A Tulipa Negra (1850)

By ClassicosLP

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Obra do francês Alexandre Dumas (pai). More

I - A gratidão dum povo
II - Os dois irmãos
III - O discípulo de João de Witt
IV - Os assassinos
V - O amador de tulipas e o seu vizinho
VI - O ódio de um tulipista
VII - O homem feliz principia a saber o que é a desgraça
VIII - Uma invasão
IX - O quarto de família
X - A filha do carcereiro
XI - O testamento de Cornélio Van Baerle
XII - A execução
XIII - O que se passava entretanto na alma de um espetador
XIV - Os pombos de Dordrecht
XV - O postigo
XVI - Mestre e discípula
XVII - O primeiro bolbo
XVIII - O namorado de rosa
XIX - Mulher e flor
XX - O que se tinha passado durante estes oito dias
XXI - O segundo bolbo
XXII - O desabrochar da flor
XXIII - O invejoso
XXIV - Como a tulipa negra muda de dono
XXVI - Um membro da sociedade hortícola
XXVII - O terceiro bolbo
XXVIII - A canção das flores
XXIX - Como Van Baerle, antes de ...
XXX - Em que se começa a ...
XXXI - Harlem
XXXII - A última súplica
XXXIII - Conclusão

XXV - O presidente Van Herysen

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By ClassicosLP

Rosa, ao separar-se de Cornélio, tomara um partido definitivo.

O de lhe restituir a tulipa que Jacob acabava de lhe roubar, ou de nunca mais na sua vida o tornar a ver.

Vira o desespero do pobre preso, desespero duplicado e incurável.

E de fato, de um lado, era uma separação inevitável, visto que Gryphus soubera, por um acaso imprevisto, o segredo do seu amor e dos seus colóquios.

Do outro, o transtorno de todas as esperanças de ambição de Cornélio Van Baerle, esperanças que há sete anos nutria.

Mas Rosa era uma dessas mulheres que ao passo que desanimam com a mais pequena coisa, se sentem cheias de força contra uma desgraça suprema e acham nessa mesma desgraça a coragem que pode combatê-la, ou o recurso que pode repará-la.

Entrou, pois, no seu quarto e volveu um derradeiro olhar em torno de si, para ver se não se tinha enganado e se a tulipa não estaria nalgum canto onde houvesse escapado às suas vistas investigadoras.

Mas em vão procurou por toda a parte; a tulipa não estava lá, fora com efeito roubada.

Rosa fez um embrulho dos objetos que lhe eram necessários, tirou da gaveta os trezentos florins, fruto das suas economias, isto é, toda a sua riqueza, procurou entre as rendas o terceiro bolbo, que ali estava escondido, meteu-o preciosamente no seio, fechou a porta com duas voltas, a fim de demorar, por todo o tempo necessário para a abrir, o momento em que a sua fuga fosse conhecida, desceu a escada, saiu da prisão pela porta que uma hora antes dera passagem a Boxtel, dirigiu-se a casa de um alquilador de cavalos e disse-lhe que queria alugar imediatamente uma carreta.

Mas o alquilador só tinha uma; exatamente aquela que Boxtel alugara desde a véspera e na qual corria pela estrada de Delft.

Dizemos pela estrada de Delft, porque era preciso fazer um grande rodeio para ir de Loevestein a Harlem; trânsito que a voo de ave não teria chegado a metade.

Mas só os pássaros é que podem viajar em linha reta na Holanda, o país mais cortado de rios, de regatos, de canais e de lagos de todo o mundo.

Necessário foi portanto a Rosa alugar um cavalo, que facilmente lhe foi confiado, por isso que o alquilador a conhecia por filha do carcereiro da fortaleza.

A pobre menina ainda tinha uma esperança, a de encontrar o seu mensageiro, bom e honrado rapaz, que levaria consigo e que lhe serviria ao mesmo tempo de guia e de apoio na acidentada viagem.

Com efeito, ainda não tinha percorrido uma légua, quando o avistou caminhando a passos largos por um dos lados de uma linda estrada que costeava o rio.

Deitou o cavalo a trote e em breve alcançou-o.

O bom do rapaz ignorava a importância da sua mensagem e, apesar disto, caminhava tão depressa como se o soubesse.

Assim é que em menos de uma hora tinha andado légua e meia.

Rosa pediu-lhe o bilhete, que já era inútil, e expôs-lhe a necessidade que tinha dele. O barqueiro pôs-se à sua disposição, prometendo andar tão depressa como o cavalo, uma vez que Rosa lhe permitisse apoiar a mão quer na garupa, quer na cernelha do animal.

A jovem permitiu-lhe que se segurasse ao que quisesse, contanto que lhe não demorasse a marcha.

