Sem Coração

By Malughiraldeli

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A jovem princesa Deidra precisa se casar, mas seu caminho vai se cruzar com o impiedoso e cruel príncipe Dare... More

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Epílogo

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By Malughiraldeli

Dois dias depois, o castelo estava em polvorosa com a arrumação para o baile que encerrava o torneio. Naqueles dias, Daren tinha se esforçado para ser o príncipe perfeito ou o mais próximo disso que conseguisse. É claro que continuava sendo rude, e Deidra o viu mais de uma vez tratando seus serviçais com brutalidade, palavras ríspidas e gestos de desdém, mas este era o problema: ela agora passava muito tempo procurando vislumbres do príncipe.

Era quase compulsivo como se precisasse ficar encarando-o o tempo todo, até que uma solução brilhante surgisse de algum lugar. Deidra tinha certeza de que ninguém mais passara tanto tempo seguindo Daren quanto ela.

Da janela de seu quarto, tanto no anoitecer do dia em que a beijara e na manhã que se seguiu, ela se descobriu procurando por ele no pátio entre os homens e quando o achou, só deixou a beirada da janela quando definitivamente o perdera de vista. Até se atrasara para o café da manhã por causa dele!

É claro que ele também voltara no dia seguinte para tomar o desjejum em sua companhia, mas não ficou para dar mais uma volta pelo lago, como Deidra achava que faria, pois aparentemente tinha algum compromisso irrecusável que ela não ouviu sobre o que se tratava, pois descobriu-se em meio a uma desconhecida, desagradável e não convidada crise de ciúm... desapontamento. Não que estivesse ansiosa para sair perambulando de braços dados com ele em passeios que terminavam em beijos abrasadores. Nada disso.

De qualquer forma, ela descobriu mais tarde que o compromisso era uma caçada — é claro! Deidra não sabia por que não tinha imaginado isso antes — que resultou em um javali e dois coelhos servidos no almoço real, em que Daren, logicamente, foi o convidado cheio de glória.

Um javali, ou melhor, outro javali, e dois coelhos a menos na bela floresta de Deidra, mas o Sem Coração lhe ofereceu um brinde e um sorriso que a fizeram se sentir nas nuvens pelo resto do dia.

Daren passou a sentar-se ao lado do rei durante as reuniões e ambos pareciam ter assuntos muito importantes para tratar. Talvez um arranjo de casamento? Deidra ficava nervosa só de pensar nisso. Ainda não tinha uma resposta. Devia dizer não e esperar aliviada pelo momento em que o príncipe partisse, quando a paz finalmente voltaria a reinar tanto dentro dela quanto na própria floresta — que a presença de Daren ameaçava —, mas cada vez que se imaginava recusando-o, lembrava-se de alguma pequenina coisa boa que o príncipe fizera.

Talvez por serem tão raras, essas pequenas boas ações aceleravam o coração da princesa e enchiam seus olhos. Atenta a ele como estava, via cada pequenina ação, cada ato e somava qualidades ou defeitos ao homem. Obviamente a lista de defeitos dele era gigantesca e imbatível, mas ela vislumbrou algo que talvez não fosse tão monstruoso dentro dele... como no dia em que devolvera um pássaro ao ninho.

O pequenino estava aprendendo a voar, Deidra vinha observando-o, e naquele dia o passarinho se lançou do carvalho e não voou muito longe antes de cair perto de onde o príncipe passava, puxando seu cavalo pelo cabresto.

Observando-os à distância, Deidra se encolheu. Era o Sem Coração, o caçador impiedoso, e uma criaturinha desamparada caída aos seus pés. Ela certamente esperava que ele o espetasse com alguma coisa e colocasse para assar na fogueira, como o bom ogro caçador que Deidra o imaginava. Mas com as mesmas mãos com que ele conduzira o cavalo assustado outro dia na floresta, Daren pegou o pequenino pássaro, devolvendo-o ao ninho. Julgando-se sem testemunhas, ele assoviou do mesmo modo que aquela espécie cantava — é claro que um caçador habilidoso conhecia o canto dos pássaros e saberia reproduzi-los — e depois de se afastar um pouco, aguardou para se certificar de que a mãe voltaria ao ninho.

Deidra ainda acreditava que ele voltaria e caçaria mãe e filho, mas Daren seguiu caminho e os pássaros continuaram lá.

"Porém, é lógico que ninguém se casa baseado na atitude de salvar um passarinho, por favor!", repreendia-se Deidra ao enaltecer tal ação em sua mente.

Então a noite do baile chegou, na manhã seguinte todos os cavaleiros iriam embora, incluindo Daren e, ainda que ninguém tivesse estabelecido um prazo, ela sabia que precisava dar sua resposta ao príncipe antes que ele partisse, ou seja, naquela noite.

Sentia que se respondesse sim, estaria caindo em uma possível armadilha e se respondesse não, passaria o resto de seus dias sonhando com ele e se perguntando como teria sido.

Diante disso, o que Deidra poderia responder? Ela achava impossível tomar qualquer decisão.

Naquela noite, vestido de vermelho e negro, tão belo como um dos deuses das histórias, Daren a tirou para dançar e eles dançaram a noite toda, todos os tipos de canções. Nem ele, nem ela trocaram qualquer palavra, mas nos olhos dele estava estampada sua espera, a ansiedade por uma resposta que não veio.

