"Todo amor vale o quanto brilha" (Marina Lima)
A sexta-feira finalmente havia chegado e Nick não podia nem escutar o telefone tocar no setor em que trabalhava que já pensava que era Matteo. Bom que ao menos não saía correndo para atender, a frustração seria certa, todas às vezes que alguém atendia, a ligação era da filial de Belo Horizonte e então não se arrependia de ter ficado quietinho sentado em sua mesa.
Por volta das doze horas, quando já estava no refeitório, Renato, percebendo que, por livre e espontânea vontade Nick não iria lhe contar nada sobre a noite anterior e que o colega de trabalho estava muito calado, iniciou a conversa afim de saber o que estava havendo.
— E aí, alguma coisa para me contar? — perguntou.
— Se refere ao encontro com Janerson? Porque se for preferia me esquecer. Ele é um gay detestável.
— Há muito tempo eu cheguei a sair com ele — confidenciou Renato — bom, muito bom de cama, os atributos compensam os assuntos sem pé e sem cabeça que metralha sem parar.
— Não acredito que já saiu também com ele. Por que não me disse isso? Um sujeito nojento e sem escrúpulos. Acredita que tentou me agarrar à força e tive que lhe socar as fuças — disse Nick em um tom mais alto que o normal, o que levou algumas pessoas próximas a prestar atenção à conversa.
— Na verdade, eu lhe disse, mas pode não ter prestado atenção, foi naquela época que você conheceu Matteo no elevador. Mas estou assustado que Jan tentou lhe agarrar e mais ainda que você quebrou a cara dele. Isso explica porque está com um curativo no nariz e com aquela cara azeda.
— Ah, está? Então ainda não iniciou seu plano de me afastar de Matteo? Porque foi isso que me ameaçou de fazer.
— Ele disse isso?
— Disse sim, e foi aos berros enquanto eu me dirigia a um táxi para ir para casa.
— Então se prepare, pois Jan não é de falar e não cumprir. Já fez uma moça ser despedida uma vez com tantas fofocas que espalhou depois que ela começou a ficar com um rapazinho que ele era interessado. Então pode ir se preparando, mesmo. — Ouvir Renato contar isso só fazia o asco de Nick aumentar e uma ruga de preocupação surgiu em sua testa. Se era verdade o que Renato dizia, não tardaria os rumores se espalharem que teve uma noite com Jan.
— Renato, obrigado por me avisar somente agora! Vou voltar para o setor — informou com certo ressentimento, havia saído com o crápula apenas para que Matteo não tivesse seu nome em rodinhas de burburinhos, mas estava já certo que foi imaturo e inocente. Ainda não sabia como Matteo iria reagir quando soubesse, de qualquer forma iria contar a ele antes, mas não ligou e já estava ansioso e desesperado por sua chegada.
Nick se sentia péssimo quando a jornada de trabalho terminou, Matteo acabou não ligando. Ao sair da Lummia e se dirigir ao ponto de ônibus foi pensando em tudo que havia ocorrido naquele dia. Por sorte estaria sozinho em casa. Tony iria sair com Kléber, mesmo depois de tudo que havia acontecido ele ainda não tinha aprendido a lição.
***
Matteo estava no aeroporto de Buenos Aires para voltar ao Brasil, porem um comunicado de tempestade fizera seus planos irem por água abaixo. Estava acompanhado de seu secretário, Bruno, que fumava compulsivamente deixando Matteo desconfortável.
— Parece que por agora não conseguiremos embarcar para São Paulo — disse Bruno.
— Pois é, eu queria chegar o quanto antes. O que acha de irmos fazer um lanche até que a situação se normalize?
— Ótima ideia, Matteo.
No sábado pela manhã a situação meteorológica se resolveu e decolaram para o Brasil. Matteo não via a hora de chegar e encontrar Nick, sua ansiedade estava tão aparente que Bruno já havia percebido, mas como era discreto não fez nenhuma pergunta ao patrão.
Matteo foi direto para o escritório quando chegou no fim da tarde de sábado a São Paulo. Pretendia encontrar Nick, estava ansioso para revê-lo, mas isso não seria possível, ao perguntar Fábio sobre ele foi informado que não havia comparecido à empresa aquele dia. Matteo ficou pensando o que poderia ter acontecido. Tentou ligar para Nick, porém por algum motivo não estava conseguindo completar a ligação.
