"As juras mais fortes consomem-se no fogo da paixão como a mais simples palha." — William Shakespeare
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Raven
Depois de algumas horas olhando constantemente para fora da janela, a sua procura, senti uma decepção que invadia meu coração. Não seria possível. Ele se esquecera do nosso encontro? Justo no primeiro?
Eu sabia que ele tinha uma mente avoada, mas não tanto quanto imaginava. Mesmo decepcionada, decidi encontrá-lo. Talvez ele não queria me encontrar. Pois queria que eu o encontrasse.
Com uma determinação eminente no rosto, decidi procurá-lo. Vesti minhas melhores vestes e fiz um penteado. E senti que meu coração palpitava, além de minhas mãos tremerem. Aquele estranho sentimento voltava a aparecer, a cada vez que me encontrava com ele. Talvez eu estivesse ficando louca e ele só esteja querendo sair desta situação. Mas eu precisava ter certeza do que sentia, por isso, precisava encontrá-lo.
Quem diria que eu teria um encontro às escondidas com ele? Se ao menos alguém de minha família soubesse, estaria encrencada. Mas para minha sorte, a casa toda estava em silêncio, todos haviam saído, porém, ainda sim, estava nervosa com tudo aquilo. Pois sabia que a sorte não era minha melhor amiga.
Sabia que, apesar do centro da vila ser bem movimentado, passaríamos despercebidos por dentre as pessoas, os poucos que me conheciam, não se importavam com quem eu estava. Pois todos estavam sempre ocupados com muito trabalho.
Lembrei-me de Gael me dizer que Dona Nena estava em um encontro com os camponeses. Também não nos atrapalharia.
Foi então que peguei minha manta com o capuz e sai pelos fundos de casa. Ainda bem que Thunder, o meu cavalo, me ajudaria com o meu plano. Ele me aguardava no pequeno estábulo, atrás de nossa casa.
Corri o mais depressa que pude. A cavalgada foi rápida. A capital era um aglomerado de pequenas casas e comércios lado a lado, no centro, um grande poço de água para os habitantes. Desci de Thunder e o amarrei em uma cerca. A vila estava cheia, mercadores de rua com poções, bebidas e bijuterias. Vozes complementavam os ruídos da cidade, além dos largos passos de carroças e cavalos.
Andei vagarosamente, olhando a procura de Gael. Foi quando finalmente o vi.
— Gael! — gritei acenando.
Assim que gritei, ele também me viu, sorriu e veio em minha direção. E ao se aproximar, de repente não sabia como agir naquela situação, então o cumprimentei com um aperto de mão.
— Veio sozinha? — ele perguntou, olhando ao redor.
— Thunder me trouxe... — olhei para meu cavalo, próximo a cerca. — Demorei a entender que queria que eu o encontrasse. Pensei que tivesse me esquecido...
— Me desculpe se a fiz pensar assim... — ele disse desapontado. — Eu nunca me esqueceria de você... Mas não fui buscá-la para que não suspeitassem do nosso encontro.
— Bom... Não havia ninguém por lá. O que foi um alívio para mim... — eu sorri e caminhei com ele.
Gael apenas sorriu e pegou minha mão.
— Eu imagino como você deve ter se sentido! Se seu pai descobrisse... — ele sorriu olhando em meus olhos. — Nunca aceitaria ficar longe de você.
Seu comentário foi como um estalo para mim. Todas as minhas dúvidas sobre o que estávamos sentindo, se dissipou. Pela primeira vez, eu fui correspondida com o mesmo sentimento. E não pude me segurar de tanta felicidade.
— Gael, eu... — fiquei sem palavras diante da situação, pois sentia um frio na barriga, mas era algo bom, algo novo.
— Eu nunca senti nada por alguém, como eu sinto por você. Eu não consigo explicar, sabe... — ele diz se aproximando de mim, pegando com suas mãos, o meu rosto perto de si.
Parecíamos que estávamos em nosso próprio mundo. Onde só os nossos sentimentos eram presentes. Mas de repente, nosso clima é cessado, pois um choro de uma mulher ecoa sobre o local.
Nos entre-olhamos rapidamente a procura daquele choro e corremos então, para ver o que realmente estava acontecendo.
