SUN-HEE
Brigar com Hoseok é um saco porque ele é maravilhoso e quando me magoa, magoa para valer. Odeio o fato dele sempre achar que eu não sei o que estou fazendo ou que estou sendo negligente comigo mesma.
Dessa vez ele cismou de que eu não estava tomando meus remédios da maneira correta e, pelo menos dessa vez, ele estava errado.
— Eu já te disse que estou seguindo o tratamento direitinho! — Ver Hoseok duvidar de mim, estava começando a me irritar.
— E você deve se lembrar que da última vez parou de tomar seus remédios e eu que descobri depois. — Seu tom de voz denunciava um misto de mágoa e raiva.
— E eu não tenho motivos para mentir, principalmente, para você. — Sua dúvida chega a me ofender.
Hoseok pega minhas mãos — Sun-Hee, sei que não tem motivos para mentir, eu só me preocupo com você —Ele respira fundo — Me preocupo porque sei que sem os seus remédios você vai enlouquecer.
"Enlouquecer", eu odeio essa palavra. Ouvi-la saindo da boca dele me faz odiá-la ainda mais e dói tanto que solto suas mãos imediatamente.
Sua expressão muda drasticamente, Hoseok percebeu a merda que acabou de fazer — Me desculpe, eu não... — O interrompo, colocando meu dedo indicador sobre sua boca.
— Shiu, não se preocupe – Pego minha bolsa e vou em direção a saída, me virando antes de abrir a porta — Você vai descobrir o que é enlouquecer Jung Hoseok. — É tudo o que digo antes de ir embora, deixando um Hoseok muito confuso para trás.
Vou direto para casa, preciso de um banho bem quente e demorado, e assim o faço. Durante o banho, não deixo de pensar no que ele havia-me dito. Hoseok sabe muito bem quem usava essa palavra comigo.
O filho mais velho da irmã da minha mãe, meu primo HeeWoo, foi quem me fez entrar em parafuso e achar que eu era louca. Ele é 3 anos mais velho que eu, porém sempre fomos próximos e nos aproximamos ainda mais quando entrei na adolescência.
Saíamos juntos, ele me apresentava amigos mais velhos e naquela época eu me sentia livre. Entretanto, as coisas começaram a mudar, HeeWoo ficou agressivo e possessivo comigo. Me levava a uma festa, de repente começava a gritar comigo e me puxava para fora de lá. Uma vez ele me puxou tão forte que desloquei o pulso, HeeWoo me implorou desculpas e me convenceu a dizer que eu havia caído.
Me machucar, pedir desculpas afinal teve um dia difícil e eu o havia estressado. Esse era o ciclo vicioso dessa relação abusiva, que durou alguns meses. Até que um dia, cansado das minhas desculpas e mentiras, Hoseok viu um dos meus roxos e me pressionou a falar o que estava acontecendo. Acabei contando tudo a ele. Não estava suportando mais o peso de ser usada e mal tratada.
Hoseok ligou para os meus pais e quando eles chegaram, explicou tudo que havia acontecido. Eu me sentia tão culpada que não conseguia dizer nada. A princípio meus pais não acreditaram nas palavras de Hoseok, mas depois de verem escoriações e marcas em meu corpo se deram conta de que era real.
Papai e Mamãe ficaram chocados e decidiram fazer de tudo para que HeeWoo fosse punido pelos seus atos. Fomos até a delegacia, contei tudo o que eu havia passado ao delegado, que me conduziu até um lugar onde eles me examinaram, e tiraram fotos dos meus machucados. Hoseok não saiu do meu lado em momento algum.
HeeWoo planejou fugir, mas foi preso depois de roubar um carro e ser perseguido pela polícia. Foi mandado direto para um reformatório e depois encaminhado para uma instituição psiquiátrica. Ele era um tremendo manipulador, conseguia mentir e enganar todo mundo, inclusive eu. No começo, quando ele explodia e começávamos a brigar, achava que o problema era comigo e me desculpava. HeeWoo me fez acreditar que eu estava enlouquecendo.