O caso é que já os dois viajantes tinham partido havia cinco horas, andando mais de oito léguas, e ainda Gryphus não desconfiava de que a filha tivesse saído da fortaleza.

De mais a mais o carcereiro, muito mau homem no fundo do coração, saboreava o prazer de ter causado à filha um profundo terror.

Mas enquanto se felicitava de ter de contar uma tão bonita história ao seu companheiro Jacob, caminhava este também pela estrada de Delft.

Somente, devido ao seu veículo, levava a Rosa e ao barqueiro a dianteira, não muito pequena, de quatro léguas.

No entanto, enganava-se imaginando que Rosa estava toda trémula ou amuada no seu quarto; porque a jovem caminhava diligentemente atrás dele.

Ninguém por isso, exceto o preso, se encontrava onde Gryphus supunha que cada um estava.

Rosa aparecia tão poucas vezes no quarto do pai, desde que tratava da tulipa, que só à hora de jantar, isto é, ao meio-dia, é que o carcereiro deu pela sua ausência e conheceu que a filha, em prejuízo do seu apetite, estava amuada havia muito tempo.

Mandou-a chamar por um dos chaveiros; como porém este viesse dizer-lhe que em vão a procurara e chamara, resolveu-se a ir ele próprio chamá-la e procurá-la.

Foi logo direito ao quarto da filha; mas, por mais que batesse à porta, Rosa não respondeu.

Mandou vir o serralheiro da fortaleza; o serralheiro abriu a porta, mas Gryphus não achou Rosa dentro do quarto, como esta não achara a tulipa.

A jovem acabava neste momento de entrar em Roterdão.

Isto fez com que Gryphus também não a encontrasse na cozinha, como não a encontrara no quarto, nem a achasse no jardim, como não a achara na cozinha.

Suponha-se, pois, qual seria a cólera do carcereiro, quando, depois de ter indagado pela vizinhança, soube que a filha alugara um cavalo e qual outra Bradamanta ou Clorinda, partira como uma aventureira, sem dizer para onde ia.

Gryphus subiu ao quarto de Van Baerle, injuriou-o, maltratou-o, remexeu toda a sua pobre mobília, ameaçou-o com a masmorra, com a enxovia, com a fome e com as varadas.

Estava furioso.

Cornélio, sem dar ouvidos ao que o carcereiro dizia, deixou-se maltratar, injuriar, ameaçar, permanecendo imóvel, prostrado, insensível a todas as comoções, morto para todos os temores.

Depois de ter procurado Rosa por toda a parte, Gryphus procurou Jacob, e como o não achasse, do mesmo modo que não achara a filha, suspeitou de que ele a tivesse raptado.

Entretanto a jovem, depois de ter descansado em Roterdão uma hora, pusera-se de novo a caminho; de sorte que naquela mesma noite dormia em Delft e no dia seguinte chegava a Harlem, quatro horas depois de Boxtel ter ali chegado.

Rosa pediu logo que a conduzissem a casa do presidente da sociedade hortícola, mestre Van Herysen, e achou o respeitável cidadão numa situação, que não poderíamos deixar de descrever sem faltarmos a todos os deveres de pintor e historiador.

O presidente estava redigindo um relatório à comissão da sociedade.

Este relatório era escrito em papel de marca grande, com a melhor letra do presidente.

Rosa fez-se anunciar pelo simples nome de Rosa Gryphus; mas este nome, por mais sonoro que fosse, era decerto desconhecido do presidente, porque negaram o ingresso à pobre rapariga.

Na Holanda, país dos diques e comportas, é difícil transpor os umbrais de uma casa cujo dono se nega a receber alguém.

Mas Rosa não perdeu a esperança; impusera a si própria uma missão e jurara de si para si não se deixar vencer nem pelo mau acolhimento, nem pelas grosserias, nem pelas injúrias.

— Comunique ao senhor presidente — disse ela ao empregado — que venho falar-lhe a respeito da tulipa negra.

Estas palavras, não menos mágicas que o famoso: abre-te, Sésamo, das Mil e uma noites, fizeram com que a porta lhe fosse aberta. Devido, pois, a elas, Rosa penetrou no escritório do presidente Van Herysen, a quem encontrou no caminho para a vir receber com toda a urbanidade.

Era ele um bom homem, baixo, de corpo delgadito, representando com bastante exatidão a haste de uma flor, de que a cabeça formava o cálice; dois braços caídos e pendentes semelhavam a dupla folha oblonga de uma tulipa; e um certo balancear, que lhe era habitual, completava a parecença com esta flor quando verga ao sopro do vento.

Dissemos que se chamava Van Herysen.

— Segundo diz, minha menina — exclamou ele — vem da parte da tulipa negra?

Para o presidente da sociedade hortícola, a tulipa nigra era uma potência de primeira ordem, que, na qualidade de rainha das tulipas, podia mandar embaixadores.

