Depois de deixar Katherine em sua casa, conduzi até Summertown.
Após o carro passar o grande portão e entrar dentro da garagem, entrei em minha casa.
Pensei por momentos em como é que, agora, iria gerir sozinha as contas da mesma. Talvez fosse melhor voltar ao meu emprego, do qual possivelmente já teria sido despedida, ou, devido ao meu problema, a melhor solução fosse mesmo mudar-me para uma casa mais pequena.
Decidi deixar aquele assunto para depois, devido ao enorme cansaço que se apoderava cada vez mais de mim.
O habitual calor do meu lar não percorreu todo o meu corpo, por isso dirigi-me de imediato à sala. Pousei a mala no sofá e abri um grande cesto ao lado da lareira, do qual tirei alguns paus de madeira e pinhas.
Coloquei cada uma das partes de troncos de árvore, organizadamente, dentro da lareira e peguei numa caixa de fósforos que se encontrava no chão, num dos cantos da lareira, ao lado do cesto. Acendi-o e coloquei-o de modo a fazer com que todo o conteúdo da lareira ardesse.
Fechei a porta da mesma, peguei na minha mala que se encontrava ao meu lado, no chão, e levantei-me. Fui até ao meu quarto e chegada ao mesmo, coloquei a mala pendurada na maçaneta da porta e o telemóvel deu sinal de mensagem de Katherine. “Se precisares de alguma coisa liga-me. Beijo” fiquei contente com o que li e respondi apenas um “Está bem. Obrigada” devido à quantidade de sono que me atingia
Coloco o aparelho em cima da mesa-de-cabeceira e decido que na manhã seguinte tomaria banho, visto que tomara um há umas horas atrás e os meus olhos começavam a pesar-me.
Sento-me na minha cama e tiro os sapatos altos. Coloco-os na ponta da cama e percorro o vestido pelo meu corpo, até este se encontrar nas minhas mãos.
Vou até ao meu guarda-fato e coloco o vestido branco num dos cabides. Volto à cama e, debaixo das almofadas, posso encontrar o meu pijama, deixando que o pêlo do mesmo aqueça todo o meu corpo instantes depois.
Caminho até á casa de banho, onde lavo a cara e os dentes, e em seguida encontro-me deitada, acabando por adormecer rapidamente.
Não tinha noção de nada à minha volta, era como se estivesse noutra vida e não sentisse absolutamente nada da verdadeira, como se nem soubesse que essa existia.
Era como se estivesse numa vida diferente daquela que qualquer Homem já vira, mas ainda era eu. Tudo se encontrava escuro à minha volta, mas eu conseguia sentir a minha própria presença naquele lugar. Um sonho era aquilo que eu pensava estar a acontecer, mas apenas me perguntava se seria realmente um sonho ou um pesadelo.
Comecei a ouvir aqueles sons. Mas havia algo estranho. Era como se os mesmos viessem de outro lugar, talvez da verdadeira vida, e eu conseguisse sentir e ouvir tudo o que estava do outro lado.
Eles começaram a tornar-se constantes e, tal como no meu estado de coma, eu tentava acompanhar a sua localização com o olhar, sem êxito.
Algo de raspão apareceu entre a escuridão. Eu conhecia aquele ser. Era ela. Era ela o meu grande problema. Para além do fim se ter atravessado na minha vida da maneira que eu menos esperava, agora atravessara-se também um ser sobrenatural. Mas quando ela apareceu de raspão, foi como se tivesse acordado da outra vida, e entrasse de novo na verdadeira.
E era aquela a realidade. Eu podia estar bem, mas ela atravessava-se sempre no meu caminho quando eu menos esperava, e o mesmo acontecia cada vez da pior maneira.
Acordei do meu pesadelo, mas segundos depois entrei num ainda pior.
O meu coração batia sobressaltado e o meu corpo ergue-se repentinamente. Olhei para todos os lados freneticamente. O meu corpo estava suado, fios de cabelo encontravam-se colados à minha testa.
Voltei a ouvir aqueles sons e apenas fechei os olhos, sentindo lágrimas escorrerem-me pelos mesmos. Mas daquela vez não era como antes, desta vez não era como se aqueles ruídos viessem do fundo de um poço e eu estivesse da parte de fora dela, conseguindo ouvir o seu eco. Daquela vez era como se eu também estivesse no fundo de um pequeno espaço no fundo da terra.
