Ian
-- Você vai abrir um buraco no chão, Ian! -- Jamie exclama de onde está sentado com os gêmeos apoiados em seus joelhos.
-- Eu sei, mas eu não posso fazer nada, então o que você sugere que eu faça? -- pergunto, fazendo uma virada rápida e brusca no fim do corredor e voltando à passos rápidos até o início deste.
-- Eu sugiro que você faça nada sentado como um homem controlado e civilizado. -- revira os olhos.
-- Ah, claro! Assim como você estava quando Lizy deu a luz a primeira vez, não é? Se bem me lembro, você quase arrancou os próprios cabelos quando ela começou a gritar. -- acuso, e com uma sincronia perfeita um novo grito estridente atravessa as portas fechadas do nosso aposento -- Oh, céus, eu vou até lá!
Com rapidez Jamie coloca os filhos no chão e me impede de adentrar no quarto.
-- Vai até lá para desmaiar novamente? -- pergunta rindo de mim.
-- Eu não desmaiei! -- nego veementemente -- Eu apenas tive um súbito mal estar quando vi a vag…
-- Quando viu a cegonha entrando no quarto, certo, Ian? -- Jamie me impede de continuar minha frase, apontando Robb e Owen que nos olhavam do canto, curiosos.
-- Ah. É, aquela maldita cegonha não parece lá muito boazinha. Além do mais, está demorando demais para entregar logo o bebê.
-- Isso demora assim mesmo, não se preocupe. -- Jamie tenta me tranquilizar.
-- Isso é estranho -- Owen começa -- Sofí disse que os bebês vem dos repolhos, tio Ian! Eu até procurei em nossa horta para ver se meu primo estaria lá.
-- Ah, Owen, não é nada disso! -- intervém Robb enquanto dá um tapa na própria testa, exasperado -- Você não se lembra aquele dia que espiamos uma égua do papai dar à luz? Klan disse que a bagina estava … -- sua voz cessa ao receber um empurrão do irmão e imediatamente Robb olha para o pai -- O-ou, eu não devia ter dito isso.
-- Você nos entregou, Robb! E papai vai pensar que a ideia foi minha! -- Owen cruza os bracinhos e suas sobrancelhas se franzem sobre os olhos verdes e travessos iguais aos da mãe.
-- Você tem certeza de que eles ainda tem apenas quatro anos? -- pergunto, rindo, divertindo-me um pouco com a cena hilária.
-- Meninos! -- chama Jamie, autoritário, mas vejo que segura para não rir -- O que eu disse sobre espiar as éguas dando cria? De quem foi essa ideia?
Robb imediatamente olha para o teto enquanto Owen começa a - tentar - assoviar.
-- O quê? -- ele grita -- Sofí está nos chamando papai, até mais!
Owen agarra a manga do casaco do irmão e ambos saem correndo e gargalhando escada abaixo.
-- Pelos deuses! O que eu vou fazer com essa duplinha peso pesado, Ian? -- Jamie ri enquanto olha os filhos descendo as escadas, como um gavião protetor pronto para acudir os filhotes caso seja necessário.
-- Não sei, Jamie... E ainda tem Clarissa que já está engatinhando e agora teremos meu filho. Que os deuses nos ajudem! Logo eles estarão em maior número do que nos! -- passo as mãos pelos cabelos, temendo a quantidade de travessuras, broncas e joelhos ralados que iremos enfrentar nos próximos anos.
Mais um grito ensurdecedor se faz ouvir e logo Agnes sai do quarto, rapidamente vislumbro Missy entre os lençóis ensanguentados, pálida e visivelmente exausta.
-- Está tudo bem, Agnes? Onde você está indo? -- pergunto.
-- Buscar mais panos limpos. -- diz apreensiva e fecha a porta -- A senhora está sangrando muito.
Como uma flecha ela segue atrás dos benditos panos e eu começo uma prece silenciosa, finalmente atendendo pedido de Jamie enquanto me sento no chão do corredor. Seis semanas atrás, quando enfrentamos a ambição e loucura de Patrik Lavin, Missy se feriu e quase entrou em trabalho de parto. Felizmente, com os litros de chás, repouso absoluto e quase dez almofadas sob seus quadris, ela conseguiu aguentar por mais seis semanas até o bebê finalmente estar pronto para nascer com segurança. Mas o médico me alertou que, talvez, Missy teria complicações.