Matteo se dirigiu ao último andar para resolver alguns problemas pendentes e assinar algumas autorizações que acumularam em sua ausência. Rudney Zappe estava em sua sala e assim que viu o chefe acompanhado de Bruno não conseguia esconder sua animação, aliás ele tinha todas as razões para estar radiante, nutria uma paixão nada discreta por Matteo e isso não era nenhum segredo nos setores.
Na hora do café, horas mais cedo, Rudney se encontrara por acaso, ou talvez nem tão por acaso assim, com Janerson no refeitório e esse contou que havia saído com um rapaz muito especial no dia anterior.
Rudney não estava muito interessado em escutar as aventuras amorosas de Jan, afinal estava cansado de ouvir o colega de trabalho se gabar de situações que jurava que nunca haviam acontecido, mas, quando o nome de Nicolas Fernandes foi citado o humor de Rudney mudou imediatamente e ficou interessado em saber mais sobre o encontro, evidente que Jan não contou a ele a verdade, mas sim a parte fantasiosa que sabia ser importante para que o apaixonado Rudney fizesse todo o trabalho sujo para ele. O que Rudney precisava naquele momento era jogar a informação a Matteo no melhor momento oportuno.
— Boa tarde, Rudney. Por favor me traga todos os contratos da filial de Belo Horizonte que precisam ser assinados. Logo pela segunda preciso que estes estejam no setor de protocolo e digitalizados no sistema.
— Sim, Sr. Matteo. — Rudney estava atento aos pedidos do chefe, notara que Matteo não estava para conversa. Uma pilha de croquis estava para análise e outras dezenas de documentos sendo assinados rapidamente pelo chefe. — O senhor teve um imprevisto na volta da viagem por causa tempestade?
— Sim — disse ele não dando oportunidade para evoluir a conversa — mais uns minutos e termino de assinar e por favor, Rudney, se possível despache para o setor do Fábio ainda hoje.
— Claro, Sr. Matteo, como desejar.
— Rudney, já que estamos falando do setor de protocolos, me diga uma coisa, sabe me dizer o motivo de Nicolas Fernandes não ter comparecido ao setor hoje?
— Não fomos informados dos motivos ainda, senhor, acredito que esteja doente — Rudney mal acreditava que a oportunidade de informar sobre o encontro de Nick foi dada a ele assim, de bandeja.
— Mas ele estava doente? — perguntou Matteo preocupado.
— Não me parecia adoentado ontem, — disse pronto para dar o golpe fatal — pelo que sabemos está saindo com Janerson do segundo andar, foram jantar e até foram juntinhos para casa, ele mesmo me contou agora à tarde no café. — Estava feito. Matteo recebera a informação. Não demonstrou nenhuma atitude que transparecesse o que estava sentindo, mas Rudney sabia, em seu íntimo, que a ferida estava sangrando.
— Obrigado, Rudney. Pode ir agora, não se esqueça das recomendações que lhe fiz. Estou muito cansado, devo ir para casa por agora. Boa noite.
***
— O que acha de irmos nos divertir na Stand Up. Está um sábado lindo e tô te achando tão deprimido. Uma noite de meninos — disse um animado Tony — então vamos? — Nick ouviu o nome da danceteria, um pub gay e logo teve ainda mais certeza que seria um programa com gente apertada em um ambiente esfumaçado de cigarro e com música alta e bêbados se pegando.
— Desculpa, migo, não estou muito afim de sair hoje. Vá e se divirta por nós dois. — Incentivou Nick, mais pela oportunidade de ficar só do que para realmente o amigo se divertir, não que não quisesse isso, porém precisava de ficar sozinho. Se sentia deprimido e não entendia o sumiço de Matteo, nenhuma ligação, nenhum recado, nada.
— Fique bem então, Nick — disse desanimado — qualquer coisa é só me ligar que apareço aqui voando, ok?!
Nick quando ficou finalmente sozinho se sentou no sofá e ficou com uma caneca de café com leite pensando no que poderia ter acontecido. Foi quando ouviu batidas à porta e seu coração disparou, seria ele?
— Quem é? — perguntou ainda sem abrir a porta.
— Matteo.
Assim que abriu a porta, ainda sem acreditar que Matteo estava ali, ficou olhando para ele. Depois deu espaço para que entrasse, estava um pouco confuso, apesar da imensa felicidade em ver Matteo ali, ele não parecia sentir o mesmo. Nenhum abraço, nenhum beijo, cumprimento... nada.
