hey, sexy
não, eu não esqueci que eu tenho uma fanfic para publicar, só isso
"Without losing a piece of me
How do I get to heaven?
Without changing a part of me
How do I get to heaven?
All my time is wasted
Feeling like my heart's mistaken, oh
So if I'm losing a piece of me
Maybe I don't want heaven?"
Troye Sivan, Betty Who - HEAVEN
A noite para os dois namorados já estava chegando ao fim. Como a mãe de Luke foi para o um encontro com sabe-lá-quem fosse, ambos decidiram que seria interessante se eles fizessem algo além de ficar em casa. Chegaram ao consenso que iriam para a Purple Light tomar alguns drinques - não alcoólicos para Michael que dirigia - e conversar com as pessoas do bar.
Já fazia um tempo desde a última vez que Michael fora para Purple Light, que foi quando Luke conheceu o bar. O loiro ainda estava facilmente impressionável com o local e parecia gostar bastante de lá, o que Clifford apreciava muito, já que o bar foi sua segunda casa em muitas ocasiões. Luke, desde que o conheceu, fora sua primeira.
A presença deles no bar foi um tanto calma. Conversaram com Ben, que estava muito contente que o casal foi visitá-lo de novo. Também falaram com Ashley, que zombou do quão apaixonado Michael parecia estar pelo loiro, dizendo para Clifford - quando os dois ficaram a sós -, que ele estava completa e definitivamente rendido por Luke Hemmings e, bem, Michael não conseguia negar a mais pura verdade, mas ficou feliz ao ouvi-la dizer que com certeza a rendição era recíproca.
Depois de passarem um tempo conversando, decidiram ir embora. Não era tão cedo assim, já se passava das duas horas da manhã e eles não tinham ideia se a mãe de Luke já estava em casa ou não, o loiro achava que sim, Michael, no entanto, tinha certeza que não.
- Ela deve estar se divertindo, Lu, duvido que chegaria hoje mesmo - Michael disse no volante da picape, voltando pra casa.
- E com se divertindo, você está dizendo...? - perguntou, mexendo suas sobrancelhas de forma sugestiva.
- Você sabe muito bem o que eu estou dizendo.
- Ugh.- O loiro fez cara de nojo.
- Ao menos, você está com a tua chave da casa - disse, já que Luke entregou o objeto para ele em algum momento, mas Clifford logo devolveu.
- Eu não estou, eu entreguei ela pra você.
- Eu não estou com a tua chave, Lu.
Luke começou a procurar pelo seus bolsos e pelo carro, principalmente no porta-luvas. O seu desespero foi aumentando enquanto procurava, até perceber que não, em nenhum lugar do carro estava a chave de sua casa.
- Eu não sei onde está - revelou.
Ao lado da placa de Bem-Vindos à Holy Way, Michael parou a caminhonete para ajudar Luke a procurar a chave de um jeito mais minucioso. Com a ajuda da luz da lua e a do carro, eles ficaram procurando a chave da residência por um tempo. Não demorou muito para constatarem que ela não estava em lugar algum e que, provavelmente, Luke tinha a deixado no bar.
- Ótimo, eu vou dormir no lado de fora - o loiro disse. O mesmo foi até a parte traseira da picape e ficou encostado ali, contemplando o céu e a sua irresponsabilidade. Sua mãe estava muito certa em algumas de suas críticas. - Vou deitar na frente da porta e esperar a minha mãe.
- Você sabe que não. - Michael riu, se aproximando de seu namorado.
- Eu sei, mas era uma chance de ficarmos sozinhos sem ninguém, o que foi bem difícil nesta semana.
- Estamos sozinhos agora.
- Estamos.
Michael, então, abriu a abertura que dava para a traseira da caminhonete. O moreno engatinhou para o fundo da mesma e se sentou ali, esperando Luke se aproximar, o que Hemmings fez logo em seguida, se sentando ao lado de seu namorado. Os dois observaram o céu cheio de nuvens pesadas.
- Vai chover amanhã, mas não qualquer chuva, estão falando sobre um suposto temporal - Luke comentou.
- Acho que já era hora - respondeu -, faz tempo que está chovendo pouco.
- Verdade.
- A tempestade chegará em Holy Way.
- Só espero que as pessoas fiquem seguras nessa chuva toda que estão prometendo - Luke disse e Michael concordou, então ficaram em silêncio.
Enquanto quietos, Michael aconchegou Luke em seu peito, passando o braço ao redor do ombro do loiro, que se apoiou no corpo de Clifford. Os únicos barulhos ali eram os das árvores balançando, dos animais da noite e das respirações de ambos. Nunca pararam naquele local, só sabiam que não tinha casas há quilômetros de distância e que era bem afastado. Estavam sozinhos.
