"Vou passando pela prova dando Glória a Deus, Glória a Deus, Glória a Deus"
Não estava interessada em escutar a voz do Céu me pressionando mais uma vez, em razão disso, não movi um músculo para me levantar e atender a chamada.
Porém, assim que o celular deixou de tocar, minha mãe entrou em meu quarto e foi direto para minha escrivaninha, onde o aparelho estava carregando a bateria.
— Menina, não vai atender? — Ela pegou o aparelho na mão e conferiu a tela. — Era o Eric, filho do pastor Sérgio.
Levantei em um pulo e tomei o celular da mão dela. Eu precisava de uma solução referente ao pedido do Céu, e o Eric provavelmente estava me ligando para me dar uma resposta em relação ao meu pedido.
— Precisa de alguma coisa, mãe?
— Ah! Sim, querida. A Hanna está desocupada na sala, por isso vim chamar você para fazermos um devocional das mulheres.
— Vamos sim, mãe! — Olhei para a tela do celular em minhas mãos quando ele voltou a tocar. — Vou só atender essa ligação e irei ao encontro de vocês.
— Está bem, querida.
Mamãe deu um beijo em minha testa, me deixando sozinha em seguida.
— Alô?
— Amberzinha, minha flor, não estava querendo me atender? Desse jeito vou ficar magoado — Eric brincou usando uma pitada de seu característico galanteio.
— Ahn! Não foi isso não — desconversei, pensando que na verdade eu não queria atender por imaginar ser outra pessoa.
— Vou direto ao ponto, moça. Talvez, possa ser que tenha conseguido aquele favorzinho para você.
— Sério? Tão rápido? — o questionei.
— Tudo que faço é com êxito, querida. Sempre busco o triunfo em minhas empreitadas. — Ele usou todo seu charme me deixando desconcertada, mesmo a distância.
Fiquei tão atrapalhada que nem consegui responder. Então, ele continuou.
— Pois bem, minha cara, eu posso ter conseguido fazer aquele favor pra você, mas, primeiro, preciso saber se você conseguiu aquilo que pedi.
— E-eu, posso estar tentando também — respondi meio incerta, mas ao lembrar que sem aquelas informações o Céu não nos deixaria continuar a pregar, fui mais firme ao falar novamente. — Mas, você sabe, Eric, não vou deixar você na mão, só preciso de tempo.
— Tudo bem, linda. Consegui o número da Vanessa, estou enviando para seu Whatsapp agora. — Ele fez uma pausa. — Encaminhado.
— Obrigada, Eric! — Eu estava realmente grata, ele havia tirado uma parte do peso nas minhas costas. — Agora preciso desligar, minha mãe está me esperando.
— Tchau, Amber. E lembre-se da sua parte no combinado.
Quando finalizamos a ligação, imediatamente cliquei no número que ele havia me enviado. Meu coração disparou e eu segurei a respiração quando, após o terceiro toque, ouvi a voz doce da Vanessa atendendo do outro lado.
◇
Quando chegamos ao morro, as palavras ditas por minha mãe no devocional pela manhã conflitavam de alguma maneira com o papel que eu tinha cuidadosamente dobrado no meu bolso. "Agora que temos Jesus, como filhas obedientes temos de nos esforçar para parecer mais com Ele. Deus é santo, e Ele quer que sejamos santos também".
Respirei fundo e balancei a cabeça, mudando meus pensamentos. Eu realmente cria que estava fazendo a coisa certa, principalmente depois de ter passado mais de uma hora conversando com Vanessa.
Não foi difícil convencer a menina a falar. Quando expliquei que estávamos começando o trabalho no morro da Luz, eu ainda era muito inexperiente, sendo que ela vivia a mais tempo que nós nessa condição pregando no morro rival, Vanessa imediatamente se mostrou disposta a ajudar. Descreveu minuciosamente a situação deplorável com a qual o Cavalo Manco tratava os trabalhadores de bem, obrigando-os a pagar uma taxa alta, caso quisessem garantir a proteção de suas famílias. De alguma maneira, durante o relato dela, percebi que o morro da Luz não vivia aquela mesma realidade, e que talvez os moradores corriam sérios riscos se fossem surpreendidos por uma invasão do morro adversário.
Enfiei a mão no bolso me certificando de que o papel estava lá e senti novamente as minhas pernas estremecerem.
Naquela manhã, o morro estava uma verdadeira bagunça. Parecia feira de domingo com toda aquela aglomeração de gente, todos falando ao mesmo tempo. Muitos ali não conversavam, mas gritavam para se fazerem ouvidos. As mulheres estavam super produzidas, usando maquiagens extravagantes, saltos altíssimos. Elas mais pareciam ter saído de um comercial do restart. Cada cor vibrante! Umas roupas... Melhor mesmo não comentar.