— Olá, Nicolas — disse secamente. Nick percebeu que estava somente de samba canção, mas isso não o incomodou tanto quanto o tratamento de Matteo. — Não irei demorar.
— E por que está me tratando assim, Matteo? — perguntou Nick, decepcionado.
— Na verdade eu vim apenas me despedir, Nicolas — disse calmamente — você sabe que essa história não tinha a mínima possibilidade de dar certo. Nossa diferença de idade é enorme. — Nick estava pálido, não conseguia raciocinar bem e processar as informações. Ele estava acabando com tudo, não podia acreditar.
Matteo tirou do bolso uma caixinha e entregou a Nick.
— Eu lhe comprei esse presente quando estive na Calle Florida — continuou enquanto Nick abria e observava um lindo relógio Rolex — achei que ficaria lindo em você.
— Matteo, não estou entendendo. Primeiro você termina o que nem começamos direito, depois me entrega esse presente que deve custar uma fortuna. Eu não posso e não quero aceitar. — Nick estava decepcionado, mas ainda não conseguia entender o que se passava, — Acha que pode me dar uma recompensa pelo que aconteceu, aliás, pelo que não aconteceu, não precisa realmente se dar ao trabalho. Não quero, obrigado — disse estendendo a mão com a caixa,
— Irá mudar de opinião, tenho certeza — disse Matteo.
— Não acredito que esteja me dizendo isso, Matteo. Pensei que o que passamos esses dias dava para perceber que não sou nenhum filho da puta que estava interessado em seu dinheiro.
— Não, Nicolas, eu não sei quem você é, nos conhecemos não tem um mês — falou desanimado e sem o mesmo brilho de antes nos olhos — Olha, eu não escondo quem eu sou, não tenho vergonha da idade que tenho, ao contrário, sou muito orgulhoso de ter galgado um patrimônio que muitos na idade que estou não conseguiram. Eu quero paz, não estou mais para me aborrecer com coisas e pessoas que, de uma maneira geral, os gays, são todos muito parecidos em suas relações. Buscam padrões inatingíveis de beleza e levam a vida como um eterno sábado à noite. Todos! São todos muito parecidos, Nicolas — pontuou novamente.
— Eu entendo sua luta de vida e me orgulho de suas vitórias, mas sinto te dizer que nas suas projeções dos gays que conhece eu não me encaixo — fulminou um Nick ofendido — Pode pegar seu relógio e dar à outra pessoa, talvez até mesmo a Kim Sales, com toda certeza ficaria feliz em ter algo caro assim no braço. Porém a mim não enche os olhos.
— Você é muito jovem, Nicolas... muito jovem.
— Não acredito que a sua decisão tenha a ver com ser jovem ou não — disse Nick segurando as lágrimas que ameaçavam rolar pelo rosto. — Tenho direito de uma resposta referente a esse término de forma mais honesta.
— Isso é tudo, Nicolas.
— Você mudou muito em cinco dias...
— Que coincidência... — disse se dirigindo à porta — Adeus, Nicolas. — Fechou a porta e deixou para trás um Nick sem reação com a caixa dourada do Rolex a mão.
"___________"
NOTAS:
Calle Florida: (Rua Florida) é uma elegante rua comercial no centro de Buenos Aires, Argentina. Um calçadão desde 1971, alguns trechos são exclusivos para pedestres desde 1913
ROLEX:
Rolex S.A. é uma empresa suíça fabricante de relógios de pulso e acessórios com sede em Genebra, fundada em 1905 por um alemão, Hans Wilsdorf.É considerada por muitos como um símbolo de estatuto social. e uma das 100 marcas mais valiosas do mundo em 2007
Stand up :
Uma das principais danceterias da década de 2000. A danceteria era referência em estilo e bom gosto seu fechamento ocorreu em 2016. Aqui nesse romance transferi a boate para SP, mas originalmente funcionou na cidade de Juiz de Fora - MG.
A maior parte dos personagens desse Romance são meus amigos, cientes deram autorização para uso de seus nomes e alteração de suas índoles e caráter.
"Todo amor vale o quanto brilha" (Marina Lima); Musica "Acontecimentos" lançada na década de 80 foi um dos maiores sucessos da MPB. (Ouça que é linda).
link: https://br-plus.net/video/0QSjY4Z-3JU/marina-lima-acontecimentos.html
Próximo capítulo, se tudo ocorrer bem, será postado em 09/06. após as 22 horas.
Venha, Pedro Resende aguardará você no próximo capítulo!
O autor