Abandonar Tony me trouxe imensa tranquilidade. É verdade que minhas palavras de despedida foram recheadas de culpa, e mesmo enquanto ajustava as velas, pouco tempo depois de partir de Ilusão de Gelo, seu olhar desamparado assombrava meus pensamentos.
Mesmo assim, a certeza de ter tomado a decisão correta me deixou leve aponto de quase sair flutuando ao lado de Zenit, que brincava com a âncora desconfortavelmente acima da minha cabeça no dia seguinte. Era melhor que Caleidoscópio ficasse ao lado de alguém realmente capaz de protegê-lo. Com isso em mente, suspirei e parei de pensar sobre o assunto.
— Está ouvindo, querido? — Zenit se dirigiu a Napoleão quando cansou de tentar me assustar com malabarismos de objetos pesados. — É o som do silêncio. Não é maravilhoso escutá-lo de novo? — O porco não respondeu até que o jovem sacou uma garrafa de bebida e começou a preparar uma sopa de entranhas, fazendo o pequeno Napoleão saltar e guinchar freneticamente.
Com o navio longe de qualquer corrente que pudesse nos levar de volta para o gelo, eu só precisava de mais uma coisa para de fato começar a navegar.
— Qual o destino, Capitão?
— Além Mar! — A resposta foi empolgada.
— Sem chance. Eu já te disse que...
— Você ainda tem assuntos para resolver aqui. — Ele completou entediado. — Por que não? Vamos lá. O que você quer? Matar alguém? Pedir alguém em casamento? Desde que eu não tenha que colocar os pés em Cranius Gris de novo, estou à disposição.
Dei de ombros. O que eu poderia dizer? Era tentador usar Zenit para ir atrás de Robert, mas eu não podia simplesmente desistir de tudo o que tinha construído durante a vida e contar ao meu capitão sobre os mistérios de Vitória. Em vez disso, seria mais sensato inventar alguma coisa.
— Meu irmão. — Comentei. — Eu preciso encontrá-lo. Nos separamos em um naufrágio e suspeito que tenha sido sequestrado por Robert, o ruivo. Conhece?
— Já ouvi falar. Então você precisa da cabeça de Robert ainda no corpo?
— Eu só preciso de alguma pista...
— Legal. Isso vai ser divertido. Como nos livros de investigação. Vamos para Maia, o melhor lugar para buscar informação. Também pretendo visitar um velho amigo. Tenho um plano que nos deixará ricos o suficiente para comprar Levi. É sempre bom ter um gigante em meio à tripulação, e, se o resgatarmos, ele terá motivos o suficiente para ser fiel a mim. — Não pude deixar de rir diante de seu otimismo. Sem pedir por mais detalhes, Zenit era o aliado perfeito. Se aproximou e abaixou o tom de voz, como se houvesse mais alguém a bordo. — Você sabe, a traição é sempre a ruína dos grandes piratas das histórias. Tenho orgulho de ter uma tripulação confiável, mesmo que pequena. — Completou, pousando a mão em um de meus ombros, a qual tolerei com grande esforço.
Passou as próximas horas lendo as obras recém-adquiridas, abrindo uma exceção à regra de não manusear livros em alto-mar. Antes do cair da noite já tinha devorado metade e fez uma pausa para cozinhar nosso jantar.
— Precisamos pescar. — Comentou ao servir um mingau que, apesar de sem graça, aqueceu minhas mãos quase congeladas no timão.
Quatro dias depois chegamos em nosso destino final. A viagem foi silenciosa a ponto de deixar Napoleão levemente deprimido. Ou talvez fosse a falta de seu amado Caleidoscópio. Comemos muito peixe. Tentei aprender a pescar com vara e desisti depois de falhar muito. Zenit terminou de costurar mangas na minha capa de macaco, que a essa altura já tinha perdido quase todo o cheiro desagradável do animal.
Estávamos nas águas de Centro Arasmo e não fazia mais frio. Mesmo assim, joguei o novo casaco sobre os ombros, atendendo às expectativas do jovem sorridente. Ilha Maia era exatamente como representado no mapa: pequena, redonda, posicionada no centro do mundo. Não tinha árvores, a coroa externa preenchida por uma bela praia de areia fina e clara que cercava a terra avermelhada sobre um pequeno morro no centro.
Era bela, serena e apinhada de gente. O lugar perfeito para atracar um Navio-Espetáculo. Sem nenhum grande porto, embarcações encostavam em graciosos deques em madeira, projetados para o mar. O sol estava quase se pondo e o céu rosado completou o cenário paradisíaco.
