— Mas a culpa foi dele! — Lauren soa indignada e eu desviei meus olhos dela para minha latinha de chá de hibisco e flores do sol.
— Você sabe que para mamãe e papai não existe esse negócio de "foi a culpa dele/dela". — beberiquei meu chá o sentindo descendo gelado por minha garganta causando um arrepio. — E você deixou três cadeiras e um pedaço da parede chamuscado. Você é tão culpada quanto Max. — rio da cara de zangada que ela faz.
Me levanto da mesinha da cafeteira e fico de frente para ela. Lauren além de mais velha era muito mais alta que eu. Ajeito um fio de cabelo que havia saído de sua trança.
— Você foi avisada, Max não terá nem isso por causa que ele está na audiência, então ele vai levar bronca sem estar preparado. — ela sorri, maléfica e eu dou uma gargalhada. — Tenho que ir agora. — puxo meu boné mais para baixo e dou uma abraço nela.
— Vê se não se perde, eu posso ser culpada por isso também. — ela ri.
— Como se você fosse a vítima, Lauren Everdine. — sorrio de lado.
A caminhada da cafeteria para a biblioteca não era muito comprida, mas naquele calor parecia que andei o dobro. As ruas estavam lotadas por um motivo que eu não sabia, mas vi até guardas reais andando de um lado para o outro. Minha salvação era meu chá gelado em minhas mãos que me salvava de derreter na calçada.
Abri a porta da biblioteca escutando o familiar som do sino acima da porta.
— Bel! — Lean se levanta da cadeira.
Sufoco uma risada, a mesa do bibliotecário estava com uma muralha de livros, que mesmo com um elfo de quase dois metros de pé do outro lado só sua cabeça estava á vista.
— Lean! — ri. — O que aconteceu agora? — circundo pela mesa achando um lugar onde tinha menos livros empilhados e apoiei meus braços lá, observando o alto bibliotecário.
— Adoraria te explicar mas... Não acho um lápis em lugar nenhum. — ele roda por todo o espaço apertado entre a mesa, a cadeira e a parede.
Coloco meu corpo para cima, apoiando meu peso nos meus braços, ficando mais perto dele e levanto um braço passando uma mão por seus cabelos brancos como leite, atrás de suas orelhas e pego o lápis que estava ali.
— Acho que isso serve. — entrego o lápis rindo.
Lean cora até a ponta de suas orelhas de elfo, realmente muito sem graça. Ele pigarreia e então se senta novamente na cadeira.
— Os líderes da pesquisa SDM (Sumiço Da Magia) me pediram para eu dar uma pesquisada em alguns livros da biblioteca, e me enviaram até mais livros. — ele aponta para a porta dos fundos, onde, geralmente, as entregas de livros, revistas e jornais ficavam. E meu queixo caiu ao ver enormes caixas de papelão empilhadas uma em cima da outra, quase chegando ao teto da enorme biblioteca.
— Vai precisar de ajuda? — pergunto ainda em choque.
Ele dá de ombros e nega com a cabeça, se concentrando em cinco livros que estavam abertos na sua frente.
— Mas... — ele bateu com o lápis em seu queixo e me olhou sorrindo. — Chegou alguns livros novos que acho que você irá gostar, estão na última prateleira do andar de cima.
Dou pulinhos de alegria enquanto Lean dava risada da minha reação. Vou correndo pelas escadas até chegar no andar de cima.
Apesar da multidão lá fora nas ruas, a biblioteca estava quase vazia, com exceção de uma ou outra pessoa que parecia em uma das poltronas ou em uma das cadeiras. Ajeitei meu boné de novo sentindo o nó da bandana se apertando mais na minha testa, garantindo que nenhum fio de cabelo havia escapado e vou até a última prateleira.
Passo minha mão pelas lombadas dos livros, sentindo uma alegria me invadir. Era uma sensação maravilhosa sentir o cheiro característico dos livros misturado com o cheiro de verão que vinha das janelas, e por um instante eu esqueci que nosso mundo estava acabando. Era assim que eu me sentia ao estar na biblioteca.