"Eu farei qualquer coisa. Construirei uma casa de caridade, um orfanato, uma igreja. Meus deuses, salvem a minha mulher", imploro. Então, sou invadido com lembranças das últimas semanas: Missy dormindo tranquilamente, Missy lendo meu diário de viagem com lágrimas de alegria e júbilo molhando seu rosto, Missy rindo enquanto eu conversava com o nosso bebê agitado dentro dela, e quando... Um novo grito invade a casa, totalmente diferente dos anteriores. Um choro, forte e estridente, de um bebê que toma o primeiro fôlego de vida.
-- Nasceu! -- grito me levantando e irromopo quarto adentro sem me importar com mais nada.
Nita carrega um pacotinho de gente minúsculo, envolto num pano branco sujo de sangue. Vejo bracinhos e perninhas se agitando enquanto o choro incessante ainda se faz presente.
-- É uma menina! -- ela diz, me apontando a criança.
-- Eu já sabia! -- comemoro, mas ainda não sigo para meu bebê, sigo para Missy e acaricio seu rosto -- Você está bem, querida?
-- Estou cansada, eu só quero dormir, Ian... -- ela diz, e fecha os olhos.
Observo o médico e a parteira que ainda mexem nela ali, e sua palidez e exaustão me apavoram.
-- Ela pode dormir? Missy, acorde! Olhe para mim! Me responda! -- a sacudo.
-- Mackenzie, se eu tivesse forças, lhe daria um tabefe agora mesmo. -- ela sussurra, ainda de olhos fechados.
-- Doutor! Me diga que ela ficará bem! Esse tanto de sangue… -- aponto a cama.
-- Isso é preocupante, mas a sujeira aqui já saiu e o sangramento está quase cessando. Então, tudo que a senhora Mackenzie precisará é de mais um pouco de repouso absoluto, boa alimentação e muito líquido. Entendido? -- o velho homem diz, me acalmando.
-- Certo, certo. Repouso absoluto, entendido. -- concordo -- Pode ficar tranquila, meu bem, vou cuidar muito bem dela.
Mas Missy já dormia profundamente. Agora já em posse do meu controle emocional, dou-lhe um beijo na testa e levanto-me indo até o pacotinho, agora limpo, que Nita carrega até mim. Pego o embrulho no colo e sinto Lizy espiando sobre meu ombro e, num segundo, meu coração ameaça sair pelo peito. Uma coisinha enrugada dorme tão profundamente quanto a mãe, como se estivesse igualmente cansada. Fios castanhos - com um leve toque avermelhado - estão apontando para todas as direções possíveis. Sua pele branca com bochechas gordas e rosadas é tão macia que até tenho medo de feri-la ao mínimo toque. Sequer imaginar que essa menininha possa se ferir me enraivece e ali, a aninhando pela primeira vez, prometo a mim mesmo que ninguém nunca fará tal coisa.
-- Pelos deuses! Eu estou perdidamente apaixonado! -- murmuro e, tardiamente, percebo que estou chorando, e recebo tapinhas carinhosos de Lizy que funga também.
-- Eu sei bem como é, me lembro até hoje a primeira vez que olhei para você, meu menino. -- Nita se aproxima e me dá um beijo no rosto, também emocionada -- Agora saia, Lizy e eu vamos limpar sua esposa.
Concordo e saio dali, não sem antes dar uma olhada em Missy e ver o peito dela subindo e descendo num ritmo estável. Do lado de fora, ainda observo minha filha e me abaixo para dar-lhe um delicado beijo naquela cabecinha cabeluda, tão macia, e o cheiro de jasmim invade meus sentidos.
-- Jasmim, como sua mãe... -- murmuro com ela -- Jasmine. Você gosta desse nome, querida? Combina com você.
Como se concordasse, a bebê solta um lindo suspiro que faz meu coração se derreter. Uma tosse chama minha atenção, Jamie nos observa, visivelmente comovido.
-- Irmão, quero que conheça uma pessoa. Essa é Jasmine Mackenzie, minha filha. -- pronuncio, com minhas palavras transbordando orgulho e felicidade.
