Noah Urrea
Pra nossa sorte, Any estava sim interessada, e Sina mediou um encontro entre nós para que conversássemos sobre o emprego na semana seguinte.
Esse também foi o período de tempo que tive para me convencer que eu poderia olhar pra Any sem me sentir um pervertido.
É óbvio que eu sou um idiota, porque uma semana depois, quando eu abri a porta de casa pra ela, estava claro que eu não consegui me convencer.
Não, e ao invés disso, eu tinha notadamente suprimido a lembrança de sua aparência.
Deus tenha piedade, eu pensei quando olhei pra ela.
Era apenas quatro horas da tarde, então eu deduzi que ela tinha vindo direto depois da aula.
Uma aula de dança, sem dúvidas.
Calça de lycra preta apertada, rabo de cavalo, e uma camiseta escrito "Julliard". Ah, e uma bolsa de academia.
-"Any "-eu sorri. -"Bom ver você outra vez"- E como era...- 'Entra!"-.
Graças a Deus que resolvi usar calça jeans. Você sabe, mais resistente...
E também, ainda bem que não usei a minha camiseta velha surradinha da Julliard que gosto de pôr pra malhar.
Isso seria demais. Não, a preta que usei estava ótima.
-"Obrigada por aceitar me dar uma chance".- ela respondeu com um sorriso lindo. -"Eu devo dizer que fiquei surpresa quando a Sina mencionou o assunto comigo na academia".
-Ela não é de perder tempo.- Eu ri, e gesticulei para que fôssemos sentar na sala de estar.
"-Verdade"- ela disse assentindo com a cabeça. -"Uau, sua casa é linda", ela murmurou, e eu percebi seus olhos no pequeno piano de cauda que eu tenho num dos cantos.
É meu lar doce lar.
Para ser honesto, é sim um apartamento lindo. Graças à minha mãe e à Sina, claro. Eu não sou muito bom com decoração, mas elas obviamente são.
Quando nós nos mudamos, era um simples apartamento com quatro quartos, uma sala de estar, cozinha, dois banheiros e um corredor.
Mas quando minha mãe e Sina terminaram, eu pude me ver morando aqui pro resto da vida.
E a sala é sem dúvidas um dos meus cômodos favoritos. Com tons de bege, marrom e branco, a sala quadrada era aconchegante e tudo que eu sempre quis. E o sofá aveludado ajuda.
Deus sabe que odiaria morar num lugar desconfortável ou chique demais. E quando se tem crianças, você não quer algo que seja facilmente quebrável, ou perigoso.
Mas o meu favorito da sala era obviamente as janelas imensas. Morar no 15º andar me fornece uma vista incrível do parque, e é definitivamente um dos motivos que me fez querer o apartamento.
-"Obrigado", respondi educadamente.- "Que tal um tour antes de nós conversarmos?"
-"Ótimo. E onde está a Ayla?"
-"Ela vai jantar com os meus pais. Minha mãe toma conta dela algumas tardes da semana." -Eu expliquei.
-"E é por isso que você precisa de uma babá." Ela intui.
-"Exatamente." -Eu assenti com a cabeça.- "Isso, e também porque os próximos meses vão ser bem atrapalhados por causa do trabalho."
Já que a gente virou a esquerda saindo do corredor, eu continuei com ela saindo da sala e nomeando as portas enquanto passávamos por elas: "quarto de hóspedes", "banheiro", "minha sala de música", "meu quarto", pelo qual passamos brevemente, e daí parei em frente ao quarto da Ayla.
-"E esse é o quarto da Ayla." eu disse abrindo a porta.
É rosa. Por todo lado. Todo rosa. Um monte de coisa fofinha e rosa pra caralho.
É um contraste imenso com o resto do apartamento, que foi decorado todo com cores da natureza. Manja? Marrom, bege, branco, verde...
Mas isso... rosa pra caralho!
-"Hmmm, eu me pergunto qual a cor favorita dela."- Any disse brincando enquanto olhava em volta.
-"Cinza", disse irônico.
-"Nossa, como você é divertido" -ela disse rindo, também com ironia e dando as costas pro quarto. -"Mas falando sério, esse quarto é o sonho de toda garotinha. Estou errada ao assumir que você teve uma ajudinha feminina?"
Ri de leve. -"Não, você está certíssima".
Chiclete, é disso que o quarto dela me lembrava. Paredes rosas, teto branco - mas o teto tinha estrelas rosas espalhadas.