" Você vai enlouquecer e ninguém, além de mim, vai ver". Ele sempre me dizia isso depois de uma briga, suas palavras ecoavam na minha cabeça por horas. Às vezes, ainda o escuto sussurrando em meu ouvido.
Quando os primeiros sintomas de depressão e ansiedade apareceram, eu de fato achei que havia enlouquecido. Alguns dias ainda acho, mas ouvir da boca do Hoseok que eu vou enlouquecer dói e muito.
Assim que saio do banho ouço meu celular tocar, é Hoseok. Apenas desligo e vejo que ele já me mandou dezenas de mensagens e me ligou algumas vezes. Decido ignorá-lo e vou até meu armário escolher uma roupa bem bonita, afinal hoje vou sair para dançar, beber e sabe-se lá mais o que. Coloco meu melhor vestido, um salto alto preto, passo um pouco de maquiagem, ajeito meu cabelo, pego minha bolsa e saio.
JIMIN
Eu e Hyun nos conhecemos em um festival de artes, ele estava expondo suas obras e eu em uma excursão da faculdade. Eu lhe dei meu número, afinal sejamos diretos e objetivos. Passado alguns dias começamos a sair, e estamos nessa já fazem uns meses, nesse meio tempo ele mais fica comigo no meu apartamento do que qualquer outra coisa.
Nesses meses que estamos saindo percebi que realmente gosto dele e consigo sentir que é recíproco, então decidi que hoje irei o pedir oficialmente em namoro. Mando mensagem dizendo que tive um imprevisto e que chegarei mais tarde, mas que se ele quisesse, poderia me esperar no meu apê. Como Hyun já deixou claro que não gosta de ficar na minha casa, sozinho, vai ser fácil arrumar tudo e depois ir buscá-lo.
Consigo sair mais cedo do trabalho, passo na confeitaria buscar os cupcakes que havia encomendado, depois vou em uma adega comprar o vinho que ele mais gosta, por fim passo na floricultura comprar flores e sigo rumo ao meu apartamento.
Estaciono na garagem do prédio, como não consigo pegar tudo de uma vez, pego a enorme caixa com os cupcakes e saio do carro. Acho que esse elevador nunca demorou tanto para chegar ao décimo sexto andar, estou ansioso.
Saio do elevador indo em direção a minha porta, assim que tento abri-la noto que a mesma está destrancada. Estranho, mas devo ter esquecido de trancá-la quando sai apressado hoje cedo.
— Agora só faltam as flores e o vinho. – Falo comigo mesmo ao colocar os cupcakes em cima da mesa.
Estou prestes a sair, quando escuto o chuveiro ser ligado. Meu coração para, tem alguém aqui.
Pego a primeira coisa que acho na frente, uma frigideira, e começo a me aproximar do banheiro. A porta está levemente aberta, me aproximo mais um pouco e escuto a risada gostosa de Hyun. Ufa, é só ele.
— Você me assustou querido. — Digo abrindo a porta por completo e me arrependendo no mesmo instante.
Hyun está ajoelhado entre as pernas de um homem, com o membro do mesmo na boca. Jogo a frigideira no chão tamanho choque, essa sem dúvida foi a pior coisa que já vi na vida.
Os dois se assustam com a minha presença, Hyun se levanta em um pulo e eu fecho a porta antes que ele possa dizer algo. Vou até à cozinha, Hyun vem correndo atrás de mim.
— Jimin eu posso explicar! — Ele parece desesperado.
Abro o armário, pegando um copo — Acho que um boquete é auto explicativo. – O encaro — Você não acha? — Ele não responde, sua expressão demonstra confusão.
Abro a geladeira, pegando o jarro de água e enchendo meu copo. Antes que eu possa fechar a porta da geladeira, as mãos de Hyun me impedem — Jimin, a gente precisa conversar.
Não consigo conter o riso, isso o deixa ainda mais confuso — Você não está irritado? Não vai gritar comigo ou algo do tipo?
— Na realidade, estou decepcionado comigo. Afinal, durante 4 meses não consegui ver o cara sem caráter, mentiroso, sujo e podre que você é! – Tomo toda minha água, deixo o copo em cima da pia e pego a caixa de cupcakes — Pegue todas suas coisas e deixe sua chave na portaria. Quando eu voltar não quero vê-lo aqui. – E apenas saio de casa.