- Às vezes eu odeio o quão protetora ela é. - Luke não precisava especificar quem era, ele estava falando de sua mãe.
- Por quê?
- É difícil. Eu sei lá.
- Pode falar, Luke.
- Não sei, me sinto desconfortável em reclamar da minha mãe para você.
Luke era, muitas vezes, curto e grosso quando precisava contar algo, mas, acima de tudo, sincero, e Michael gostava disso.
- Anos que nós nos conhecemos e você ainda tem isso?
- Eu sempre terei.
- Está tudo bem, Luke, sério - Michael o tranquilizou. - Acho que eu já passei da fase menino perdido sem mãe.
Luke levantou sua cabeça e o olhou com carinho. Michael continuava nessa fase e, provavelmente, sempre estaria nela. Ele não tinha superado a morte de sua mãe, sentia a sua falta e vivia pensando em como seria uma realidade em que ela estivesse viva, Luke sabia tudo isso.
- Você não passou, não.
- Não passei, mas não é mais como antes - concordou. - Agora, continua o que você estava dizendo.
- É difícil, sabe? - Luke começou, cedendo. - Ela faz tudo pensando em como eu reagiria e o que aconteceria comigo, etc. Eu aprecio muito isso da parte dela, o que ela sente por mim e eu, por ela. Mas, às vezes, é demais. Eu sinto como se ela não me ajudasse a tomar uma decisão, mas, sim, as tomasse por mim.
- Todas as decisões que você tomou na vida não vieram dela, Luke.
- Eu sei que não - respondeu, lembrando-se que a última vez que tomou uma decisão sem se importar com a opinião de sua mãe foi ficar com Michael. - Mas muitas decisões que eu tomei e ela teve que aceitar, foram escondidas. Como você.
- Você não tomou uma decisão sobre mim, foi impulsivo mesmo.
- Verdade, mas arquei com o que se desenrolou a partir do nosso primeiro beijo. Ainda que eu estivesse surtando, as decisões foram minhas.
- Ela só está tentando te proteger, Luke. Tudo que ela faz, é pela tua proteção.
- É claro que você pensa como ela - disse com desgosto.
- Como assim?
- Porque você é igual.
- Eu não sou igual a tua mãe. Isso até soa estranho.
- Mas é, sim! - insistiu. - Vocês dois agem como se fosse preciso me proteger, ou tomar decisões por mim, como se eu fosse frágil, e eu não sou. Eu não sou!
- Luke, você tem duas pessoas que querem o melhor para você.
- E eu agradeço, mas ignoram também o que eu quero.
- Isso é muito dramático. Eu nunca tomei uma decisão por ti, ou já? - perguntou, mas logo acrescentou: - Sem contar o baile da cidade, eu queria fazer algo especial para você.
- Não, Michael, você, em questão, ainda não tomou uma decisão por mim. Mas a minha mãe já, algumas vezes, e sinto que ela não vai parar tão cedo.
- Talvez ela tema por você ser tão impulsivo algumas vezes.
- E eu imagino que ela tem que deixar eu me dar mal algumas vezes para aprender com os meus erros.
- Alguns erros são irreparáveis, Luke, e ela só quer te proteger disso, e eu também - argumentou. Luke estava certo, porém estava difícil admitir para o loiro. - Nossa relação de amizade começou com eu te protegendo, é complicado abandonar o hábito.
- Eu sei, mas eu só quero que percebam que eu sou mais forte do que vocês acham que eu sou.
- Eu tenho certeza que você é forte - concordou, porque achava mesmo.
- Você se acha forte, emocionalmente falando?
- Não sei, eu espero que sim - respondeu, dando de ombros.
- Eu acho você muito forte, mas também acho que você, talvez, tenta esconder as fraquezas muito bem.
- Mostrar suas fraquezas é estar vulnerável.
- Mas estar vulnerável faz parte do ser humano, não dá pra ser inabalável sempre.
- Você quer que eu chore o tempo todo? - Michael perguntou rindo.
- Ser vulnerável não é chorar o tempo todo, e você sabe disso. E seria bom se você o fizesse, porque, se chorar é colocar o que se sente pra fora, você deve guardar muita coisa dentro de ti.
- Nós podemos trocar de assunto? Isso 'tá muito filosófico demais.
- Pensei que você gostasse de conversas assim.
- Eu gosto, mas, para uma noite tão linda, está tudo profundo demais.
- Você está fugindo, isso sim.
- Também.
