião de uma hora. Me levantei ao seguir seus passos enquanto a mesma caminhava pela sala, jogando o copo na lixeira próxima a ela. — A melhor parte de todo o jogo é ter uma mísera esperança que você pode remediar algo com uma coisa mais simples. Como em verdade ou desafio. Você diz qualquer verdadezinha tosca sobre sua vida e está livre do desafio. — ela apertou o botão do elevador, virando-se brevemente em minha direção. — Mas desse desafio ninguém foge, Jennie. E também ninguém diz a verdade, sendo o inverso do jogo original. Ou você aceita o desafio, ou causa uma confusão com a verdade. — disse simplista, deixando-me ainda mais confusa e embaralhada e todas aquelas palavras. O elevador abriu suas portas e Lalisa entrou nele. Me lançou um olhar debochado e abriu um sorriso, deixando no ar suas últimas palavras antes que eu visse as portas se fechando e Lalisa saindo de meu campo de visão, de braços cruzados e deixando uma enorme incógnita em minha mente. — Com toda certeza é melhor aceitar a parte do desafio, senhorita Kim. Porque ao final você tem duas opções: verdade... ou casamento.