Sentei na escrivaninha com o coração aos pulos. Não, não é possível! Como? Será que alguém tinha guardado para entregar-me sem que ninguém percebe-se? Mas isso significaria que ele tem certa amizade com as pessoas da casa de tia Lisa. Ou então dera um bom trocado para um dos empregados. Mas se ele fez qualquer uma dessas coisas... ele está aqui!
Comecei a inspirar e expirar para não ter um colapso nervoso ou algo semelhante. Meu corpo todo tremia de nervoso e ansiedade quando me pus a ler aquelas linhas na minha escrita favorita nos últimos anos.
Querida Marina,
Creio que essa carta chegou mais rápido do que o habitual. Bom, a curta distância física entre nós ajuda a comunicação.
Sim, eu estou voltando para a vila e, se me permite confessar, nunca estive tão nervoso. Creio que saiba o motivo de minha ansiedade. Sempre é você.
Acho que parei de respirar naquele momento. Minhas mãos soavam tanto que temi estar desidratando.
Estou tão empolgado para poder conversar com a senhorita pessoalmente, se o quiser, é claro. Ter a certeza que seus olhos ainda brilham como a lua no céu estrelado. E sinto que estou perdido se constatar o fato, pois não vou querer olhar para mais nada.
Eu sentia meu coração pulsar por todo meu corpo. Era como se eu tivesse virado meu próprio coração, pulando rebeldemente a cada palavra.
Nos vemos em breve,
Seu amigo, seu admirador.
Seu.
Fiquei parada relendo aquelas linhas por séculos. Ao menos foi isso que me pareceu. A realidade havia me atingido com toda a força e eu sentia meu corpo todo tenso, febril. Me assustei com a miríade de sentimentos tomando conta de mim. Ele estaria aqui! Oh céus! Como vou saber quem ele é? E se ele passar por mim e eu ao menos reparar? E se ele me ver e constatar que meus olhos não eram tão brilhantes assim? E se ele desistir?
Um soluço alto sobressaltou sobre o silêncio, me fazendo tampar a boca. Aquele quarto estava ficando sufocante com minhas inseguranças me rondando, me atacando e não queria acordar Analu. Eu precisava tomar um ar. Coloquei o roupão sobre minha camisola. Ambos chegavam até os pés, mas me sentia nua conforme mancava até o jardim. O ar gelado saldou minha pele suada, me fazendo notar as lágrimas que escorriam pelas bochechas. Encontrei o banco mais próximo e me joguei nele, respirando fundo para que o ar fresco me acalmasse.
Conforme observava o céu estrelado e o perfume das flores envolvia-me, tentei ponderar sobre minha reação. Eu estava apavorada. Receber e responder cartas, admirar o corte a distância era seguro, confortável. Porém confrontar o homem afável que estava em todos meus sonhos românticos, me abrir e conhecer seu mundo, olhar em seus olhos, sentir o calor da sua pele... era outra situação totalmente diferente!
De repente meus pensamentos vagaram para outro cavalheiro. Em que eu havia olhado nos olhos e sentido o calor de sua pele. Lembrei de Caleb me segurando no cavalo, com tanto carinho e firmeza que era desconcertante. Suspirei. Estava tão absorta em meus pensamentos que não reparei que alguém se aproximava.
- Senhorita Marina?- Meu estômago embolou, meu peito palpitou. Oh não! Por algum motivo que me escapou, não queria que ele me visse chorando por causa de outro. Aprumei as costas e passei a mão no cabelo, só então notando que eu ainda segurava a carta.
- Boa noite, senhor Montini.- disse com a voz embargada. Notei que ele se aproximou e sentou-se ao meu lado.
- Uma bela noite não?- me virei e o vi me observando com o senho preocupado. Suas íris esmeraldas chisparam ao encontrar meu olhar, ou foi isso que pareceu. Não estava em condições de julgar nada.
- De fato.- me virei, encarando o céu e suspirando. Sempre que me encontrava com ele parecia perder todo o controle sobre meus órgãos. Especialmente aquele que bombeava sangue.
- A carta esta tão ruim assim?
- Hum, o que disse?- fiquei subitamente nervosa, tentando esconder o papel com as mãos, olhando para qualquer lugar, menos para Caleb. Alguma coisa em minha mente despertou para algo, querendo dizer alguma coisa, mas eu estava muito perturbada com a presença do cavalheiro em questão.
- A senhorita não parece muito contente, deduzi que era pela carta, já que a segura com tanto afinco.- ele disse, com a voz profunda.
- Pelo contrário. Ela me traz ótimas noticias.- parei por um segundo.- Só não esperava, eu acho. Me deixou... ansiosa.- me vi sussurrar. O que eu estava fazendo??? Falando abertamente com um completo estranho... O juízo realmente me deixava na presença daquele cavalheiro! Senti meu rosto esquentar e esperava que a lua não estivesse tão clara para eles não perceber minha face avermelhada. Senti Cal... o senhor Montini se aprumar do meu lado. Ficamos em silêncio por alguns minutos. Eu era incapaz de olha-lo, mas a falta de conversa estava me dando nos nervos. Ele me deixava... inquieta.- O que faz aqui tão tarde?- ousei perguntar.