Eles voltaram a ficar em silêncio. Michael parecia tranquilo com a falta de conversa, já Luke, nem tanto. Ele queria conversar com o seu namorado, não precisava ser uma conversa profunda - como a anterior -, mas só conversar. Clifford passara a semana afastado, encontrando Luke no fim da tarde, perto da hora que sua mãe voltava do trabalho, depois jantava com os Hemmings, ficava um tempo a mais conversando e ia embora em seguida. Eles não dormiram juntos desde a noite do baile. E Luke não fazia a mínima ideia do que manteve Clifford tão ocupado durante a semana, tão ocupado que, quando oferecia ajuda, Michael negava categoricamente, dando um belo de um sorrisinho.
- Então, você é um virgem - Luke disse e Michael deu risada.
- Essa é uma ótima forma de puxar assunto.
- Eu sei - brincou. - Mas não muda o fato de que você é. Isso me pegou de surpresa.
- Acho que pegaria a cidade inteira.
- Provas de que essa cidade é muito pequena.
Uma pergunta apareceu na cabeça de Luke, um tanto pessoal para Michael, mas importante para a relação que envolvia os dois. Ele não estava com muita coragem de fazê-la por conta da vergonha, mas a curiosidade já corroía tanto o seu interior que ele começou as suas tentativas para soltá-la.
- Então, ahn...
- O que foi, Lu?
- Nada, é que...
- Sim? - Michael disse, tentando instigá-lo a terminar o pensamento.
- Quando você pensa sobre... sabe - Luke começou, envergonhado -, você se imagina por cima ou por baixo?
Michael riria se ele não estivesse se sentindo tímido também.
- Ah, sei lá - respondeu. - Eu tenho certeza que os dois lados estão, sabe, sentindo prazer, então por que se imaginar sendo um, em específico?
- Você está dizendo...
Ah, foda-se, Michael pensou.
- Eu estou dizendo que tanto faz ser a pessoa que penetra ou é penetrada, quando eu penso sobre, eu aprecio ambos. Entendeu melhor agora?
- Sim, só queria ouvir você dizer.
- Então, e você? - Luke nem precisou pensar muito a respeito, se identificava com Michael nisso.
- Eu estou na mesma que você.
- Ah, interessante.
- Com quantos homens você já ficou? - Luke perguntou, mesmo com medo da resposta.
- Dá pra contar nos dedos.
- Não sei se isso me tranquiliza, você tem vinte dedos.
- Nos dedos de uma mão.
- Não! - Luke negou, chocado. - Eu duvido.
- É verdade. Foram só três, quatro contando contigo.
- Não pode ser.
- Mas é, a decisão partiu de mim - contou. - Eu poderia, sim, ficar com muitos caras, e ter ficado com eles na mesma proporção que eu fiquei com garotas, pedidos não me faltavam pra isso.
- Então por quê?
- Porque não era real. Eu beijava direto muitas garotas, e muitos homens gays que eu conheço da Purple Light faziam o mesmo que eu e, quando possível, beijavam quantos homens podiam, assim como muitas mulheres faziam o mesmo também. E eu não fiz porque, sei lá, eu queria algo que fosse real e especial, sabe? Não sei como explicar, eu já beijava garotas de fachada e então eu beijaria mais outras pessoas que significavam nada, era tudo muito raso e sem valor. Por um bom tempo, os sentimentos que eu tinha por ti, mesmo sem te tocar ou beijar, eram mais reais do que qualquer outra coisa que eu tive.
- Então os três homens que você ficou não significaram nada pra você?
- Bem...
- O quê?
- O primeiro significou bastante. Eu tinha quinze anos, foi o primeiro garoto que eu beijei e que eu quase fiz algo a mais também, então foi especial.
- Quinze anos? Eu conheço ele? - perguntou. Os dois sempre foram inseparáveis, o que fazia ser bem possível Luke conhecê-lo.
- Na verdade, sim - Michael confirmou. - Ele era um ano mais velho, um pouco mais baixo que eu, cabelo preto e olhos cor de mel, nós nos conhecemos naquele acampamento em Blue River que nós fomos, lembra?
Luke já estava com o seu corpo ereto, encarando Michael com os seus olhos arregalados e sua boca aberta num O.
- Michael, você pegou o filho do pastor?
- Sim, mais conhecido como Christian.
Anos atrás, houve um grande acampamento da igreja na cidade de Blue River, que ficava ao lado de Holy Way. Era o acampamento que reuniria os integrantes das duas grandes e principais igrejas cristãs das cidades, feito para ensinar sobre a palavra da Bíblia e também como viver ao ar livre. Muitas pessoas iriam, principalmente adolescentes, por ser o público alvo do acampamento desde o começo - já que era um pretexto muito bom para a igreja dar uma de casamenteira e tentar formar bons casais cristãos a partir do evento. Como muitos adolescentes que frequentavam a igreja iriam, nesse grupo estava incluído, claro, Alexa Nolan, que na época ainda era a garota por quem Luke era apaixonado.
