Era outono.
As flores secavam conforme as folhas caiam e o frio se aproximava.
Essa é minha estação favorita.
Sentir o vento gelado bater em meu rosto ao caminhar pela manhã, tomar chocolate quente em frente a lareira enquanto assisto algum programa de culinária aleatório ou apenas ficar enrolado nas cobertas dentro do conforto de casa; apreciar cada um desses pequenos momentos, não tem preço.
Tirei algumas semanas de férias, ser escritor é mais cansativo do que aparenta ser. Um bom escritor sabe que, para escrever - nem que seja uma frase - a paciência e a criatividade devem sempre estar em completa harmonia, caso contrário é perda de tempo forçar-se a idealizar algo bom no papel.
No tempo que que morei na França, tive oportunidade de aprender muitas coisas úteis para o meu alto-desenvolvimento em minha escrita.
Aprendi a descrever nitidamente as emoções dos personagens que eu criava, aprendi a realçar os mínimos detalhes desde os mais simples dos atos até os mais complexos. E, mesmo sendo suspeito a falar disso - pois, minhas obras são relacionadas à minha vida e seus desastres - o talento que fui desenvolvendo na França, levou minha carreira ao sucesso extremo.
O começo de tudo foi quando surgiu uma inspiração inexplicável para escrever Stigma - meu primeiro livro a ser publicado. Nessa época eu ainda era um jovem de 18 anos imaturo, irresponsável, impulsivo e todas as demais palavras negativas começadas em "i" que poderiam me descrever. Meu sonho era ser aceito em alguma faculdade de letras fora do país.
Meus pais não davam a mínima para o que eu fazia ou deixava de fazer; eles mal tinham tempo para si mesmos. Eu sou fruto de uma gravidez inesperada, ou seja, eles não queriam ter um filho, ao longo da minha criação eu pude perceber que realmente era verdade. E isso me enfurece de uma maneira sobre-humana. Não entendo até hoje o porquê de eu não ter sido vítima de aborto. Acho que conviver com alguém que você não quis que fizesse parte da sua vida é mais doloroso do que simplesmente tirá-lo enquanto ainda não se formou no ventre. Não que eu apoie o aborto, longe de mim. Eu apenas não entendo a escolha deles.
Stigma não foi sucesso de primeira, mas foi um grande empurrão para mim. Após alguns meses desde a publicação do meu primeiro livro, mandei currículo para empresas que precisavam de jovens estagiários. Passou pouco tempo até eu ser contratado por uma empresa humilde no centro de Seul. Nela trabalhavam diversos tipos de cantores, atores e dançarinos. Fui contratado para fazer parte do grupo de roteiristas dali que faziam roteiro para MV, minisséries e propagandas. Era tudo bem simples, mas gerava uma grana boa para me sustentar e economizar para a próxima publicação.
Comecei a escrever Singularity após ter sido aceito por uma faculdade de letras em Paris, aos meus 21 anos. Minhas economias me ajudaram a alugar uma casa meia-boca lá e assim que me estabeleci na nova moradia, consegui arranjar emprego temporário como segurança de um museu contemporâneo aleatório para pagar as prestações da faculdade e o aluguel da casa.
Finalmente publiquei meu segundo livro em meus plenos 23 anos de velhice e, a partir daí minha carreira se tornou um sucesso internacional em um estralar de dedos cheio de esforço.
Cinco anos se passaram e voltei para Seul assim que terminei a faculdade. Voltei feliz, satisfeito e independente. Meus pais não sabiam quando saí de casa e nem de quando voltei, acho que fiz um favor a eles ao sumir com minha existência. Publiquei vários livros durante esse período e agora estou precisando de um descanso caprichado.
Então, desde que voltei para a Coréia estou em um apartamento simples, largado no sofá, tomando chocolate quente e assistindo qualquer baboseira aleatória na TV.
- Isso sim que é vida boa. - Me aconcheguei ainda mais entre os cobertores e beberiquei superficialmente um pouco do chocolate quente em minhas mãos.
[...]
A tarde passou lenta e fria - se não fosse pelos três cobertores felpudos e macios que faziam um casulo em volta do meu corpo. Já estava na hora de preparar o jantar, ou seja, fazer miojo de carne. Antes de comer, eu precisava de um banho quentinho para relaxar os músculos da bunda. Ficar sentado desleixado no sofá pode ser gostoso, todavia, tem suas consequências.
Adentrei meu quarto e abri meu guarda-roupa na busca do meu pijama rosa com estampas de gatinhos - e, sim, sou um adulto de 28 anos que usa pijamas rosa super fofos, não me julguem. Meu celular, que até então eu tinha esquecido da existência, resolveu dar o ar da graça tocando sem parar.
Aborrecido por ter meus planos mudados, arrasto meus pés até o criado-mudo ao lado da cama e vejo quem está se dando o trabalho de me ligar. Suspiro cansado encarando o número que aparecia na tela.