Leio com atenção cada título escrito nas lombadas dos livros, escolhendo os que eu ia precisar para a pesquisa de hoje.
Quando percebi já estava com quatro livros empilhados em cima do meu caderno. Me dirijo até a mesa que ficava lá nos fundos, perto de uma janela, que tinha uma pequena vidraçaria em cima, o desenho era de uma rosa vermelha, adorava ver o reflexo dela nos livros no final da tarde, meu lugar favorito para estar na biblioteca. Estava andando tomando o dobro de cuidado por causa da minha latinha equilibrada em cima dos livros.
Mas para minha decepção já tinha alguém sentado na mesa que eu queria ficar. Ao me ver aproximar, o estranho levanta seus olhos de Strangerville, A História Mais Estranha Que Lerá, e me deparo com olhos dourados familiares. Mas não dei muita bola, era alguém no meu lugar, e não queria incomodar, dei meia volta, mas girei muito rapidamente, e minha latinha com chá escorregou para a beirada de um livro e ficou balançando indecisa se caia ou não, mas então ela cedeu à força da gravidade, fechei meus olhos preparada para o impacto da lata que ia parecer um barulho enorme na biblioteca silenciosa.
Esperei o barulho metálico da latinha caindo no chão, mas ele não veio, e quando abro meus olhos vejo o chá de hibisco e flores do sol voltar para a lata e então voltar para cima dos meus livros.
Me viro para trás e vejo que o desconhecido que estava na mesa havia me ajudado e sabia disso por causa da magia que ainda circundava em suas mãos.
— Parece que nos vimos novamente. — o príncipe sorriu para mim.
Minha expressão foi de extrema surpresa. A última pessoa que eu imaginava encontrar em uma biblioteca, e eu acreditava piamente na verdade de que nunca iríamos nos ver novamente.
Ele fez um sinal com a cabeça me pedindo para me sentar na sua frente. Coloquei meus livros em cima da mesa e peguei minha latinha dando um grande gole no chá gelado.
O príncipe estava com roupas escuras e um boné cinza escrito Explore na frente, puxado severamente para baixo até cobrir quase todo seu rosto com a sombra que fazia, mas alguns fios do seu cabelo dourado apareciam por baixo dele, brilhando como ouro por causa da luz avermelhada que vinha da vidraçaria de rosa. O príncipe olha pela janela ao seu lado colocando uma das mãos na aba do boné, o puxando um pouco para aquela direção do rosto.
E então toda aquela movimentação lá fora fez sentido. O príncipe havia fugido do castelo!
— O que está fazendo aqui? — minha curiosidade ganha novamente.
Ele me olha sério, havia um quê de tristeza em seus olhos.
— Me prometa que não vai denunciar minha posição, tipo gritando: o príncipe está aqui! — ele sorri, mas percebo o tom de seriedade em todas as sílabas citadas.
Faço um X em meus lábios e levanto a mão com a latinha para cima enquanto a outra colocava no peito, fazendo uma jura de silêncio.
— Prometo.
Ao ouvir eu dizer isso ele parece relaxar na cadeira e então coloca os cotovelos sobre a mesa e entrelaça as mãos.
— Olha...e seu nome seria...? — ele olha fundo nos meus olhos, procurando por um sinal do meu nome.
— Bella. — sorrio dando mais um gole na latinha.
— Bella... — ele testa o som do meu nome, e não sei porque mas, meu coração errou um compasso ao ouvir ele dizer meu nome. — Eu fugi do castelo porque sei que meu pai está me escondendo algo e não quer contar. — ele abaixa a cabeça ao perceber que alguém se aproximava. — E eu preciso de respostas, estou cansado de que me escodam a verdade, não sou mais criança. — ele cochicha, mas seu tom de indignidade é perceptível mesmo assim. — Soube que alguns livros da biblioteca real estavam sendo transferidos para aqui, então vim atrás das minhas respostas. — ele levanta a cabeça novamente ao perceber que a pessoa foi embora e olha nos meus olhos. — Minha sorte é que eu te encontrei aqui.
Coro com o comentário. Pensando em como raios eu fui virar quase que a "confidente" do príncipe.