O loiro estava tão a fim da garota que acabou comprando duas entradas para o acampamento, uma para ele, ainda que mal frequentasse a igreja, e outra para Michael, que nem era visto passando na frente do local. Depois de muito implorar, Luke conseguiu convencer Clifford a ir com ele e que era por uma boa causa. Michael, como um bom amigo, concordou em ir, mesmo que já estivesse odiando o passeio desde o momento que disse sim.
Mas os acontecimentos se desenrolaram uma surpresa para Clifford.
- Como assim o Christian? Eu não estou... Vocês estavam mesmo muito próximos mas eu... Meu Deus, Michael!
- Foi o que ele disse.
- Ridículo. Pode contar a história?
- Você quer mesmo? Já surtou por saber de quem eu estava falando.
- Como não surtar? É o filho do pastor de Blue River!
- Ele odiava ser chamado assim, gostava mais de Chris, ou Christian mesmo.
- Ficaram bem íntimos então.
- De certa forma, sim.
- 'Tá, conta aí.
- Bem, eu o conheci junto contigo, naquele acampamento, durante as apresentações. Eu lembro do quão surpresas as pessoas daqui estavam ao me ver lá, e que eu não estava sendo tão bem recebido assim entre os membros da igreja de Holy Way no evento, mas ele foi... diferente. Ignorando o que as pessoas estavam falando, Christian me deu oi e disse que eu era bem-vindo, mas de uma forma calorosa. Eu pensei que ele estava fazendo isso só por ser o filho do pastor, que tem que ser legal o tempo todo, e eu até estava certo por um lado, mas não totalmente. Ele estava sendo legal comigo porque era o filho do pastor, porque era educado, porque tinha me achado um gatinho, mas, acima de tudo, porque ele era mesmo legal.
"Então, a primeira noite tinha chegado ao fim, e nós estávamos na mesma barraca, lembra? Você já estava dormindo quando eu saí e comecei a andar pela floresta em que estávamos. Eu passei um tempo sozinho até que não estava mais, que foi quando ele se aproximou. Ao me notar ali, ele disse que estava sem sono e eu respondi que eu também não estava, e nós começamos a conversar. Mas na primeira noite o nosso encontro foi totalmente sem querer, já nos outros dias, não.
"Nós passamos uma semana naquele acampamento, e todas as noites, quando todo mundo parecia estar dormindo, eu saía da minha barraca e o encontrava, ou ao contrário. Nas duas noites após a primeira, nós agimos como se fosse uma coincidência nos encontrarmos, depois não mais. Tinha algo entre nós que nem eu ou ele sabíamos o que era.
"Até que descobrimos na última noite. Ele e eu estávamos no mesmo lugar de sempre, conversando. E eu não sei o que deu eu mim - talvez a mesma coisa que deu em você na casa da árvore quando me beijou pela primeira vez -, que fez eu beijá-lo. Diferente de mim, ele não foi trouxa em ficar parado e chocado, porque ele retribuiu, até acho que ele estava vivendo uma fase rebelde para fazer tal. Nós nos beijamos durante a noite toda, e só paramos meia hora antes das pessoas acordarem e voltamos para as nossas barracas como se nada tivesse acontecido.
- Agora parando pra pensar, você estava diferente naquela semana mesmo - Luke lembrou pensativo.
- Você teria notado muitas coisas se tivesse tirado a sua cabeça um pouco da Alexa.
- Tem razão.
- E o que estava diferente em mim?
- Você não estava reclamando tanto do acampamento, até disse que estava divertido. Estava pouco se fodendo com as implicâncias de Garrett e me ignorando bastante também, o que foi sacanagem - Luke disse, chateado por algo que aconteceu anos antes. - E sem falar naquela vez que estavam fazendo duplas de garotos e garotas e esse Christian aí te convidou para ser a dupla dele e você aceitou sem hesitar! Ainda sinto raiva disso.
- Quanto rancor, Lu.
- Esperava o quê? Vocês ficaram todo amiguinhos durante acampamento e depois também.
- Amiguinhos - Michael repetiu, sua voz cheia de ironia.
- O que aconteceu depois do acampamento?
- A ideia era seguir as nossas vidas, o que eu achei que ele faria. Eu estava fazendo, tentando ao menos. Até que um dia, de repente, o pastor da igreja de Holy Way foi até a minha casa e disse que queria falar comigo, e eu senti o meu sangue gelar só com as possibilidades que passaram na minha cabeça do que ele queria conversar. No final, quem queria falar comigo não era o pastor da igreja de Holy Way, mas, sim, o de Blue River e, claro, seu filho.