Ao fim da noite, ele a puxou gentilmente para um canto mais afastado e lhe roubou um beijo, o mais apaixonado e saudoso de todos, e sussurrou em seu ouvido:

— Venha embora comigo. Venha conhecer Dalriada. — Havia ansiedade em sua voz e Deidra conseguia ver chamas flamejantes ardendo dentro daqueles olhos que a contemplavam.

— Majestade...

— Chame-me de Daren. Nem Majestade, nem Alteza ou Sem Coração... nem mesmo príncipe! Só Daren. Venha conhecer meu reino, quem sabe ao vê-lo não decida se tornar a futura rainha de lá. — Ele parecia tão esperançoso... — Partirei mais tarde amanhã para que tenha tempo de pensar. Eu falei com seu pai, se decidir ir, já estará tudo pronto para a partida. — Ela pensou em se zangar por ele ter se precipitado tanto, típico dele, arrogante e ousado, mas ele a afastou gentilmente, parecendo desamparado.

De todos os seus pecados, talvez daquele Daren não pudesse ser acusado, ele não tinha tomado as providências para levá-la por maldade, apenas ansiava tê-la ao seu lado. O pensamento fez asas de borboleta dançarem no peito de Deidra.

— Mas se não for — ele continuou —, eu entenderei.

Ela quis acariciar os cabelos loiros e o rosto angelical — e diabólico — dele, mas não podia se precipitar. Estavam falando de seu futuro.

— Eu prometo pensar — ela segurou a mão dele por um instante antes de se afastar. — Boa noite... Daren.

Podia conceder ao menos isso ao príncipe.

***

Quando quase todos já tinham se retirado do salão, restando alguns poucos nobres bêbados que teriam dificuldade em cavalgar para casa na manhã seguinte e criados apressados para limpar a bagunça, Daren se aproximou do rei, levando consigo mais um cálice do excelente hidromel.

— E então? — o monarca perguntou. — Como foi com ela?

— Acho que aceitará vir comigo — Daren deu de ombros, já não tão afável como fora com a princesa momentos antes.

O olhar do monarca se tornou mais receoso.

— Sabe que será uma viagem sem volta, não é mesmo?

Daren arqueou uma sobrancelha.

— Achei que Vossa Majestade quisesse que esta viagem assim o fosse. Quer sua filha casada comigo, não quer? — Daren largou a caneca, tornando-se ligeiramente mais ameaçador. — É a única forma de ter algum acesso às riquezas de meu reino, esteja bem certo disso.

O rei ressabiou-se, unindo as mãos.

— E se ela não quiser casar com você, no final das contas?

Daren riu.

— Achei que não estivéssemos dando essa alternativa para ela, Majestade. Cumpri com minha parte, cortejei-a o suficiente, e na frente de todos, para fazê-la querer ir por livre e espontânea vontade para Dalriada.

— Ela ainda não deu uma resposta.

O príncipe rolou os olhos.

— Ela vai para Dalriada comigo, aposto minha coroa. E nós dois sabemos que não há ouro no mundo que faça com que uma jovem princesa visite o castelo e o reino de um príncipe solteiro e volte sem se casar com ele. Ninguém vai acreditar que ela seja tão pura assim — ele sorriu, satisfeito. — Muito menos quando este príncipe é o Sem Coração. — Ele fez aquela insinuação de forma despudorada, embora não fosse sua intenção tomá-la para si enquanto não tivesse posto as mãos no unicórnio. Mas, obviamente, mais cedo ou mais tarde, ela acabaria na cama dele.

Um pensamento lhe ocorreu e Daren franziu a testa.

— Não vai mandar uma acompanhante com ela, vai?

O rei arqueou as sobrancelhas.

— Por mais que eu a queira casada, não posso enviá-la sozinha! — Por mil maldições! Poucas coisas no mundo poderiam atrapalhá-lo mais do que uma acompanhante cheia de recato, pudores e juízo para colocar na cabeça da princesa. Daren bufou. — Mas não se preocupe — o rei assegurou. — Enviarei alguém que não irá interferir nos seus planos.

***

Durante a noite, sem conseguir dormir, Deidra escapuliu para a floresta em busca de inspiração. Sentia que devia partir com o príncipe, mas se o fizesse, algo dizia que nunca mais voltaria a ver sua velha casa, seu poço encantado e toda a magia que ali vivia.

Não havia magia naquela noite, no entanto. Nenhum unicórnio, nem sinal de Embarr.

— Estou partindo — ela sussurrou, olhando para o reflexo da noite estrelada na água do poço. — Não me sigam! — Deidra não sabia para quem dizia isso, talvez para todas as criaturas que cativara ao longo dos anos, que haviam se acostumado com sua presença ali.

Talvez para Embarr e o unicórnio, crianças do deus das águas e da floresta, que talvez a estivessem ouvindo, ainda mais se fosse de fato o cavalo encantado de Níamh. Ela limpou uma lágrima fugitiva.

— Vou sentir saudades, mas é preciso ir. Há outras criaturas para serem salvas e domadas. E amadas.

Outros corações para se conquistar, ela pensou, e estendendo o manto na relva ao lado do poço, ali adormeceu.

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