— Você pode me ajudar a encontrar a verdade.
✿ ✿ ✿
Posso dizer que estranhar dois adolescentes com roupas nada chamativas e com bonés puxados tão para baixo, quase chegando em seus olhos, era algo impossível. E essa era a reação de todos que olhavam para mim e o príncipe Kenneth.
Quando ele se aproximava de um guarda colocava a mão ao lado do rosto, ajeitando a aba do boné, ou se virava para mim.
Ainda não sabia para onde estávamos indo, só sabia dizer que estávamos na direção da aldeia Melodia.
— Droga! — ouço ele resmungar baixinho ao meu lado.
Olho para frente e vejo um grupo de soldados que estavam procurando por todos os lados, realmente olhando no rosto das pessoas que estavam ali.
O príncipe me empurra e sinto a parede em minhas costas, ele coloca uma mão ao lado do meu rosto, e se aproxima de mim. Sabia o que ele estava fazendo, mas não deixava de ficar rubra com a aproximação dele.
O plano dele deu certo, e os guardas nem mexeram conosco, pensando que éramos uma casal se pegando. Parece que até brutamontes ficam sem graça com demonstrações de carinho em público...
Enquanto contava os segundos, e os passos dos soldados, apertava ainda mais meu livro, sentindo a ponta das minha orelhas ficando vermelhas como meu rosto. Conseguia sentir a respiração dele em meu pescoço, e isso enviava arrepios por todo meu corpo. Aperto tanto o caderno que sinto as juntas dos meus dedos doerem. Conseguia sentir meu coração batendo forte contra a capa azul desgastada.
Os guardas já estavam fora de vista e ele se afasta de mim. Sinto o rubor se dissipar das minhas bochechas e meu coração voltar ao compasso.
Ele olha para os dois lados e então seguimos em frente.
— Olha eu adoro um mistério, mas queria pelo menos saber para onde estamos indo!— falo sem olhar diretamente pera ele.
— Vou te levar para o lugar de pesquisa da SDM. — olho para ele e vejo um brilho determinado em seus olhos, mas ele mordia o lábio inferior, nervoso. — Acho que você pode ver algo que nenhum dos pesquisadores podem ver.
Então ele olha para mim com seus olhos dourados e um sorriso simpático no rosto. E não sei o que aconteceu, tudo que sei é que meu coração começou acelerar de novo.
Continuamos andando até chegar na Clareira Heaven Hearth, ao lado da aldeia Melodia e descemos mais um pouco, quase chegando na Floresta dos Pesadelos, onde ficavam as criaturas mais perigosas.
Mas antes de entrar na Floresta, ele faz um desvio para o lado, indo para um lugar tão escuro quanto a floresta que deixamos para trás. Eu estava em um lugar que não conhecia, o sol não brilhava naquele lugar e estava muito frio.
Olho para o chão e vejo algo que nunca tinha visto antes. A grama estava escura, desbotada como a Floresta das Fadas, mas possuía algumas palavras desconexas por todos os cantos, como se fosse uma projeção das páginas de um livro.
Acelero o passo não querendo perder o príncipe de vista, porque se eu me perdesse ali não conseguiria voltar.
Continuamos nossa caminhada em silêncio, o silêncio era estranho, pois não se escutava nem o vento nas folhas acizentadas da floresta, o cantar dos pássaros, o andar de algum animal, era só nossos passos amassando a grama. Eu não estava aguentando isso, comecei a ficar assustada e nervosa.
— O que aconteceu aqui? — pergunto quebrando o silêncio, minha voz parecia ecoar por todo aquele espaço vazio e sem som da Floresta Desbotada.
— Os pesquisadores acham que aqui foi a primeira área em que a magia sumiu, por isso está em um estágio mais avançado do que a Floresta das Fadas. — ele fala sem se virar para mim, quebrando o breu à nossa frente com sua magia dourada, nos guiando por um caminho que se entrecortava com a floresta.
Então naquela escuridão uma luz fraca irrompe, e mais uma, e então quando me dou conta estou cercada pelo que parece pequenas chamas brilhantes, cada uma de uma cor.