Com todo aquele alvoroço, provavelmente não conseguiríamos visitar as casas, teríamos de abordar as pessoas por ali mesmo.
Para piorar, Kim não estava presente. Pela manhã ela havia telefonado avisando que não poderia estar com a gente, pois a coitadinha estava ardendo em febre.
Olhando para aquela desordem eu me senti completamente desorientada. O pobre do Noah não tinha nem para onde olhar, dada a falta de modéstia das mulheres.
— MISSIONÁRIO, MISSIONÁRIO! — um menino de mais ou menos dez anos, chegou ao nosso lado gritando. — Vem comigo! O homem, missionário, ele precisa! Vem comigo, bem ali numa casa.
— Calma, garoto — Noah pediu. — Eu não estou te entendendo. Respira, se acalma e aí você fala.
— Moço, eu preciso de você ali. — A criança voltou a falar com a mesma agitação anterior, agora acompanhada por um choro sofrido.
Eu não estava entendendo nada, e dada a cara do Noah, desconfiei que ele também não.
— Amber, ele precisa de nós. Não sei qual a situação, mas vamos segui-lo e descobrir o que é. — Noah falou, depois virou-se para o infante. — Vamos, nos leve até a casa.
— Não. Só você! A moça fica, é um assunto de homem.
Noah já ia protestar, mas eu concordei em ficar e o assegurei que permaneceria no mesmo lugar, para que ele pudesse me achar fácil quando voltasse. Ainda meio desconfiado, ele saiu para socorrer o menino.
Porém, quando perdi ele de vista e escutei o barulho de uma moto chegando por trás, percebi que algo de errado estava acontecendo.
Não foi surpresa nenhuma ver o capacete estendido para mim. Era um claro chamado dele para eu, de novo, subir ao local em que me alertaram a não ir. Montei na moto do Pão e seguimos ao encontro do Céu.
Durante aquele percurso, me preocupei com meu amigo. Pensava que precisaria ter prudência, aquele território não era meu e eu não sabia o que aqueles homens eram capazes de fazer quando desrespeitados. Minha única certeza era que, realmente, estávamos sendo vigiados.
Céu dessa vez me esperou no mesmo lugar da primeira vez quando me levou ali em cima, na beirada da grade de metal.
— Se você e aquele missionário estão no meu morro, é porque você tem notícias para mim.
Tudo que eu havia preparado para falar simplesmente sumiu de minha mente ao perceber, pelo tom de sua voz, como estava o humor dele. Ou melhor, o seu mau humor.
— O gato comeu sua língua, belezura? — Céu virou-se para mim. — Você está com medo, Amber? Eu consigo ver o pavor em seus olhos, o temor está irradiando pelos seus poros.
Céu foi falando e se aproximando de mim, e quanto mais próximo ele chegava mais medo eu sentia. Quando ele tocou em meus braços, o pânico se instaurou por completo e eu não conseguia mexer nenhum músculo do meu corpo para me afastar.
— Não precisa ficar com medo, pregadora. Aconteceram uma paradas aí e eu estou nervoso mesmo. — Rindo ele se afastou de mim. — Não pretendo fazer nada com você.
— E-eeee meu amigo? Foi você que mandou aquele menino chamar ele?
— Para uma crentelha, até que você é esperta, meu deleite.
— Não sou crentelha e muito menos seu deleite. — respondi altiva, sentindo o medo indo embora e minhas forças retornando.
— Vamos direto ao ponto, missionária. Fui bem claro e se você está aqui, devo concluir que já conseguiu informações.
— Me responda primeiro! — Dei um passo em direção ao Céu. — Cadê o Noah? Onde está meu amigo?
— Amber, você está no meu morro. Quero informações e quero agora. — Céu terminou aquela sentença quase sussurrando. Ele estava usando todo o seu autocontrole e eu fui capaz de perceber sua extrema irritação.
Com receio, levei a mão até o bolso onde estava guardado o papel com as respostas que ele queria.
— Pode pegar — falei entregando a folha. — Meu contato foi bem claro a respeito das informações. Quando o Cavalo Manco sai, todo o morro tem toque de recolher e ao menos 10 homens o acompanham. Aí tem outras informações as quais julgo que sejam importantes.
Céu leu o papel lentamente, parecendo saborear cada letra desenhada na folha branca e amassada. Quando ergueu a cabeça, tinha um sorriso malicioso nos lábios.
...
Ei, pessoal! Viram a nossa capinha nova? Deixe seu voto e nos diga o que estão achando!
E.G.