Já é noite alta e Missy está dormindo há horas a fio, o que já está me deixando aflito, pois certamente, isso é muito tempo para um bebê recém nascido ficar sem se alimentar. Jasmine, parecendo ouvir meus pensamentos, começa a resmungar novamente e um instinto dentro de mim tem certeza de que a pobrezinha está faminta.
-- Minha princesinha… vamos ter que acordar sua mamãe dorminhoca, não é? -- sussurro enquanto a balanço, tentando acalmá-la, o que é insuficiente já que Jass apenas abre o berreiro.
-- Dê-me ela aqui, querido. -- a voz de Missy, ainda fraca, soa atrás de mim.
Viro-me imediatamente e a vejo desperta, fazendo um esforço para se sentar na cama.
-- Pare! Você precisa ficar deitada! -- exclamo.
-- E como vou amamentá-la deitada, Ian? -- ela ri e termina de se sentar.
-- Eu… não sei. -- passo a mão livre pelos cabelos, frustrado.
-- Me dê minha filha logo, Mackenzie! Eu nem a vi direito ainda! -- pede, estendendo os braços.
-- Nossa filha. -- esclareço, e ela bufa mas não me contradiz -- Vamos, Jasmine, está na hora do jantar.
Sigo até a cama e, com cuidado, passo a bebê para os braços da mãe que imediatamente abre os botões da camisola e a coloca em seu seio.
-- Ela é linda! -- Missy sussurra, acariciando a bochecha da menina que suga vorazmente o leite materno.
-- Perfeita! -- concordo admirando aquela cena.
-- Jasmine, é? Não combinamos de escolher o nome juntos? -- agora ela olha para mim, incisiva.
-- Ela tem seu cheiro. E pareceu… certo. -- explico com um dar de ombros, temendo que ela sugira outro nome.
-- Jasmine... -- ela sorri -- eu gostei. Ela vai demorar um bom tempo aqui, Ian. Venha, deite-se comigo. -- dá uma batidinha no meu lado da cama.
Sem hesitar faço o que minha esposa me pede e a aninho em meus braços, incapaz de ficar longe dela. Longe delas. Missy deita a cabeça em meu peito e solta um suspiro satisfeito.
-- Lembra-se do nosso casamento? -- pergunto -- Eu pensei que seria o dia mais feliz da minha vida.
Missy e eu nos casamos na casa do vigário, só eu e ela, sem convidados. Depois do que passamos com Patrik, não queríamos uma grande comemoração, então tudo que houve na cerimônia foi nosso amor.
-- Eu também pensei, mas… -- ela olha Jasmine, que parece ter dado uma pausa na mamada para descansar.
-- Isso é muito melhor. -- sussurro -- Mas eu tive tanto medo, querida...
A aperto mais em meus braços e inalo seu perfume.
-- Por um momento eu também, mas não me permiti esse sentimento por muito tempo. Além do mais, eu nunca deixaria vocês dois sozinhos. -- essa declaração, mesmo que sem a intenção, me causa uma pontada de remorso no peito ao me lembrar que, um dia, eu as deixei. Como pude fazer aquilo? Pensar que conseguiria viver sem elas?
-- Missy, por favor me…
-- Se pedir perdão mais uma vez, eu vou socar a sua cara enquanto amamento nossa filha. -- ela me interrompe -- Eu não disse isso para afetá-lo, Ian! Não quero ter de ficar pisando em ovos com você, então por favor, esqueça aquilo. Veja isso aqui -- aponta a bebê que voltou a sugar o seio -- Jasmine é nosso futuro agora, e temos de deixar o passado no passado.
-- Eu sei. -- beijo sua boca, num toque suave -- E sabe de uma coisa? Nosso futuro será tão lindo quando nossa filha.
Ambos admiramos Jasmine novamente, que abre os olhos, e notamos que eles carregam a promessa de terem o tom verde exuberante de Missy.
-- Veja só, ela tem meus olhos! Ah, estou tão feliz! -- suspira -- E, de alguma forma estranha, os cabelos dela são iguais aos seus, Ian.
-- Eu te disse que ela é minha filha, amor. -- sorrio e beijo os cabelos ruivos de Missy e um sentimento súbito me domina: sou o homem mais feliz da Escócia.
Tudo isso, graças à senhorita Kedard. Ou melhor, graças à minha querida senhora Mackenzie.