Mais uma vez o elevador parece demorar uma eternidade, agora para descer os 16 andares. Eu me sinto um idiota, como não percebi que Hyun é um merda?
Finalmente chego no subsolo, vou direto até meu carro, jogo a caixa no banco do passageiro e saio dali o mais rápido possível. Preciso desabar, mas não aqui. Dirijo até um parque mais ao sul da cidade, estaciono num lugar meio deserto e desato a chorar sobre o volante.
Me sinto tão quebrado, é como se eu pudesse sentir os pedacinhos cortando cada parte das minhas entranhas. Como eu pude ser tão burro?
Levanto o olhar para o vidro da frente e observo a paisagem lá fora. A maioria das árvores quase não tem folhas e o céu começa a mostrar os primeiros sinais da noite.
Me olho no espelho retrovisor interno, meu reflexo está deplorável. Olhos inchados, nariz e lábios vermelhos — Park Jimin, você não vai estragar esse seu rostinho de princesa por causa de macho escroto, eu me recuso a aceitar isso!
Limpo minhas lágrimas — Você vai parar de chorar por quem não te merece — Respiro fundo — Vai comprar uma roupa maravilhosa e vai sair hoje a noite
— Vai se foder Hyun! — É tudo o que eu digo, antes de arrancar com o carro.
SUN-HEE
A boate está cheia hoje, finalmente o bar tender me atende — Um shot de Vodca, por favor – O homem coloca um copo de dose em minha frente e o enche.
— Mais uma, por favor. — Digo após virar de uma vez toda a bebida.
O homem sorri ladino e me serve mais uma dose. O líquido ainda desce queimando minha garganta, afinal não bebo nada alcoólico há 5 meses.
Muitas outras bebidas vieram em seguida, não sei ao certo quantas. Pego mais uma e me levanto para ir até à pista de dança, porém sou impedida.
— Meu Deus, me desculpe — Um homem, pouco mais alto que eu, cabelos loiros e usando uma jaqueta de lantejoulas coloridas, acabou de derrubar a sua e a minha bebida completamente em mim.
Ele parece extremamente nervoso, essa cena me faz ter um ataque de riso, que se intensifica com a cara de confusão do rapaz ao me ver rindo desse jeito. O rapaz se dirige até o balcão, onde pega alguns guardanapos e tenta, sem sucesso, secar meu vestido.
— Sério, me desculpa mesmo — Ele quase implora por perdão.
— Tudo bem, não se preocupe — Dou o meu melhor sorriso, na esperança que ele entenda que está tudo realmente bem.
— Seu vestido é tão lindo e eu estraguei tudo — O rapaz parece realmente arrependido — Tem algo que eu possa fazer para compensar esse incidente?
— Não se preocupe, eu nem gostava desse vestido mesmo. Sério, não esqu... — Na realidade tem uma coisa que ele pode fazer por mim sim — Quer saber, hoje eu tive um dia extremamente lastimável, resolvi sair para me divertir. — Faço uma pequena pausa e então prossigo — Que tal dançar a próxima música comigo?
Um sorriso de orelha a orelha se abre em seu rosto — Nós vamos nos divertir e muito! — Ele pega minha mão e me leva até o meio da pista de dança.
— Algo me diz que essa noite vai ser incrível! — Ver a euforia em suas palavras me faz sorrir, um sorriso de admiração talvez.
A música é interrompida e uma nova se inicia. No primeiro milésimo de segundo da melodia, sinto meu corpo se arrepiar. Conheço perfeitamente essa canção e ela é perfeita para o momento.
O rapaz me olha incrédulo, como quem também concorda que essa é a música perfeita. Habits, ou também conhecida como Stay High, é uma daquelas músicas sobre relacionamentos que deram errado ou estão em uma fase deplorável. Daqueles que você se sente no fundo do poço e sempre tem que se manter entorpecido com algo, para esquecer que essa decepção te deixa extremamente deprimido e doente.
O ritmo é contagiante, damos as mãos, pulamos, rodamos e dançamos como se não houvesse o amanhã. Assim que outra música se inicia, sinto meu estômago revirar do avesso. Vou vomitar.