— Recanto agradável. — Disse Zenit assim que pisamos na areia e deixamos alguns modestos com a dona do deque. — Quase à altura do Bob.
— Quem?
— O homem que me ensinou tudo sobre pesca. Tenho uma proposta para ele. Eu te daria alguns casti e ordens para se perder nos bares e bordéis até o amanhecer como sempre pensei em dizer para meus homens depois de uma longa viagem, mas isso simplesmente não parece fazer o seu estilo. Portanto, Romeo, venha comigo. Eu não fui capaz de te ensinar a pegar um peixe, mas é certo que ele conseguirá. — Aquele não era o maior dos problemas na minha vida, nem ao menos era um problema, mas assenti fingindo seriedade.
Atravessamos uma praia repleta de vendedores de bugigangas, barracas de comida e famílias passando o tempo despreocupadamente, até alcançar uma casinha de madeira amarela no centro da ilha. No meio do caminho o calor obrigou Zenit a tirar a capa dos ombros e segui o seu exemplo, já tendo demonstrado minha gratidão por tempo o suficiente.
Maia era quase tão quente quanto Sol, fato ao qual associei à proximidade geográfica. "Ao contrário de Canelo, Maia e Flora não dependem da boa vontade das ondas para receber correntes de água do sol", pensei comigo mesmo. No mapa que eu usava desde o encontro com Zenit, o cartógrafo generalizava as três maiores ilhas do Centro de Arasmo sob o título de "Ilhas Quentes". Para mim, eram porções de terra abençoadas pelo mar, dentre as quais Flora era sem dúvidas a mais bela.
O calor me deixava levemente sonso e Zenit incomodado, mas a população nativa parecia não se importar. Entre os jovens era comum cobrir apenas o necessário, sem que isso causasse nenhum grande constrangimento, enquanto os mais velhos preferiam longos tecidos leves e coloridos. Em meio a muitos pés descalços vi apenas alguns pares de sandálias.
A informalidade cotidiana e a beleza dos habitantes de Maia se cruzavam de maneira nunca antes vista por mim. Fomos recebidos por uma bela jovem de cabelos longos e pele bronzeada, a canga azul amarrada despreocupadamente por cima das roupas íntimas.
— Bom dia. Posso ajudá-lo? — Ela tinha expressão de quem havia acordado de um sono maravilhoso com as batidas na porta.
— Procuro pelo Bob. Ele morava aqui.
— Ah, Claro! — Ela abriu um sorriso, espreguiçando as costas. — Meu marido está em alto-mar, pescando com os outros rapazes. Podem entrar se quiserem. Precisando de lugar para dormir?
— Se ele for demorar, precisaremos. — Suspirou Zenit. — Tem ideia de quando volta?
— Saiu há quatro dias. Não deve voltar até o final da semana que vem. Mas tudo depende do clima, da sorte, da vontade do mar. Ele vende para as ilhas do oeste e tentará completar um castiço. Estamos precisando de dinheiro para reformar a casa. Essas vigas podres logo vão entortar a fachada.
Não fui capaz de ver nenhum problema com a construção, mas talvez fosse apenas a pintura bem feita enganando meus olhos.
— O que?! — Exclamou Zenit, indignado. — Eu não tenho todo esse tempo!
A moça apenas deu de ombros antes de se despedir e fechar a porta.
— Não. — Continuou ele. — Não acredito que Bob partiu. Ele me disse que esperaria aqui! — Então respirou fundo e olhou para o céu. — Não adianta. Teremos que fazer por nós mesmos.
— Fazer o quê?
— Enriquecer. Sem trabalho. Sem muito esforço. E, acima de tudo, rápido!
— Bom, — Comecei, pensando em como dizer o óbvio. — você é um pirata, não é?
— Eu posso, e devo roubar! — Ele pegou a minha deixa. — Mas você realmente acha que só eu e você conseguiríamos fazer grande coisa? Sem armas? Sem homens?
— Não. — Sua sensatez fez com que eu lembrasse o porquê de ter deixado Caleidoscópio. — Você é forte, mas...
— Nunca seria páreo para a guarda de um castiço. Nem mesmo para um quartel do exército. Todo o resto é pobre. Pobre demais para que o roubo valha a pena... Quando eu deixar Arasmo, quero ser lembrado como um capitão poderoso e justo, acima do Império e dos Mentirosos! Não como um ladrão de galinhas.
Apesar de vaidoso, Zenit fazia bem em cuidar da própria reputação.