"Eu tinha contado para Christian que eu não era muito de igreja e que as pessoas da cidade sabiam e com isso ele encontrou uma brecha. Dissera para o seu pai que ficara próximo de mim e que queria me dar uma chance para conhecer a palavra de Deus, de um ponto de vista mais jovem, etc, etc. Sabe, esses papos de igreja. E o pastor de Blue River comentou isso com o pastor de Holy Way, o que os trouxe para cá. E nós marcamos que todos os sábados do mês, Christian viria para a minha casa e falaria de Deus para mim.
- Imagino o quanto vocês falavam sobre... - disse Luke sarcástico.
- Realmente não era o ponto principal dos nossos encontros, mas ele sempre lia ao menos uns dois versículos da Bíblia antes de fazermos qualquer coisa. Assim ele não estaria mentindo totalmente.
- E tudo acontecendo debaixo do meu nariz. É por isso que você fazia tanta questão em ir nesses encontros.
- Uma vez ele até me disse que sentia ciúmes de você, mas eu disse pra ele não se importar, que nós éramos só amigos - contou rindo. - Então...
- Você mentiu pra ele.
- Na época eu estava falando a verdade.
- O que aconteceu para acabar?
- Como toda fase rebelde chega ao fim, ele começou a se afastar. Os nossos encontros que eram todas as semanas, passaram a ser só duas vezes por mês. Quando nos encontrávamos, durava muito pouco, e ele também tentava manter uma distância física, porém nem sempre.
"Um dia, então, nós estávamos no meu quarto - onde ficávamos normalmente -, nos beijando e estávamos quase, sabe, se pegando pra valer, mas ele me afastou bruscamente. Eu fiquei sem entender nada até que ele me disse não consigo mais ficar perto de você sem querer tirar a tua roupa. Nós tínhamos quinze e dezesseis anos, os nossos hormônios à flor da pele, tanto eu quanto ele queriam tanto isso. Por isso eu respondi para Christian um então tire. Mas ele começou a chorar.
"Chris começou a falar não posso repetidamente e eu perguntei o motivo, ele citou aquele famoso versículo da bíblia, de Levítico alguma coisa, que diz: com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é. E eu disse pra ele que nós poderíamos fazer de pé ou de quatro, que ninguém se deitaria.
Luke começou a rir com o que Michael dissera para o garoto.
- Isso é tão fora do clima da história.
- Eu sei, Christian riu também - Michael disse, soando triste. A lembrança de Christian rindo enquanto chorava ainda o assombrava.
- Entendi - disse sério.
- Eu sabia o que ele queria dizer, muito bem até, tanto que, mesmo com esse comentário, eu não tentei convencê-lo do contrário, foi apenas uma piada. Eu nunca fui um crente, mas eu ainda não tinha a noção de que sentir atração pelo mesmo gênero não era errado. Mesmo ficando com ele, mesmo sabendo que eu só me sentia atraído por homens, ainda soava errado, eu ainda me sentia errado. Não consigo imaginar o quão pior ele deveria se sentir. Então, mesmo não acreditando em Deus, eu sabia que, se fosse mesmo real, o meu lugar no inferno já estava reservado, mas ele ainda tinha chance de ir para o Céu. E eu nunca mais o vi.
- E depois tudo aquilo aconteceu - Luke comentou, as imagens da época passando como um filme em sua cabeça.
Lembrou-se que de um dia para o outro a cidade começou a olhar Michael com uma expressão pior do que já olhavam. Antes Clifford era só o garoto que não ia a igreja, dessa vez, ele se tornou o garoto perdido que não tinha mais chances. O loiro soube, através de alguns moradores, que Christian tinha desistido de tentar levá-lo para a igreja, e que o filho do pastor dissera que Michael era um caso perdido e nada mais que isso, não tinha mais jeito, ele nunca seria tocado por Deus.
Na época, Luke se revoltara porque Michael não era nada disso, não ia para a igreja nem era um religioso, mas eles soavam como se Clifford fosse um criminoso ou algo pior, o próprio Diabo, e ele não era isso, nem um pouco. Reclamou muito a respeito para Michael e esperou uma reação do mesmo, mas nada veio. Ele só deu de ombros e disse que não se importava, que se Christian pensava isso dele, foda-se, não ia tentar mudar a cabeça do filho do pastor.
Luke só percebera naquele momento que as palavras de Michael não eram de uma pessoa brava que finge não se importar para ficar bem, mas, sim, de alguém que tivera seu coração quebrado recentemente.
- Você não fica bravo por ele ter mentido sobre você? Por dizer tudo aquilo? - o loiro perguntou.
- Na época, sim, mas hoje em dia, não. Até acho que ele sabia o que estava fazendo.
- Como assim?
- Depois do ocorrido, as pessoas começaram a me ver, oficialmente, como o caso perdido, um maldito badboy. - Fez careta. - E, bem, a figura do badboy sempre foi algo muito máscula e heterossexual, e eu sou isso para a cidade, não? No fundo, ele estava me protegendo.