Foi quando vi uma das cenas mais horríveis de minha vida: uma jovem era abruptamente violentada, o homem, possivelmente dotado de posses, empurrava e maltratava a pobre mulher, que estava semi nua com as roupas rasgadas.
Ela chorava e tentava se desvencilhar dos braços do homem, enquanto todos na cidade, pareciam não se importar com a situação.
— Meu senhor, por favor... Isso é tudo o que eu tenho, me devolva meu dinheiro, se não... Eu e meus filhos morreremos de fome... — ela chorava de forma estridente, avançando até o homem tentando pegar as moedas que estavam em sua mão.
— Isso não é problema meu. — diz ele friamente, dando um tapa no rosto da senhorita, mandando-a ao chão.
Gael e eu ficamos espantados, nunca tínhamos visto violência de tal forma, principalmente a olhos públicos. Olhando para meu companheiro, vi que seus punhos estavam fechados e seu rosto, demostrava uma raiva eminente. Eu sabia que ele faria alguma coisa, o seu senso de justiça era mais forte que ele.
Todos da vila estavam vendo aquilo e ninguém fazia nada. Os filhos da pobre mulher saiam para fora de casa ao prantos, todos pequenos. Enquanto o rosto da mulher já sangrava.
Gael já olhava para todos com fúria, estava prestes a entrar no meio daquilo para defendê-la. Mas ainda lutava contra seu próprio medo. Pois mexer com um dos cobradores de impostos, é como pedir para que o próprio rei o mate.
Observei uma senhora que caminhava em caminhos contrários a multidão. Ela falava com outra senhora que estava ao seu lado, ambas com cestas nas mãos.
— É triste, não podemos fazer nada. Depois que aquela moça ficou viúva, gastou tudo o que tinha para pagar as dívidas do marido beberrão. Não sobrou nada. Mas não devia ter pedido dinheiro emprestado para aquele homem... — disse ela, balançando a cabeça em desaprovação, caminhando.
— É uma pena, ela só queria alimentar os filhos... — a senhora ao lado, murmura.
As duas continuaram andando pela cidade, e quando olhei para o lado, Gael já não estava mais lá. Um sentimento ruim me invadira, me fazendo virar para a frente. Vi ele indo em direção ao homem, sem que pudesse impedir a emburrada que estava se metendo.
Ao ver ele se aproximar em frente a mulher, o homem exclama:
— O que pensa estar fazendo!? — ele olha pra Gael com ódio.
— Não deixarei o senhor fazer isso! — ele levanta a mulher caída no chão.
— E você, quem pensa que é? — o velho debocha de sua cara, e o outro, apoia a mulher na parede de uma casa, desviando do soco que veio em seguida.
O cobrador já surpreso com aquela atitude, o empurra. O que fez com que o ódio de Gael aumentasse, retribuindo o gesto. O homem e meu amado, começaram a lutar entre si. Desde então, a briga entre eles, não cessou, chamando a atenção de quem passasse.
Os soldados da guarda estavam passando ao longe e eu percebo que Gael pode estar correndo perigo, mais do que já estava.
Os Guardas se aproximam e perguntam:
— O que está acontecendo aqui? — um deles desce do cavalo e a multidão abre espaço para ele passar.
Viraram-se para ele, acalmando a briga entre si. Percebi então, o quanto estava machucado, mas me contentei em ficar no meu lugar na multidão, ao ver a frota de soldados do rei. Se eu intervisse, pioraria ainda mais a situação. Então olhei ao céu, em pedido de ajuda, para que pelo menos, Gael saísse vivo dali.
— Eu sou um pobre cobrador de dívidas senhor... — o velho se ajoelhou aos pés do soldado, pedindo compreensão. — E esse garoto está a criar essa confusão... — seguiu seu olhar até ele, com raiva.
O guarda então, se aproxima dele, e eu, num misto de loucura, grito:
— Gael, corra!
Ele ao ouvir isso, começa a correr na direção contrária da multidão. E os guardas, ao verem aquilo, o perseguem com cavalos pela vila.
Eu sabia que aquilo não era o certo, mas eu não o deixaria ir preso por tentar ser justo. Gael correu por dentre a vila e rapidamente desapareceu entre as casas. E ao ver que os guardas não o encontrariam, apenas suspirei. Gael estava a salvo, pelo menos por enquanto. Já eu, voltaria para casa e iria rezar para que ele ficasse bem.
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