— Eu ach... — O rapaz agarra minha mão e me puxa para fora da pista de dança.
Entramos aos tropeços dentro do banheiro feminino. Não tenho tempo de pensar, o que acontece em seguida é o resultado de uma grande quantidade de bebidas misturadas em um estômago quase vazio.
— Calma, vai ficar tudo bem — O rapaz segura meu cabelo com uma das mãos, enquanto a outra afaga minhas costas.
Me sento ao lado do vaso sanitário, encostada em uma das paredes da cabine — Você está bem? — Ele me questiona, sentando em minha frente.
Começo a rir — Nunca estive melhor.
O rapaz também ri e estende uma de suas mãos — Aliás, me chamo Park Jimin.
Aperto sua mão — Prazer, me chamo Sun-Hee
Meu celular começa a tocar, é Hoseok — O que você quer? Eu já falei tudo o que eu tinha para falar com você, me dá um tempo – Desligo furiosa.
— Namorado? — Park Jimin me questiona.
— Pior, melhor amigo que pisou feio na bola e agora quer conversar — Passo as mãos no rosto — E eu não estou em condições emocionais de conversar com ele, só que ele é muito insistente quando quer algo.
— Eu sinto muito que você esteja chateada — Ele pega minha mão — Ei olha para mim – Levanto meu olhar até o dele — Vai ficar tudo bem, ok?
Não consigo evitar e lágrimas escorrem pelo meu rosto, Park Jimin parece ter um bom coração — Ei, por favor não chora ou eu vou chorar também.
Fico muda, afinal ele realmente começa a chorar. Choramos juntos e depois tudo se transforma em um misto de choro e riso confuso e doido. Novamente meu celular começa a tocar, Hoseok é incansável.
Park Jimin aponta para o meu celular. — Posso? —Sem pensar muito, apenas entrego o aparelho em suas mãos.
— Não, aqui não é a Sun-Hee Park Jimin fala calmamente. — Cara, ela precisa de um tempo ok? Deixa ela respirar um pouco — Ele parece tentar acalmar Hoseok.
Consigo ouvir a voz de Hoseok do outro lado da linha, mas não entendo o que ele fala — Quem sou eu para falar o que é melhor para ela? — Park Jimin fala com ironia
— Eu sou o cara que está concertando a merda que você fez para ela. Posso ser qualquer um, mas pelo menos eu a faço sorrir ao invés de chorar — Ele desliga logo em seguida.
Park Jimin estende sua mão e me devolve o aparelho — Me desculpe, mas ele foi extremamente grosseiro comigo e eu não me contive.
— Tudo bem, na verdade eu te agradeço por isso — Ele só fez o que eu não consegui.
Um pequeno sorriso surge em seu rosto — Você se sente melhor?
— Não muito, acho que vou para casa — Digo já me levantando e quase caindo pela tontura.
Ele se move rapidamente e me impede de cair — Ei, calma — Começo a rir — Vamos, eu te levo para casa.
Park Jimin me escolta até a saída da boate, andamos até a esquina e ele me ajuda a entrar em seu carro. Me sinto aliviada em sentar. Durante todo o trajeto, senti como se minhas pernas tivessem vida própria e estivessem tentando me sabotar para cair.
Ele se aproxima — Com licença — Suas mãos pegam o cinto de segurança e o afivelam.
— Você não bebeu, né? — Posso estar levemente alterada pelo álcool, mas responsabilidade em primeiro lugar.
— Eu dei um gole na minha bebida e então a derramei em você — Rimos lembrando da situação.
Ficamos em silêncio por um instante, o encaro e Park Jimin tem seu olhar perdido em algum lugar lá fora. É possível sentir que ele também não teve um dia bom, seu rosto está calmo, mas vejo em seus olhos um mar de confusão e tristeza.
Pouso minha mão em seu ombro — Lembra o que você me disse? — Ele apenas me olha enquanto eu prossigo — Vai ficar tudo bem Park Jimin
Ele recosta seu rosto em minha mão, seus olhos se enchem de lágrimas e logo as mesmas caem pelo seu rosto — Obrigado — Sua voz soa como um sussurro.