- Sabe o que aconteceu com ele depois?
- Ouvi uns boatos de que Christian ficou noivo com uma garota que ele conheceu naquele mesmo acampamento, e também que está seguindo o caminho de ser pastor, como o pai.
Michael ainda achava essas informações dolorosas. Não sentia nada por Christian - não mais - entretanto, além de Luke, ele foi quem chegou mais perto de seu coração. Mas não só por isso, sabia que Christian era como ele, que só se sentia atraído por homens, não era como o Luke, que também sentia atração por mulheres. O filho do pastor estava vivendo uma mentira, uma mentira que ia contra ele mesmo. Christian, em si, era uma mentira feita por seus pais e todos em sua volta. E, por Deus, Michael questionava-se quando pensava no assunto, mentir também não era contra Bíblia?
- Você chegou a amá-lo?
- Não, mas eu sei que poderia.
Saber que Michael tinha chegado tão perto de amar Christian e que tivera seu coração quebrado pelo mesmo ao vê-lo se afastar, deixava Luke com sentimentos confusos. Não sentia ciúmes, mas a ideia de que tudo acontecia tão perto dele o transtornava, não só sobre Christian, mas a sexualidade do moreno em si. Como era possível Clifford estar experienciando tantos sentimentos de uma só vez e Luke não foi capaz de ver nada? Lembrava de sentir na época que algo estava estranho e, ainda que tentasse conversar, nunca chegava muito longe com Michael. Mas talvez ele deveria ter tentado mais.
Talvez. Talvez. Talvez. De quantos talvez a história deles estava sendo formada? Eram tantos até então. Sem contar os que ainda estavam por vir.
- E os outros dois homens que você ficou?
- Ah, nem lembro os nomes - Michael disse rindo, fazendo Hemmings o acompanhar.
Eventualmente, Luke acabou caindo no sono. A combinação do silêncio que caiu entre os dois e os barulhos da noite, o abraço quente de Michael em seu corpo e o ritmo constante dos batimentos cardíacos do moreno em seu ouvido, assim como o carinho que Luke estava recebendo em seu cabelo, o fez desmaiar de sono.
Michael o acordou por pouquíssimos segundos para Luke conseguir ir até o banco do passageiro e o deixou encostado na janela para dormir até o caminho de sua casa. Também o acordou quando precisou de Hemmings de pé, para o acompanhar da saída do carro para a casa e, então, os dois subirem sem jeito as escadas e irem para o quarto do moreno, onde Luke pôde deitar numa cama e dormir. Michael o observou se ajeitar rapidamente, sem acordar por um momento sequer ao deitar-se. Quando Luke dormia, ele dormia mesmo.
Como não estava com sono e, ainda por cima, estava com sede, o moreno desceu novamente as escadas para ir até a cozinha e beber um pouco de água. Enquanto bebia o líquido, notou que a porta para o quintal estava aberta e, não só isso, tinha uma presença no lado de fora. Matilde estava sentada no pequeno sofá da varanda, olhando para o céu com uma expressão séria e fumando um cigarro.
Espera, cigarro? Desde quando ela fumava? Michael se perguntou quando viu.
O moreno constatou que ela sentiu a observação já que se virou de repente para sua direção. Matilde parecia tranquila com seu olhar, ainda que estivesse fumando, tanto que o chamou para ir até ela. Michael olhou ao seu redor para saber com quem sua madrasta estava falando e se surpreendeu ao perceber que era ele mesmo quem ela queria. Isso era estranho demais para ser verdade.
Mesmo parecendo uma péssima ideia, ele foi. Quando chegou, ficou ao lado do sofá que ela estava sentada, de pé. Olhou para a extensão do quintal, o céu, para qualquer lugar, exceto ela, não se sentia confortável para isso. Até que fora impossível evitar e quando a olhou, percebeu que Matilde já estava o olhando.
- Quer um cigarro? - perguntou.
Como Michael não negava cigarro, no próximo momento ele já estava com um aceso entre seus lábios, o tragando.
- Como Luke está? - a mulher indagou casualmente.
- Está bem. Está dormindo no meu quarto.
- Ah, ele está aqui?
- Sim.
- Você vai dormir no quarto de hóspedes?
- Não, vou dormir no meu quarto mesmo. Vou improvisar uma cama no chão.
- Entendi. - Matilde tragou seu cigarro. Ela parecia tão experiente no ato que Michael questionou-se quando ela começou a fumar. Pelo jeito que fumava, poderia ser muito tempo atrás. - Tem cobertores no closet do quarto dos hóspedes, pode pegar alguns lá dentro para improvisar sua cama.
- Eu pegarei.
- E como está a mãe dele?
- Bem também.
- Que bom.
Depois de um breve silêncio, Michael não se segurou dentro dele.