Nosso pequeno mar era regido pelas leis do Império. Leis que abominavam o roubo e a violência. Leis que, em essência, protegiam os súditos dos castiços, proprietários de grande parte das ilhas conhecidas, importantes a ponto de dar nome à moeda. O conselho de castiços autodenominado Império financiava a manutenção da "ordem e da justiça" através do Exército, e tudo seria perfeito se ele fosse de fato justo ou ao menos fizesse sentido.
Grandes nomes dentro do exército, no entanto, eram como semideuses entre os mortais. Faziam o que desejassem, submetidos exclusivamente às limitações impostas por seus superiores, que por sua vez eram ainda mais livres e poderosos. Em outras palavras, o Império não se dava ao trabalho de adestrar seus cães. Para garantir a própria segurança em um mundo como este, a reputação é a arma mais poderosa de que um homem poderia dispor, fosse ele temido ou amado.
Alguém desconhecido como eu poderia contar com sorte maior do que alguém como Caleidoscópio, odiado onde quer que fosse. Zenit, apesar da apologia à pirataria, ainda era inocente aos olhos do Império, ao passo que sua ligação com Lorde Tritão e Cont lhe garantiam alguma simpatia por parte dos Mentirosos.
Eu assistia curioso às suas movimentações: ele era inteligente o suficiente para esperar a fama com paciência. Com certeza só mostraria as garras para o Império quando já houvesse reunido poder o suficiente para ser temido.
Enquanto isso, corria atrás de dinheiro, armas e tripulação disfarçado em doce inocência. Eu mal podia esperar pelo dia em que o jovem Zenit revelasse sua face ambiciosa para o mundo. Naquele momento, entretanto, o que meus olhos viam era um garoto choroso que não parecia capaz de aceitar que Bob, seja lá quem fosse, não vivia em função de suas vontades. Mais uma vez, eu era tudo o que ele podia chamar de tripulação.
— Precisamos de um lugar para dormir. — Arranquei Zenit de suas divagações.
— Vamos voltar para o barco. — Ele respondeu desanimado.
— E estou com fome.
— Eu pesco algo para o jantar.
Acendemos uma fogueira na praia e nos empanturramos de peixe, sem tempero, que assamos com ajuda de grandes espetos de ferro encontrados com os entulhos do último convés. Eu não conseguia me livrar da ideia de assar frutas, e, tão logo comentei isso com Zenit, ele se colocou de pé e caminhou em direção a uma das tavernas à beira-mar que permaneciam abertas durante a madrugada.
Em um ato de imprudência, gastamos nossos últimos modestos em uma garrafa de rum e um grande cacho de bananas, que assamos no espeto até ficarem flambadas por fora, mas ainda firmes por dentro. Estavam impressionantemente doces. Com pesar, lembrei que o gigante Tomas não conhecia grande parte das frutas do calor, e prometi a mim mesmo que levaria algumas bananas para ele experimentar assim que resgatasse Levi.
Meia garrafa de bebida não foi o suficiente para deixar Zenit bêbado, e minha forte resistência ao álcool me manteve firme na realidade, mas o rum nos tornou, de certa forma, mais falantes. Senti despertar dentro de mim novamente o inconveniente desejo de fazer de Zenit um amigo.
— Eu iria propor a Bob uma sociedade. — Ele puxou assunto. — Com o barco, o equipamento e a equipe dele, poderia ganhar muito mais dinheiro vendendo por conta do que na companhia de pesca. Mas acho que ele nunca vai criar coragem para arriscar. E agora precisa reformar a casa... E não podemos esperar tanto pela sua volta...
— Eu já tive uma empresa. Com meu irmão.
— Isso é algo que eu não esperava ouvir de alguém como você. — Ele riu sem motivo. — Não foi capaz de tocar depois de perder ele?
Ignorei a pergunta e continuei:
— O jeito mais eficiente de ganhar dinheiro é conseguir vender produtos por um preço acima da média.
— E assistir aos peixes apodrecerem enquanto todos compram de um vendedor honesto. Até dá pra enganar alguns, mas o povo não é burro.
— Não precisa enganar ninguém. É só, de alguma forma, transformá-los em peixes especiais. Se você conseguir convencer a todos que os peixes que você pesca são superiores ou fora do comum, pode cobrar o preço que quiser. Sempre vai ter alguém pra comprar.
— Apenas idiotas cairiam nessa. Como assim não precisa enganar? Todo mundo sabe que peixe é peixe, não importa a procedência. — Zenit olhava para mim como se eu fosse a coisa mais engraçada com a qual já tinha conversado durante a vida. Colocou-se de pé, sem tirar o sorriso do rosto. — Vamos dormir. O Romeo que eu conheço não fala tanta besteira. Amanhã acordaremos inspirados pela fome e uma ideia melhor deve aparecer.