Abri os olhos e foi então que ela percorreu toda a parede à minha frente, desaparecendo através da porta. Engoli em seco. Eu não tinha a mínima coragem de me levantar e andar pelo corredor. Não novamente.
Mas nada disso foi preciso. Ela voltou. Mas ela também estava diferente.
Lembro-me perfeitamente das primeiras vezes que a vira. Ela era desfocada, era algo estranho. Mas naquele dia, no psicólogo, o seu corpo, o seu estado, o seu contorno, tudo mudou, ela mudou. Ela tornou-se nítida, tornou-se a forma de um corpo.
Mas naquele momento ela tinha voltado, novamente no seu estado desfocado, era como se ela tivesse regredido no seu próprio ser.
Ela começou a atravessar todo o quarto, de parede para parede.
Coloquei a minha cabeça entre as mãos, com os joelhos contraídos ao peito. Agarrava desordenadamente em algumas mechas de cabelo e apenas pedia para mim mesma para que acordasse daquele terrível pesadelo de que estava anestesiada há meses.
Aqueles barulhos ecoavam nos meus ouvidos. A presença e o som do seu movimento fazia com que a minha cabeça latejasse.
Mas o que seria aquilo? Porque é que tudo isto apareceu assim, de um momento para o outro, na pior fase da minha vida?
Eu não suportava estar naquela casa. Era como se de alguma forma aquele ser estivesse mais presente naquele lugar, comparando a quando a mesma aparecera na sala de espera do psicólogo.
Peguei no telemóvel ao meu lado, sem nunca encarar qualquer outro canto da divisão, com medo daquilo que os meus olhos pudessem ver. As minhas mãos tremelicavam e o objeto quase caíra entre os meus dedos.
Fechei os olhos, tentando lembrar-me o que iria fazer. Alguns soluços começavam a acompanhar todas as gotas de água libertadas pelos meus olhos. Abri os mesmos, após me focar minimamente no que pensara e cliquei, ainda atrapalhada, na minha lista de contactos. Rolei os vários nomes até chegar a “Kath”. Cliquei sobre o mesmo e escolhi a opção ligar.
Encarei o meu colo e puxei o cabelo para trás, de modo a que este destapasse a minha vista. O telemóvel tocava e eu rezava mentalmente para que ela atendesse. Após o quarto toque os bips pararam.
“Blair” a sua voz era de espanto, mas principalmente de alguma sonolência
“Katherine” a minha voz falhou-me e engoli em seco
“Blair, o que e que se passa?” o sono foi trocado por preocupação
“Katherine, por favor, posso dormir em tua casa? É só esta noite” coloco a minha cabeça apoiada na minha mão esquerda
“É claro que sim. Eu vou aí buscar-te”
“Não é preciso”
“Blair, tu não estás em condições de conduzir. Eu estou aí em cinco minutos”
“Obrigada” concordo, ela tinha razão
Ouço o telemóvel ser desligado e coloco-o sobre as mantas, ao meu lado.
O meu lábio inferior tremia com o medo que percorria todo o meu corpo, toda a minha mente, por, quer eu quisesse quer não, ter de me levantar.
Só aí eu caí em mim. Todos aqueles sons acabaram e eu sentia-me novamente sozinha, já não sentia aquela presença que me provocava calafrios.
Respirei fundo e desviei o meu olhar para cima. Nada. Novamente nada. Como é que tudo aquilo seria real? Era como se o meu cérebro se torna-se em algo inacreditável e imagina-se as mais estranhas e inexistentes coisas e de um momento para o outro, ele volta-se ao seu estado normal, e tudo aquilo desaparece-se. Mas eu não imaginava aquelas coisas, elas estavam mesmo ali, eu senti-as.
Empurrei os cobertores até ao fundo da cama e fui até ao meu guarda-fato.
Tirei um grande casaco cinzento, bem forte, com bolsos nas partes inferior e superiores do mesmo, com o fecho em dourado e vesti-o por cima da camisola do pijama. Tirei as calças do mesmo, dobrando-as em seguida e tirei as minhas pantufas dos pés, colocando ambos numa mala maior que a minha habitual.