- Eu sei... sobre tudo - contou.
- Ótimo.
- Ótimo?
- Sim, ótimo - confirmou a mulher. - Agora eu não preciso mais ficar me questionando se você sabe ou não, e paranoica com o que você é capaz de fazer com a informação.
- Não está mais, então? Eu ainda posso contar para a cidade inteira que Ian é um bastardo.
- Não acho que você me contaria que sabia antes, ou que faria isso tão próximo da data da sua ida. Você vai embora mesmo, Michael, se retira de uma vez dessa família que nunca foi sua.
Não havia provocação, maldade ou qualquer outro sentimento na voz de sua madrasta que não fosse a verdade. E Michael concordava com ela.
- Deveria ser minha, pertence mais à mim do que à você e Ian.
- Tem certeza, Michael?
- Absoluta, Matilde. Eu era só uma criança para você roubá-lo assim de mim e fazê-lo não se importar mais comigo.
- E como sempre a culpa cai na mulher.
- Não te faz, Matilde, você odeia esse discurso.
- E eu odeio, mas devo concordar com algumas coisas.
- Claro, o que te provém.
- Michael, presta atenção - pediu, séria -, eu não roubei o teu pai de ti e nem fiz com que ele se afastasse. Ele já era um homem bem grandinho para tomar suas próprias decisões.
- Isso quer dizer que...?
- Se ele escolheu Ian, é porque Ian era melhor pra ele do que você.
Ainda depois de anos, Michael sentiu uma fisgada em seu coração, muito bem conhecida por ele.
- Mas...
- Michael, sua família era a sua mãe, não seu pai. Por isso que Ian e eu não o roubamos de você, ele nunca foi seu.
- Eu era só uma criança e fazia de tudo para ele, para ele me amar, mas foi em vão - revelou, se arrependendo logo em seguida de suas palavras.
- Ele te ama - corrigiu. - Não tanto quanto Ian, mas te ama, só que, ele não gosta de ti. Você o lembra muito a ela...
- Mas ele a amava.
- Ele amava, sim, a tua mãe. Mas ser lembrado constantemente da pessoa que você amou, como um espírito na casa, pode ser cansativo e repulsivo. Depois que vocês saíram da Austrália, a lembrança dela em você o preenchia, mas, quando ele quis seguir em frente, a tua presença o colocava pra baixo. Entenda ele. No fundo, a culpa é sua por ser muito parecido com ela.
- Como eu posso ser culpado por algo assim!?
- Todo mundo aqui é culpado, Michael. Ele, eu e até mesmo você.
- Então, quando você o fazia ficar mais com Ian do que comigo...
- Eu não o fazia, eu pedia e ele ia, sem pensar duas vezes. Como eu disse, a tua presença o deixava mal.
- Quando você falava mal de mim para a cidade - Michael continuou sua lista -, quando deixava bem explícito para mim que eu não fazia parte da família de vocês, você se sentiu culpada?
- Um pouco, sim, mas não tanto.
- Ugh, isso tudo é tão... ridículo.
- Michael, eu te juro, na época eu queria tanto que o meu lado maternal tivesse despertado para você, mas isso não aconteceu. Eu só te vi como uma ameaça para Ian e para mim. Sua similaridade com a tua mãe era algo terrível e eu tinha que tomar uma frente, eu tinha que fazer seu pai, que poderia apreciar essa semelhança ou repugná-la, pensar o quanto isso era um obstáculo para ele viver em paz. Então eu tinha que fazê-lo abrir os olhos, em senti-la como um peso em suas costas, o deixando pra baixo, como eu me sentia com a tua presença e semelhança com a tua mãe. E ele o fez, sem muito esforço, porque ele já se sentia dessa forma.
- Você é um monstro.
- A verdade é dura, eu sei. Acho que o pior de tudo foi te deixar no escuro por tanto tempo.
Michael não sabia o que dizer. Poderia ofendê-la o quanto quisesse, poderia negar ou até mesmo fazer um estardalhaço de tanto espernear, tudo isso não a fazia menos certa. A ideia de entender e concordar com Matilde o dava vontade de vomitar, e, pior ainda, ser grato por ela contar toda a verdade para ele o fazia quase desmaiar. Era impossível pensar que sentiria algo assim a respeito dela, mas estava sentindo, porque ela o tirou do escuro - como dissera -, dos eternos questionamentos do porquê seu pai não o amava, do porquê o ignorava e preferia Ian do que ele. Agora, ele sabia. E a verdade dói, mas, ao menos, é a verdade.
- Admito que depois de um tempo eu até fiquei feliz em vê-lo com Luke. Ainda que eu não goste da mãe dele e do Luke em si, ver que você conseguiu encontrar um lugar me deu um alívio no coração.
- Para você se sentir menos culpada?