— Que tal agora um sorriso bem bonito, hein? — Digo ao apertar uma de suas bochechas
Instantaneamente uma risada gostosa invade o ambiente — Obrigado mesmo, de coração. E pode me chamar só de Jimin tá?
— Combinado Jimin — Dou ênfase ao dizer seu nome e ele sorri sem mostrar os dentes.
Passo meu endereço para Jimin, o mesmo coloca as coordenadas no GPS, liga o carro e seguimos para minha casa. Durante o percurso não conversamos muito, o rádio está ligado e algumas músicas tocaram antes de chegarmos ao meu destino final.
Jimin estaciona em frente ao meu prédio — Prontinho, chegamos.
Faço uma breve reverência — Obrigada por tudo que fez por mim hoje, eu sou muito grata a você.
— Não precisa agradecer, fiz de coração.
— Posso te pedir uma coisa? — Ele concorda com a cabeça e eu prossigo — Se eu te passar o meu número, você me avisa que chegou bem em casa?
— Não sei se vou voltar para casa, mas posso avisar quando chegar onde vou dormir hoje. — Um sorriso meio triste surge em seus lábios.
— Obrigada — Faço uma pequena pausa pensando no que dizer em seguida — Quer subir? Posso fazer um café ou algo do tipo.
Ele sorri sem graça — Obrigado, mas eu não posso aceitar.
— Por que não?
— Não acho que seja uma boa ideia, você precisa descansar e tudo mais. — Jimin parece meio tímido.
— A casa não é muito grande, mas seria um prazer te receber. Venha qualquer dia, está bem? — Um sorriso quase imperceptível se forma em seus lábios.
— Está bem, obrigado Sun-Hee — Seus olhinhos se estreitam conforme seu sorriso cresce.
Jimin anota meu número em seu celular, nos despedimos e ele vai embora. Fico parada na calçada observando seu carro avançando cada vez mais para longe, até desaparecer.
Passo pela portaria, entro no elevador e aperto o rotineiro botão número 5. Assim que chego em casa tiro meus sapatos, coloco minha bolsa na mesa e vou direto para o meu quarto. Paro em frente ao espelho e observo meu estado, cabelo volumoso, maquiagem borrada, vestido completamente manchado. Um belo retrato do fracasso de hoje.
JIMIN
O tráfego de carros esta grande pelas ruas da cidade, paro atrás de uma pequena fila de veículos que espera o semáforo abrir. Olho através da janela e noto que uma garoa fina começa a cair, acabo me distraindo e sou fisgado de volta a realidade ao ouvir inúmeros protestos de motoristas, buzinando para que eu saísse logo da frente.
Um som de origem desconhecida me chama atenção, meu celular está preso no suporte bem em minha frente, logo não é dali que o som vem. Paro no acostamento, meus olhos vasculham o ambiente a procura do que é que possa estar emitindo tal som. Ao passar as mãos no assento do passageiro percebo que algo parece vibrar embaixo do mesmo.
Abaixo meu corpo ligeiramente e estico um de meus braços, após alguns segundos minha mão direita toca um objeto. É o celular de Sun-Hee.
Um tal de Hoseokie é quem está ligando. Atendo a ligação, uma voz irritada me interrompe antes mesmo que eu possa dizer algo — Finalmente Sun-Hee, eu estava quase chamando a polícia! Onde você está?
— A Sun-Hee esq... — O rapaz do outro lado da linha me corta e começa a gritar
— Você de novo? Puta merda! — Uma risada exasperada surge do outro lado da linha — Estou extremamente preocupado e ela está, sabe-se lá onde, com um cara qualquer
É o amigo mal-educado que ligou mais cedo, a ironia em sua voz me enoja — Primeiramente, vamos começar com você abaixando a voz e tendo um mínimo de respeito por mim. Quando fizer isso poderemos conversar – Encerro a chamada assim que termino de falar.
A arrogância dele me irritou tão profundamente, que acabo tendo que contar mentalmente até dez para não soltar alguns xingamentos. Ele liga novamente, dessa vez resolvo não atender.