— Sim, senhor — respondeu Rosa — pelo menos venho para falar-lhe dela.

— Está boa? — disse Van Herysen com um sorriso de terna veneração.

— Ah! senhor, isso é que eu não sei — respondeu Rosa.

— Como? Ter-lhe-á acontecido alguma desgraça?

— Uma desgraça bem grande, não a ela, mas a mim.

— Que desgraça?

— Roubaram-ma.

— Roubaram-lhe a tulipa negra?

— Sim, senhor.

— Sabe quem foi?

— Oh! Desconfio, mas ainda não me atrevo a acusar ninguém.

— Mas será fácil de verificar.

— Como?

— Desde que lha roubaram, o ladrão não pode estar longe.

— E porque não pode estar longe?

— Porque o vi ainda não há duas horas.

— Viu a tulipa negra? Viu-a? — exclamou Rosa, chegando-se precipitadamente para Van Herysen.

— Como a estou vendo a si.

— Mas onde?

— Em casa do seu patrão, segundo creio.

— Em casa do meu amo?

— Sim. Pois não está ao serviço de Isaac Boxtel?

— Eu?

— Sim, a menina.

— Mas quem julga então o senhor que eu sou? — disse Rosa.

— E a menina quem julga também que eu sou? — replicou o presidente.

— Eu, senhor, creio que o tomo por quem é, quer dizer, pelo digno senhor Van Herysen, burgomestre de Harlem e presidente da sociedade hortícola.

— E vem dizer-me?...

— Venho dizer-lhe que me roubaram a minha tulipa.

— A sua tulipa é então a do sr. Boxtel. Nesse caso explica-se mal, minha filha, porque não foi a si, mas ao sr. Boxtel que roubaram essa flor.

— Repito-lhe, senhor, que não sei quem seja esse sr. Boxtel e que é hoje a primeira vez que ouço pronunciar esse nome.

— Não sabe quem é o sr. Boxtel e tinha também uma tulipa negra?

— Porquê, há porventura outra? — perguntou Rosa a tremer.

— Sim, há a do sr. Boxtel.

— Como é ela?

— Ora, como há de ser? Negra.

— Sem mancha nenhuma?

— Sem mancha nenhuma, sem a menor beliscadura.

— E tem essa tulipa? Está aqui?

— Não, mas em breve para aqui virá, porque devo apresentá-la à comissão, antes de se conferir o prémio.

— Senhor — exclamou Rosa — esse Boxtel, esse Isaac Boxtel, que diz ser proprietário da tulipa negra...

— E que efetivamente o é.

— Não é assim um homem magro?

— É.

— Calvo?

— Sim.

— Com olhar vago?

— Parece-me que sim.

— Inquieto, acurvado, com as pernas tortas?

— Realmente faz o retrato exatíssimo do sr. Boxtel.

— E a tulipa está numa panela de louça azul e branca com enfeites amarelados que representam um cesto de flores?

— Ah! Isso lá é que eu não posso dizer-lhe, porque olhei mais para a flor do que para o vaso.

— Pois é a minha tulipa, a que me foi roubada, senhor, é toda a minha fortuna, e eu venho reclamá-la aqui agora, na sua presença e ao senhor mesmo.

— Oh! Oh! — replicou Van Herysen, olhando fito para Rosa. — Como! Vem reclamar a tulipa do sr. Boxtel. Com a fortuna! Isso é um grande arrojo.

— Senhor — disse Rosa, um pouco perturbada com esta apóstrofe — não digo que venho reclamar a tulipa do sr. Boxtel, digo que venho reclamar a minha.

— A sua?

— Sim, aquela que eu plantei e que foi tratada pelas minhas mãos.

— Pois bem, vá procurar o sr. Boxtel à hospedaria do Cisne branco e arranje-se lá com ele, que eu cá pela minha parte, como o processo me parece tão difícil de julgar como o que foi presente ao rei Salomão e não tenho a sorte de ser tão sábio como ele, contentar-me-ei com fazer o meu relatório, provar a existência da tulipa negra e mandar entregar os cem mil florins ao seu inventor. Adeus, minha filha.

— Ah, senhor, senhor! — insistiu Rosa.

— Somente, minha filha — continuou Van Herysen — como é bonita, como é ainda nova e não está de todo pervertida, dou-lhe um conselho. Seja prudente neste negócio, porque temos um tribunal e uma prisão em Harlem, e de mais a mais somos em extremo melindrosos acerca da honra das tulipas. Vá, minha filha, vá procurar imediatamente o sr. Isaac Boxtel à hospedaria do Cisne branco.

E, tornando a pegar na sua bela pena, Van Herysen continuou a escrever o relatório interrompido.

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