- Alô? - Atendo.
- Fala ae, Taehyung! - Afasto o celular do ouvido temendo ficar surdo.
- Em que posso ajudar? - Pergunto querendo acabar com aquela merda logo e ir tomar banho. Minha bunda está dormente e não é uma sensação muito boa para se apreciar.
- Ah, pra que tanta formalidade, colega? - Ouço uma risada cínica. -Sabe que não precisa ser formal comigo.
- Okay, perguntarei de novo. O quê caralhos você quer, Hoseok?
Jung Hoseok, sucessor da CEO Park Bomi -dona de uma das maiores empresas de Seul-, 30 anos, solteiro pervertido e um cara louco que eu conheci no começo da minha carreira. Quando digo louco, é no sentido literal da palavra. Nunca vi um cara tão fora de si como Hoseok é, mas isso é história para outro dia.
- Nossa, também não precisa ser tão rude, docinho. - Se esse cara soubesse o tanto que ele me irrita, não perdia tempo de ficar calado.
- Fala logo o que você quer ou eu desligo essa merda na sua cara.
- Tá. Tá. Não precisa apelar também, cruzes, ficou velho e perdeu o senso de humor. - Consigo ouvir o sorriso na voz desse maldito. - Bem, como você deve imaginar, estou te ligando para fazer uma proposta.
- E você não vai desistir de falar mesmo que eu a rejeite agora, não é?
- Não! - Disse convicto. Reviro os olhos. Filho da puta insistente.
- Então prossiga. - Nem me importo em ocultar o desinteresse em minha voz.
- Certo, hã, você ficou sabendo do gênero de livro que mais está sendo vendido nos últimos dois anos?
- Hm... Não.
- Yaoi, cara. Garotas jovens entre 15 a 25 anos são gamadas em ler fodas entre homens. Yaoi virou um sucesso!
- E o que eu tenho a ver com isso? - Comento confuso. Aonde ele queria chegar com esse negócio de yaoi?
- É aí que você entra, docinho. Minha gerente quer lançar um livro que tenha os gêneros yaoi e fluffy. Onde tem que ter fodas selvagens e um namoro fofo. O único problema é que nossos escritores não estão conseguindo destacar o que ela quer e ninguém sabe o que ela quer. Isso está me deixando louco porque ela desconta a frustação dela toda em mim. Eu não estou aguentando mais, Taehyung! - Novamente afasto o celular dos meus preciosos tímpanos que já pedem arrego.
- Eu não sei como te ajudar, véi. Não tem nada que eu possa fazer para- O desgraçado me interrompe.
- Claro que tem! Você é o maior escritor internacional nesses últimos anos, todos os leitores natos conhecem você e sua escrita maravilhosa e veja só... Juntando yaoi com Taehyung e Taehyung com yaoi, vai ficar simplesmente perfeito! - Disse animado demais com a ideia.
Pondero um segundo antes de responder.
- Poxa, cara, acabei de entrar de férias. Eu tô' acabado, precisava tanto de um descanso.
- Posso te fazer uma oferta maior! - Comentou afoito. -Depois que publicarmos o livro, além de você ficar com 45% do lucro nas vendas, te daremos 3 meses de férias pagas em uma viagem pro lugar que você quiser ir, só me ajuda, Taehyung! - O desespero era nítido em sua voz, e eu me pergunto, o que será que está acontecendo para Hoseok estar tão desesperado assim.
- Tá. - Já estou me arrependendo de ceder a isso. - Suponhamos que eu aceite...
- Sim, suponhamos que você aceite e....?
- Eu só escrevo o que eu vivo ou sobre o que eu gosto. Como é que eu vou escrever sobre uma foda gay se eu nunca tranzei com um homem?
- Arranje um homem, oras. - Falou como se aquilo fosse óbvio e eu arregalei meus olhos.
- C-Como é?
- Simples, tranze com um homem e desenvolva um plot.
- Simples? Aish... Sei não, Hoseok. Não tenho nada contra gays mas, isso fere minha dignidade.
- Taehyung, pelo amor de tudo que é mais sagrado, não é hora desse preocupar com dignidade. Tudo o que você irá fazer é para uma boa causa, tudo no profissionalismo. Não vai interferir em nada na sua vida.
- É... Talvez, só talvez, você tenha razão.
- Eu sei que tenho. - Riu e eu quis poder lhe dar um murro no olho esquerdo por ser gostar de me irritar. - E então? Contrato fechado?
- Bem, eu vou encarar isso como um desafio e como eu não recuso desafios, fechado. - Desliguei a ligação antes que eu me arrependesse.
Em que caralha fui me meter? Não sei. Mas a sensação de adrenalina por descobrir algo novo me fez ficar ansioso para como essa história iria terminar.