- Creio que eu deva fazer a mesma pergunta para a senhorita.- ele disse, com um tom zombeteiro. Me surpreendi com o riso que saiu de minha boca. Por todas as galinhas!
- Acho que eu precisava pensar...- falei, olhando-o de relance.
- Então partilhamos da mesma motivação.- virei pra ele e me surpreendi que me encarava. Uma força no ar parecia me atrair para aqueles olhos límpidos. Senti minha respiração ficar pesada com a tensão que se instalava ali. Onde estava o ar quando se precisava dele?! Umedeci os lábios, ato que travou o olhar de Caleb na minha boca. Meu coração parecia querer fazer caminho aos socos para fora do peito, e algo parecido acontecia com o homem a minha frente, já que parecia estar quase ofegante.- Creio que ficaríamos em maus lençóis se formos flagrados.- ele disse sem desviar o olhar dos meus lábios, se curvando devagar. Sua voz intensa fez um arrepio alastrar-se em toda a minha coluna.
- Não acho que alguém esteja acordado a essa hora.- estranhei a voz rouca que saiu da minha garganta. Estranhei mais ainda eu estar me curvando em direção a ele sem nenhum pudor.
- Não me importo de arriscar.- estávamos tão perto que seu hálito fresco salpicou minhas bochechas. Caleb passou a mão pela minha cintura, me puxando para ainda mais perto. Me surpreendi em como meu corpo se emoldurou ao dele, em como minha pele parecia pegar fogo. Seu cheiro era másculo, forte, amadeirado. Aquilo enevoou meu cérebro, pois foi a única explicação que encontrei quando deslizei as mãos pelo seu cabelo macio. Ele fechou os olhos e passou o nariz em meu pescoço, me fazendo suspirar de contentamento. - Como eu queria fazer isso Marina...- ouvir ele dizer meu nome mexeu com alguma coisa dentro de mim. Algo muito forte. Suspirei no ouvido dele e tive o deleite de ver o arrepio que se alastrou em sua pele. Ele sentia tanto quanto eu?
- Nina?- ouvi uma voz distante. E então eu estanquei no lugar. Olhei para Caleb que olhava em volta, ainda com os braços em mim. Onde eu estava com a cabeça?! Me afastei subitamente, atraindo seu olhar. O que eu tinha feito?! Aquilo fora a coisa mais irresponsável e sem noção de toda a minha vida! Onde estavam meus escrúpulos? Oh não! E se ele pensasse que eu era o tipo de dama que seduz cavalheiros para... Corei só de pensar em tal absurdo. Agora sim eu havia levado o bom nome Clarke para lama! Comecei a tremer. E não era pelo frio. Minha face deveria estar com uma expressão horrorizada, pois Caleb fez uma careta e passou a mão pelo rosto.
- Mari... senhorita Marina, mil perdões. Eu não pretendia... aborda-la dessa maneira. Por favor, não fique assustada.- sua voz se tornou baixa, quase em uma prece. Aquilo me fez despertar um pouco.
- Eu quero que o senhor saiba que eu não sou esse tipo de dama...
- É claro que não e nem nunca cogitei tal hipótese. Você é a dama mais delicada e pura que já conheci. Creio que o destino só não está sendo muito... cuidadoso em nossos encontros - ele riu e gemeu, parecendo agoniado.
- Eu...- me interrompi. Não sabia o que falar. Estava em um conflito interno. Metade de mim queria correr pra longe dali e nem sequer olhar para ele. A outra queria correr para seus braços e esquecer todo o resto.
- Não quero que ache que me aproveitei da senhorita...- seus olhos refletiam medo.
- Não acho - o cortei. Aquilo tinha sido mútuo. Admitir me fez corar violentamente. Ele me olhava fixamente, com o maxiliar travado, parecendo discutir consigo mesmo em pensamentos. Com uma expirada forte, Caleb deu um passo em minha direção.
- Então... ainda posso encontra-la amanhã? Entenderei se for demais para a senhorita. - ele pressionava sua boca, formando uma linha branca.
- Po-pode - me ouvi dizer. Acho que não estava raciocinando direito. E nem me culpava por isso. Caleb concordou, com um pequeno sorriso nos lábios, parecendo aliviado.
- Quer que eu lhe acompanhe até...
- Não!- falei rápido demais. Algo cispou em seu olhar. - Eu vou sozinha. Não seria bom para nenhum de nós se alguém...
- Nos visse. Eu entendo... Ahn...- ele olhou desconfortável para as mãos, parecendo debater alguma coisa interna.
- Boa noite, senhor Montini.- fiz uma mesura atrapalhada e me apressei sem ouvir sua resposta. O que tinha acontecido ali? Eu nunca havia tido um contato tão íntimo. Caleb havia tocado mais que minha pele. Ele tocou meu coração, pois não estava batendo normalmente. E acho que seria assim toda vez que estivesse na presença dele.