Preciso devolver o celular dela, então regresso a estrada, fazendo o retorno e voltando para onde acabei de sair. A casa de Sun-Hee. Ao chegar, estaciono em frente ao condomínio e observo os dois pequenos prédios feitos de tijolos, um ar vintage paira sobre eles. Os prédios vizinhos são modernos, esse contraste é um tanto quanto interessante. A localização é muito próxima do centro da cidade, acho que são uns dos poucos prédios antigos que restaram por aqui. Gostei, tem muita personalidade.
Pego o celular de Sun-Hee, saio do carro, acionando o alarme do mesmo e caminho até a portaria do outro lado da rua.
Toco o interfone — Boa noite, em que posso ajudar? — Uma voz calma surge do pequeno aparelho
— Boa noite, uma amiga que mora aí esqueceu o celular comigo e eu voltei para devolver.
— O senhor poderia me dizer seu nome e o apartamento que deseja visitar por favor? — O homem da portaria me responde.
— Me chamo Park Jimin — Um pequeno frio na barriga começa a surgir — O nome dela é Sun-Hee, porém não sei em qual apartamento ela vive.
A resposta vem quase que instantaneamente — Sinto muito senhor, mas eu preciso saber qual é o apartamento dela. Sem essa informação não poderei te liberar para entrar.
— Sério? Nem consigo ligar para ela liberar minha entrada porque o celular dela está comigo — Solto um suspiro de frustração — Será que eu poderia deixar o aparelho na portaria para que ela pegasse depois?
— Nós não estamos autorizados a deixar pertences dos moradores na portaria, desculpe. — O frio na barriga se intensifica.
— Eu sei o telefone dela, o senhor poderia checar na ficha de moradores não é mesmo? A deixei aqui não tem uma hora, ela estava usando um vestido todo manchado, saltos pretos e seu cabelo estava bem desarrumado — Respiro fundo — Por favor, senhor.
O homem suspira pesadamente do outro lado da linha — Um momento — O interfone fica mudo por alguns segundos — Qual o número dela?
Falo o número que ela gravou mais cedo em meu celular, o porteiro pede para que eu aguarde. Após alguns minutos o portão se abre e ele indica para que eu me aproxime.
— A senhorita Sun-Hee liberou sua entrada — Ele aponta para a porta de vidro fumê — 5º andar, apartamento 5 A.
Faço uma reverência — Muito obrigado, uma ótima noite.
Caminho até uma pequena escada com 3 degraus, que dá acesso à porta de entrada, adentro o ambiente e vou até o elevador. Aperto o botão referente ao 5º andar, assim que a porta se fecha, confiro meu reflexo no espelho, e noto meu rosto pálido e meu cabelo desgranhado. Resultado de um dia confuso.
A porta se abre, saio e caminho até o final do pequeno corredor, onde uma plaquinha na parede, sinaliza que ali é o apartamento 5 A. Toco a campainha e aguardo.
— Jimin — Sun-Hee, agora de pijama, cabelos molhados, menos alterada e toda sorridente é quem abre a porta
A cena me faz sorrir — Sun-Hee.
Ela abre passagem — Pode entrar, vou fazer um café.
Eu pretendia apenas entregar o celular e ir embora, mas antes mesmo que pudesse dizer algo Sun-Hee simplesmente foi andando para dentro de seu apartamento. Só me restando entrar e fechar a porta atrás de mim.
O apartamento não é muito grande. Da entrada é possível ver uma pequena cozinha a esquerda, um balcão que divide a cozinha da sala de jantar, um sofá mais a direita com uma pequena mesa de centro de madeira em sua frente, uma estante, que vai do chão até o teto, repleta de livros e uma tv. Há uma pequena varanda ao lado direito do sofá, através do vidro pude notar alguns vasos coloridos com flores e plantas.
Sun-Hee está na cozinha, ela sorri ao me ver — Quer café?
— Sim, por favor — Digo, um pouco sem jeito devido à situação.
— Já está quase pronto, pode se sentar na sala se quiser — Sun-Hee está tão concentrada no preparo da bebida, que não me olha ao falar.