Eu não estava bêbado, mas não me daria ao trabalho de discutir com Zenit por tão pouco. Em vez disso, dei de ombros e lamentei o fato de ele ser tão limitado para determinados assuntos, ao passo que sua força e confiança em batalha eram inigualáveis. Deitei no chão do primeiro convés embaixo do céu estrelado e por algum tempo fiquei imaginando todo o tipo de maluquice que meu irmão inventaria para vender os peixes. Depois disso, adormeci.
Não me surpreendi ao sentir o cheiro de peixe assado antes mesmo de abrir os olhos. Durante a última semana, havia aprendido à força que um ser humano pode sobreviver somente da pesca. Era melhor do que passar fome. Me levantei e vi Zenit de costas, com os cotovelos apoiados na amurada, a vara de pescar em mãos, provavelmente tentando capturar mais comida, como se a meia dúzia de peixes se debatendo no balde aos seus pés e os filés no fogo já não fossem o suficiente.
— Você não cansa? — Murmurei, anunciando que estava acordado.
— E lá se vai nossa última isca. — Ele ignorou minha pergunta. — Se não começarmos a ganhar dinheiro hoje, vamos realmente passar fome. Que bom que acordou, acho que lhe devo algumas desculpas.
— Por que? — Eu ainda estava sonolento e não fazia ideia do que ele falava.
— Por ter subestimado sua ideia de ontem. Sabe, hoje cedo acordei e fui direto pescar. Adivinha só: encontrei uma espécie que eu nunca tinha visto antes! Você sabe, só porque eu falei que todos os peixes são iguais, e quase me mijei de tanto rir da sua cara. E hoje, como que por vingança, o mar me traz essas belezinhas. — Deu um chute de leve no balde antes de guardar a vara cuidadosamente dentro da pequena cabine no primeiro convés. Não sou especialista em peixes, mas pareciam anchovas normais, sem nada de incomum. De qualquer forma, eu não frustraria o garoto orgulhoso e animado diante de mim. Ele se dirigiu ao fogo.
— Bem, daí eu pensei: nada mais justo do que deixar Romeo experimentar o primeiro pedaço. — Me estendeu um espeto com uma pequena porção de peixe, já assada o suficiente. Manteve o olhar fixo enquanto eu mastigava e perguntou, por fim: — Então?
— Está gostoso. — Dei de ombros. Era peixe. Comum.
— E está preparado para os efeitos colaterais?
— O que...? — Antes que eu pudesse terminar a pergunta, Zenit avançou em minha direção rapidamente, me levantou nos braços com facilidade e correu em direção à amurada. Eu estava atônito demais para reagir.
O que ele estava fazendo? Até onde eu me lembrava, tinha acabado de acordar e ganhei um café da manhã de meu prestativo capitão. Seria ingenuidade demais esperar que o restante do dia se desenrolasse em semelhante tranquilidade? A julgar pela minha situação, sendo carregado nos braços de um louco prestes a pular no mar, parecia que sim.
Ele saltou com naturalidade para cima da cerca que delimitava a área do primeiro convés e, aproveitando o impulso, me arremessou com força em direção à água .
— Voe, Romeo, voe! — Pude ouvir sua voz gritar.
Em meu primeiro instante no ar, tudo o que eu conseguia pensar era em meu desejo de matar Zenit, de inúmeras formas diferentes, algumas delas carregadas de sadismo. Logo depois me ocorreu que talvez fosse uma boa ideia me transformar antes de tocar a água. Só então percebi que, na realidade, eu não estava caindo.
Abri os olhos devagar. Eu continuava na mesma posição fetal que havia adotado em reação ao perigo iminente. De alguma forma, entretanto, permanecia imóvel no ar, como se estivesse parado no tempo. Mas as ondas continuavam a se formar, estourando na beira da praia, e Zenit gargalhava radiante ainda de pé sobre a amurada. Finalmente entendi que eu estava flutuando. Era esse o efeito colateral ao qual ele se referia.
— Não precisa ter medo. Você não vai cair.
Era uma sensação terrivelmente estranha. Antes de ser amaldiçoado, eu era como a maioria das pessoas e considerava voar uma tarefa simples e prazerosa. Borboletas permanecem suspensas no ar com delicadas batidas de asa, e as gaivotas planam sobre lufadas de vento com a suavidade de um grande veleiro. No entanto, a verdade é que voar demanda um esforço gigantesco. É quase tão cansativo quanto correr, principalmente quando seu corpo é grande demais para o tamanho de suas asas.