O príncipe se vira em minha direção e então me encara com uma expressão de espanto.
— Mas o que é isso? — ele se aproxima enquanto eu era cercada por mais luzinhas.
Fico assustada, se ele não sabia o que era aquilo, como eu poderia saber? Levanto minha mão em direção á uma chama, tocando meu indicador nela, mas antes que eu pudesse realmente tocá-la ele some e reaparece logo acima da minha cabeça.
Já ouvi falar de fogo fátuos, mas esses pareciam diferentes, brilhavam de uma maneira que me era familiar. Fecho meus olhos tentando pensar em algo, então sinto um formigamento, primeiro em minha mão depois no meus braços e pernas e por último, meu corpo todo. Sentia uma energia diferente fluindo á minha volta e então como se fosse um sonho uma imagem brilhou em minha mente, a Floresta das Fadas, toda colorida e animada, com as fadas mais diferenciadas em todos os cantos em uma corrida frenética e divertida.
Abro meus olhos novamente e todas as pequenas chamas haviam sumido. E o príncipe me olhava de uma maneira assustada. Ele pisca para mim, como se tentasse acordar de um transe.
— Acho que se eu te contar o que aconteceu, vai me achar louco, na verdade acho que estou louco. — ele toma uma grande quantidade de ar. — Você em um momento estava aqui, e no outro, sumiu junto com as luzes, e então em um piscar de olhos você tinha voltado, e elas não...
Ajeito meu boné, pensativa. Já sabia o que elas eram, mas não tinha em mente que elas poderiam fazer algo tão grandioso assim.
— Aquelas luzes eram como se fossem as "almas" das fadas que desapareceram... — falo ainda pensando se eu estaria certa. — Quando eu fechei meus olhos eu vi a Floresta das Fadas antes delas desaparecerem.
Ele faz uma cara séria como se também estivesse pensando no que estaria acontecendo.
— Acho que você vai ter uma noção melhor depois que você ver aquilo. — ele olha longe, como se estivesse analisando toda uma história.
Nos embrenhamos ainda mais na Floresta Desbotada, então começo ver uma luz, mas não como as pequenas flamas, mas como o sol. Será que já estávamos saindo daquela floresta que parecia não ter fim?
Após contornar uma árvore avisto uma gruta. Ela era gigantesca, quase do mesmo tamanho que um montanha, e em toda sua extensão tinha símbolos que pareciam brilhar fortemente, como pequenos pedaços de sol.
— Chegamos. — ele fala naturalmente enquanto eu estava de cara no chão.
No buraco da gruta saia uma luz cegante, ele estava me conduzindo até lá. Parei no meio do caminho já de frente para a entrada. Estava com medo.
— Sabe que agora eu raciocínei que eu segui um completo estranho até uma floresta escura e agora estou com ele na frente de uma gruta muito mais estranha com uma luz ainda estranhíssima saindo de seu interior. — disparo essas palavras rapidamente, faço uma pausa para recuperar o ar que fugia de meu pulmão. — Tudo isso por que falou que precisava da minha ajuda. — essas palavras eu digo pausadamente, e não sabia se falava para mim ou para o príncipe.
Ele me olha com dúvida e então se aproxima de mim. Estávamos frente a frente, naquele momento percebo que ele era alguns cinco centímetros mais alto que eu, quase tendo o mesmo tamanho da minha irmã.
— Como você falou... — ele abre um sorriso divertido. — Você me seguiu até aqui, eu poderia ter feito algo contra você pelos menos uns dez metros atrás. — seus olhos estavam tranquilos, calmos. — E eu realmente preciso da sua ajuda, e depois do que eu vi lá atrás, você tem que ver o que está aqui dentro. Com seu conhecimento sobre nosso mundo você pode pelo menos dar um início para a descoberta.
Ele sorri para mim, como se tentasse me passar confiança. A todo momento eu estava pensando que eu devia estar presa em uma daquelas histórias em que uma garota especial encontra com o príncipe e se apaixona. Mas de uma coisa eu tinha certeza, eu não era especial, só tinha algo chamado curiosidade e faria qualquer coisa para salvar as criaturas mágicas de sumirem.