Vesti umas calças de ganga, calcei umas sapatilhas e fui até à casa-de-banho. Olho-me ao espelho. O meu estado estava lastimável. Mergulhei o meu rosto em água e sequei-o em seguida.
Os meus cabelos já não se encontravam húmidos ou colados à minha testa. Peguei na minha escova e pasta de dentes, e também na minha escova de cabelo, colocando-os na mala. Apanhei o cabelo.
Voltei ao quarto e ouvi o meu telemóvel dar sinal de falta de bateria. Peguei nele e desejei que ninguém precisasse de me contactar.
Fui até o piso inferior. Chegada ao fundo das escadas, observei o hall de entrada, a zona da sala, da entrada da cozinha e da sala de jantar. Nada. Estaria eu a enlouquecer?
Um suspiro que não sabia que guardava deixou os meus lábios e o som da campainha ecoa em toda a casa. Apressei-me até à grande porta, enquanto a minha cabeça dançava sobre todos os lados e após sentir o frio da rua gelada, pude ver uns faróis iluminar parte da estrada para lá do muro.
Fechei a porta atrás de mim e apertei o casaco contra mim mesma devido ao imenso frio que morava em toda a cidade. Percorri o caminho de calçada e pude notar em pequenas gotas de água na ponta da erva, o que me fez calcular que já tivera chovido naquela noite.
Após abrir o pequeno portão e fechá-lo logo de seguida, posso ver Katherine apressar-se até mim. Os seus braços apertam-me num abraço e eu retribuo.
“Como é que estás? O que é que se passa contigo?” ela deixa as suas mãos nos meus braços mas sai do meu aperto, observando-me de cima a baixo, como que verificando se eu estava bem fisicamente
“Eu conto-te no caminho” a rapariga assente e corre um pouco até à porta do lado do condutor.
Faço o mesmo, mas antes de abrir a porta do veículo, viro a minha cabeça para trás, de modo a encarar a casa atrás de mim.
Eu tinha medo daquele sítio, eu ganhara medo ao meu próprio lar e apenas desejava que aquele ser não me acompanhasse e ficasse naquele lugar, pelo menos naquela noite.
Deixei finalmente que o meu corpo descansa-se no banco do Golf de Katherine e coloquei o cinto do mesmo. O carro começou em andamento.
“Blair, conta-me, o que é que se passou?” ouço. Viro o meu rosto.
“Foi aquilo” respondo segundos depois. A rapariga encara-me um tanto assustada. Ela assente, como que incentivando-me a continuar e coloca os seus olhos de novo na estrada
“Ela apareceu, foi algo estranho, diferente do normal” silêncio interrompeu o nosso diálogo “No início de tudo ela era algo desfocado, mas de um momento para o outro, ela ganhou a forma de um corpo, foi como se evoluísse no seu crescimento, tal como o ser humano. Mas agora, ela tornou-se como antes. Ela apareceu ainda nítida, mas depois desapareceu e voltou de novo desfocada, apenas sendo como um vulto.” Paro por momentos. Encaro a rua através do vidro que começava a ser coberto por algumas pingas da chuva que começara a cair “Foi como se ela regredisse no seu próprio eu” as palavras fluem no ar como meros pensamentos
A chuva começava a cair com mais intensidade. Em vez de serem apenas uns pingos no vidro, agora o mesmo estava completamente coberto de um manto de chuva.
O carro pára e eu olho para o lado de Katherine, onde consigo ver, através do seu vidro, a sua casa. Agarro na minha mala, que se encontrava no meio dos meus pés e abro a porta do carro. Corro até à entrada do lar, ao que Kath faz o mesmo.
Ela procura as chaves na sua mala e reparo que ela usava umas calças pretas de fato de treino e um casaco curto, mas forte, azul escuro, com umas sapatilhas calçadas nos seus pés.
As chaves aparecem na mão da rapariga e ela apressa-se a rodá-las na fechadura devido aos trovões que se começavam a fazer ouvir ao longe.
A grande porta vermelho tinto é aberta e, após sacudir os meus pés no tapete preto, entro dentro da humilde e acolhedora casa de Katherine.
Ela tira o seu casaco, colocando num bengaleiro à entrada e eu apenas me deixo ficar no meu lugar.
“Queres ir dormir?” ela roda o seu corpo para mim. Assinto.