Vou adentrando o ambiente, um pouco receoso, indo até o sofá e me sentando no mesmo. A estante em minha frente me desperta curiosidade, nela há muitos livros. Talvez, mais livros do que já li na vida.
— Me desculpe — Digo ao perceber Sun-Hee parada ao meu lado com duas xícaras de café — Acabei me distraindo.
Ela ri e se senta na outra extremidade do pequeno sofá cinza-escuro — Tudo bem, às vezes eu também me perco olhando essa estante.
Minha curiosidade fala mais alto — Você já leu todos esses livros?
Ela volta seu olhar para a imensidão de capas e páginas — Li boa parte deles , alguns já estavam aqui quando me mudei, já outros fui achando pelas livrarias da cidade.
— É uma bela coleção! — Sun-Hee sorri com o elogio
Deixo minha xícara em cima da mesinha e vasculho meus bolsos — Já estava me esquecendo – Estendo uma de minhas mãos e entrego o aparelho a ela.
— Eu nem tinha sentido falta dele, obrigada por ter voltado para me entregar. — Ela pega o aparelho de minhas mãos — Hoje foi um dia tão ruim, obrigada pela dança e até por não ter deixado eu vomitar no meu próprio cabelo — Sun-He cobre o rosto e ri como uma criança travessa.
Sua risada me contagia — Dançar com você foi maravilhoso, a parte do vômito nem tanto. — Rimos alto
— Pelo visto hoje foi o dia oficial de tudo dar errado né? Pelo menos a noite acabou melhor – Suas palavras tocam um lugar sensível dentro de mim, flashes de Hyun com aquele homem invadem minha mente. Não consigo evitar o choro, apenas desmorono.
Sun-Hee se aproxima e me abraça — Ei, calma. Vai ficar tudo bem.
Seus braços me aconchegam e criam a sensação de conforto que eu precisava. Os sentimentos dolorosos que me ocorreram hoje foram tão fortes, que estão transbordando pelos meus olhos. Como uma represa que rompe ao se encher demais e destrói tudo em seu caminho, esse sou eu, Park Jimin, transbordando aos poucos e sendo destruído por si próprio.
SUN-HEE
Jimin me pareceu muito fragilizado, demorou um bom tempo até ele parar de chorar. Me afasto um pouco, dando espaço a ele.
Após algum tempo ele se pronuncia — Me desculpe por isso, aconteceram tantas coisas e eu só não aguentei.
— Tudo bem não aguentar — Pego em sua mão — Às vezes, tem coisas que ficam pesadas demais para serem carregadas sozinhas.
Seus olhos se arregalam levemente, suas íris negras me encaram — Ninguém nunca me disse isso!
Jimin parece em conflito consigo mesmo — Conheci a pessoa que julguei ser a certa e decidi fazer uma surpresa.Um pedido de namoro — Seus olhos se enchem de lágrimas — Porém , flagrei essa mesma pessoa me traindo com outro cara na minha casa.
Eu não consigo nem imaginar a dor que ele está sentindo, deve ser devastador depositar todo seu amor em alguém e descobrir que seu amor não significou nada.
Jimin abriu seu coração por inteiro, me contou várias coisas e pude sentir o quão doloroso foi para ele ter dito cada palavra. Conversamos bastante, contei algumas experiências que já vivi, falei um pouco mais sobre minha relação com Hoseok e contei sobre minha briga com ele hoje cedo.
O dia estava quase amanhecendo quando Jimin adormeceu bem ao meu lado. Vou até meu quarto, separo uma coberta, um travesseiro e volto para acomodá-lo melhor no sofá. Ele parece estar cansado, dorme profundamente e não acorda quando o arrumo no sofá.
O observo dormir, seu rosto está levemente vermelho pelo choro, mas sua expressão é serena de quem dorme tranquilo. Decido registrar esse momento, tirando uma foto sua.
E foi nesse dia, cheio de altos e baixos, que eu encontrei uma preciosidade onde eu jamais procuraria. Park Jimin é a melhor serendipidade que o universo poderia ter me dado.
Esse capítulo foi feito especialmente para minha melhor amiga.
Te amo Marina, você foi a melhor coisa que já me aconteceu.