O que eu estava fazendo ali parado sobre a água do mar, por sua vez, não tinha nada a ver com voar. Enquanto abelha, eu sentia o ar ao meu redor como uma massa pesada e resistente, na qual eu me debatia com o objetivo de impedir meu corpo de voltar para o chão. Enquanto humano, eu não sentia nada.
Sem base, sem parâmetros, era como estar em um sonho. Tentei relaxar o corpo e esticar as pernas trêmulas. A cada movimento eu perdia o equilíbrio e a sensação de queda tomava conta de mim mais uma vez. Só que eu não caía. Permanecia firme pairando no ar. Fiquei de pé, de coluna ereta, o que pareceu ter deixado Zenit satisfeito.
— Isso. Viu só? É fácil!
Parecia fácil, até que o vento começou a soprar mais forte e virou meu corpo de ponta cabeça. Eu não fazia ideia de como voltar: meus movimentos no ar pareciam inúteis tanto para me locomover quanto para recuperar o equilíbrio. Para piorar a situação, comecei a ser levado para longe do barco, em direção à ilha.
— Ops! — Foi tudo o que Zenit disse.
Duas crianças que brincavam na praia pararam incrédulas enquanto eu, pateticamente virado de cabeça para baixo, começava a me desesperar novamente. De todos os pesadelos dos quais já sofri, nenhum deles envolvia virar um balão vagando perdido pelo mundo. É bastante aterrorizante, diga-se de passagem. Não fossem as pesadas redes de pesca atiradas por Zenit me puxando de volta para a embarcação, eu estaria em grandes problemas.
Ele me desembrulhou com cuidado, me impedindo de flutuar novamente, e então pousou uma de suas mãos abertas sobre meu peito. Em um instante, eu havia voltado ao normal. Me afastei daquele imbecil o mais rápido que pude.
— Nunca mais faça isso! — Sussurrei furioso.
— Não gostou? — Ele não deu importância para minha ira. — Grande parte das pessoas sonha em voar. E agora elas podem realizar esse sonho, graças à nova espécie de peixe que eu encontrei em minhas expedições até o extremo leste. A carne deles tem propriedades mágicas!
— Muito esperto de sua parte. — Resmunguei. Estava óbvio para mim que era Zenit quem havia feito a magia, e o peixe nada tinha a ver com aquilo. Leigos no assunto, entretanto, não teriam motivos para desconfiar.
— Quantos "peixes especiais" temos aí?
— Uns nove. Mais dois para degustação. — Ele respondeu depois de dar uma olhada no balde. — Mas se usarmos o lucro para comprar mais isca, talvez possamos...
A sentença foi interrompida por batidas fortes no casco do navio. Corri para a origem do barulho e percebi que um grupo de crianças arremessava pedras da praia. Entre elas, estavam as duas que me viram flutuar.
— É ele! — Gritou uma delas. — O mágico que voa!
Uma chuva de pedras atingiu o casco depois do grito agudo. Enquanto eu pensava em como afastá-las, Zenit me segurou pelo braço e fez com que nossos pés descolassem do chão. Seria inútil discutir com ele, por isso apenas tentei me manter de pé enquanto o jovem teimoso me puxava em direção à praia. Ele também tinha dificuldade em se mover no ar, mas solucionou esse problema com um forte impulso contra o barco, que foi o suficiente para garantir nosso movimento até o meio da areia.
É desnecessário dizer que as crianças foram à loucura com sua exibição. Pararam de atirar no momento em que viram Zenit, e gritavam entusiasmadas quando pousamos.
— São vocês os delinquentes que atiraram contra o meu barco? — A voz grave de Zenit fez com que a baderna cessasse.
— Ele é mágico. — Uma garotinha corajosa apontou para mim. Então virou-se para Zenit. — Você também!
— Como é seu nome? — Foi tudo o que ele respondeu.
— Helena.
— Olhe para ele, Helena. Você realmente acha que esse navegador tem alguma coisa de especial?
Senti todos os olhares sobre mim e, mais uma vez, desejei a morte de Zenit.
— Não. — Ela respondeu.
— O que prova que qualquer um pode voar. Desde que saiba o segredo. Quer saber qual é?
— Sim! Quero voar e ficar mais alta que a Marina! — Apontou para a menina mais velha do grupo.
— Então apareça aqui hoje à tarde. Vocês todos. Eu revelarei o segredo! Mas só se vocês pararem de jogar pedras.
Dito isso, virou as costas e nos levou até o barco novamente através do ar.
— Você não precisava ter me levado junto! — Protestei, enjoado com tudo aquilo.
— Do que você está falando? Você foi o chamariz. Agora me ajude: precisamos fazer os preparativos para receber nossos clientes.