“Estou bastante cansada” afirmo
“Apenas não sabia se ainda tinhas vontade de te deitar” ela começa a percorrer o tapete da entrada “Sendo assim vamos lá para cima” acompanho-a e ambas começamos a subir para o piso de cima através das escadas circulares de sua casa.
O quarto de Katherine era o segundo à esquerda. Entramos no mesmo e a já conhecida imagem do espaço ocupa a minha visão.
“Podes colocar o teu saco ali” ela aponta para o fundo da cama. Concordo.
O quarto de Katherine era bastante simples. Era composto por uma cama singular ao meio e uma secretária à frente. Do lado direito da cama, para uma visão do lado da secretária, encontrava-se um simples roupeiro e no lado oposto uma varanda. Uma longa carpete verde preenchia grande parte da divisão e o resto da mesma era ainda composta por uma estante com filmes, CD’s e alguns livros.
“Queres dormir na cama?” ela olha-me
“Eu posso dormir no chão” sorrio
“Tens a certeza?” aceno positivamente
Katherine passa por mim, possivelmente para ir buscar um colchão e eu sento-me na cama, pousando o saco ao lado dos meus pés.
Tiro o casaco e coloco-o ao meu lado.
Os meus pensamentos ocupam o espaço e silêncio. O que é que eu iria fazer a partir dali? Eu não poderia simplesmente ficar a dormir em casa de Katherine para toda a minha vida e eu não queria voltar para minha casa, o que era quase absurdo.
Talvez o melhor fosse mesmo comprar uma casa no meio de Oxford, uma pequena e barata. Ligaria a Niall para falar sobre o meu emprego e saber se ainda me aceitavam no mesmo, o que eu duvidava. Mas depois ainda havia aquele problema. E se ela aparece-se a meio do meu trabalho?
Agarro o meu telemóvel, que se encontrava dentro de uma pequena bolsa da parte de fora da mala, e quando clico no botão por cima do mesmo este não se liga. Bufo.
Nem sabia que dia seria. A ideia de tudo à minha volta fora completamente esquecida, apenas sabia que era sábado, ou talvez até a madrugada de domingo e que devíamos estar no fim de Outubro ou nos primeiros dias de Novembro.
Katherine volta a aparecer no quarto com um pequeno colchão desdobrável, alguns lençóis e mantas.
“Que dia é hoje?” pergunto enquanto ela coloca as coisas no chão
“30 de outubro” ela ergue o seu corpo e sorri “Porquê?”
30 de outubro. O dia 1 estaria prestes a chegar. 1 de novembro. Dia de todos os Santos.
Lembro-me de em toda a minha vida viajar até à minha terra natal e ir ao cemitério, visitar a campa dos meus avós. Este ano seria diferente. Não iria viajar até ao outro lado do mundo, apenas iria fazer uma viajem de carro para, desta vez, visitar a campa de minha mãe.
Onde arranjaria eu forças para tal? Com tudo o que me estava a acontecer, aquele dia tinha de acontecer precisamente naquele momento da minha vida.
“Amanhã tenho de ir comprar flores para a minha mãe” olho-a, o meu estado de espírito ainda pior, o que achava ser impossível
Katherine fica também em baixo e eu desço o meu rosto.
“Eu vou contigo” ela agacha-se à minha frente
Olho-a e sorrio.
“Obrigada, mas eu preferia ir sozinha”
“Eu compreendo” Katherine sorri-me e segundos depois levanta-se, começando a desdobrar o colchão.
“Eu ajudo-te” levanto-me e ajudo-a a fazer aquela que seria a minha “cama” naquela noite
Desculpem, desculpem, desculpem. Mil desculpas por sexta não ter publicado um novo capitulo mas a verdade é que não deu mesmo e estava a ver que nem no fim-de-semana iria publicar mas bem, aqui está ele!
Ok, este capitulo está bem maior e espero que compense o de sexta, mas a verdade é que vou ter testes esta semana e pronto, o resto já sabem.
Como sempre, mas eu não me canso de dizer, muitíssimo obrigada a todas as novas leitoras! Eu adoro-vos, a sério.
Espero que tenham gostado deste capitulo! Têm alguma ideia do porquê daquilo que aconteceu à sombra?
Vou já começar a escrever o próximo capítulo e quarta tentarei publicá-lo.
JMCarmo