- Sim, por isso mesmo.
- Não se sentiu aliviada da culpa quando queria que a minha amizade fosse com Garrett e batia a minha cabeça na parede por isso - disse com rancor.
- Não tinha pensado a respeito no momento, mas a tua amizade com um Nolan seria muito bom para a família, melhor que um Hemmings, que já tinha o nome manchado pela vergonha em Holy Way. Mas a tua amizade com Luke o fez se afastar e isso foi bom para ambos os lados.
- O nome manchado pela vergonha em Holy Way - Michael repetiu, pensativo. - Se soubessem que você é como ela, pior ainda.
- Mas não saberão, não é, Michael? - Os olhos de Matilde tinha nada além de segurança. Michael até chegou a pensar que ela estava blefando, mas não, parecia sincera e segura de que ele não faria nada e, mais uma vez, ela estava certa.
- Meu pai sabe?
- Ele sabe. Ele até mesmo deu o nome dele para Ian, então, se você não sabe ou nunca percebeu, Ian é um Gordon também, seu irmão.
- Que droga. - E tragou o cigarro uma última vez. Ele observou a mulher se levantar e arrumar o roupão que estava usando, pronta para voltar para dentro de casa.
- Acho que nunca conversamos tanto - ela disse rindo, como se o fato de viverem anos na mesma casa e não terem sequer conversado mais de dois minutos fosse engraçado. E, de fato, era, porque Michael riu também. Já foram tantas desgraçadas ditas na sua cara durante poucos minutos, então, por que não rir das palavras mais leves?
- Não que tenha me feito falta te ouvir - respondeu e ela riu. - Ao menos, eu ganhei um cigarro.
- Pode pegar a carteira de cigarro inteira se quiser, eu recém tinha aberto - ofereceu e Michael aceitou, colocando no bolso de sua calça.
- Eu sei que nós não conversaremos mais - ela disse e Michael concordou -, mas eu espero que você tenha uma boa vida, Michael. Por incrível que pareça, eu espero mesmo, mas que seja longe.
- Isso é uma despedida?
- É a primeira de muitas que você receberá das pessoas, eu acho.
- Está meio cedo.
- O verão passa num piscar de olhos e nós não perderemos mais tempo um com o outro, é o momento certo.
E ela foi embora.
Não demorou muito para Michael também seguir seu caminho para o andar de cima da casa. Antes de ir para o seu quarto, ele passou no quarto dos hóspedes e pegou os cobertores que Matilde havia falado sobre - para fazer a cama improvisada no chão -, não achava que ela iria verificar mas, por precaução, os pegou. Quando chegou no seu quarto, notou que Luke estava um pouco acordado.
- Onde você estava? - perguntou, sonolento.
Michael cheveou a porta por dentro, caso alguém tentasse entrar, e colocou a carteira de cigarro dentro de uma gaveta e, então, foi deitar-se na cama ao lado do seu namorado.
- Fui tomar água.
- Hm, pensei que não dormiria comigo.
- Como eu ousaria? - indagou, rindo.
O moreno colocou seu braço ao redor de Luke, que logo caiu no sono novamente. Já Michael passou um tempo acordado, sentindo a mão do seu namorado segurando a sua e o tronco do loiro em volta de seu braço.
Tantas coisas foram ditas que seu pensamento não conseguia se focar em uma só. Se sentia estranho por não se sentir tão mal quanto esperava com as palavras de sua madrasta. Eram a verdade e esse é o preço pago por ela.
No entanto, pensava nos caminhos da vida e tentava ser positivo a respeito disso. E se tudo o que aconteceu me levou até aqui? Até o momento que eu tivesse Luke em meus braços, respirando tão perto de meu coração?, Clifford se questionava. Nunca fora uma pessoa tão positiva assim, mas estava tentando ser. Ter Luke junto com ele, seja como amigo mas, principalmente, como seu amor, era uma recompensa maravilhosa, ainda que não apagasse os acontecimentos anteriores. Mas era nisso que ele se focava.
Porém, ainda que Matilde tivesse dito muitas coisas, uma, em particular, ficara na cabeça de Michael.
Enquanto olhava para a janela do quarto, que tinha a sua cortina aberta e a vista para a casa da árvore, justamente o lugar do primeiro beijo dos dois, Michael lembrou-se das palavras o verão passa num piscar de olhos e isso fez o seu aperto ao redor do loiro aumentar levemente, porque Matilde estava, mais uma vez, certa.
eu gosto desse cap
e FUN FACT: esse capítulo deveria ser muito maior, mas eu cortei, talvez um dia eu mostre a parte cortada, sei lá
honestamente, a piada do "nós podemos fazer de pé ou de quatro" foi uma das melhores coisas que eu já criei na vida
espero que vocês tenham gostado