Cama rosa com lençol rosa, cômoda e cadeira de balanço pintadas de rosa, almofadas rosas no seu cantinho de contos de fadas, cortinas rosa, tapete rosa... o chão não era rosa no entanto.2
Depois de uma boa dose de rosa, eu levei Any à cozinha, do outro lado do apartamento, e esse era único cômodo menos aconchegante.
Eu gostava mesmo assim, e eu tinha que admitir que era uma cozinha,sexy.
É, eu posso dizer isso e continuar sendo hétero.
Mas sério, com armários preto envernizado, uma bancada branca também brilhante e utensílios vermelhos, é sim uma cozinha sexy.
E eu estou tentando não visualizar a Any no balcão agora, com menos roupa.
Ela tem dezenove anos, dezenove, dezenove.
Mas ela já vai fazer vinte.
Cala a porra dessa boca!
-"Cozinha legal"- ela comentou. -"Bem diferente do resto da casa"
-"Verdade."- Assenti com a cabeça e gesticulei 'pra que ela se sentasse à mesa. -"Fácil de lavar quando a Aylaresolve cozinhar com a vovó". eu ri.
-"Isso eu posso imaginar."- ela deu uma risadinha. Sim, risadinha.
Calma, cara.
-"Você quer beber alguma coisa?"- Eu ofereci-. "Café, suco, refrigerante..."
-"Água está ótimo"
Eu assenti e fui pra geladeira pegar duas garrafinhas d'água.
Quando voltei à mesa, não desperdicei mais tempo.
Sentei-me e lhe dei sua garrafa.
-"Então,"- suspirei. -"Acho que ambos temos dúvidas."
-"É"- ela sorriu. -"Acho que o horário é o principal,e acho que você deve querer saber como eu sou com crianças." -ela riu de leve.
-"É, mas se bem que eu vi o suficiente pra saber que você fica bem relaxada lidando com Ayla, e isso é o mais importante." -Eu disse.
-"Eu não faço nenhuma exigência quanto a experiência anterior, a não ser o que o bom senso manda. E como eu disse, que Ayla esteja confortável."
-"Afinal, as tarefas não vão ser nada de outro mundo, e eu vou estar em casa a maior parte do tempo. Eu só preciso de alguém que lhe faça companhia enquanto eu estiver trabalhando no escritório."
-"Com o que você trabalha?" -Ela perguntou com curiosidade antes de dar um gole na sua água.
-"Eu componho música"- respondi.- "Na maioria das vezes pra shows da Broadway, mas algumas vezes para comerciais e filmes. Contanto que eu não precise viajar."
Any estava impressionada, e eu gostei disso um pouquinho demais.
-"Mas,ãhn...uau,isso é impressionante pra alguém de só vinte e oito anos"
ela disse baixo, quase para si mesma, e eu tentei não pensar no fato de ela saber minha idade.
Será que a Sina mencionou casualmente enquanto explicava minha situação e de Ayla, ou foi a Any quem perguntou?
Jesus, é hora de para com isso.
Seja um profissional, pelo amor de Deus.
-"Eu trabalhei duro, acho."- Dei de ombros. -"Mas eu sempre soube o que queria, e graças à minha família, pude continuar lutando por isso, mesmo quando tive a Ayla."
O sorriso que Any deu pra mim foi quase demais pra aguentar.
Foi como se ela estivesse maravilhada comigo e eu estava, bem, não diria humilde, mas fez com que eu sentisse coisas ao saber que era ela que estava me olhando desse jeito.
O que também fez com que me perguntasse quanto será que a Sina havia falado da minha vida, porque eu sabia que a Sina adorava falar mal da Dytto, e do quão vaca que ela era.
Palavras da Sina, não minhas, mas estou 100% com ela nessa.
Hora de mudar de assunto.
-"Então, acho que a única coisa que eu realmente preciso saber é se você tem algum problema em tomar conta da Ayla por conta da condição dela."- Eu disse.
Eu já sabia a resposta, mas precisava de uma confirmação, porque eu queria que desse tudo certo.
-"Claro que não,"- Any me assegurou. -"Eu sou fluente em sinais, e não é nenhuma novidade pra mim."- Ela fez uma pausa. -"Em parte porque eu cresci com uma mãe surda, e também porque ela foi mãe solteira. Então, por isso, acho que consigo me relacionar com Ayla nesse sentido."
Minha mente com certeza deu milhões de giros enquanto eu ouvia a Any.
Primeiro porque ela me pareceu tão madura e tranquila, compreensiva e sossegada, mas também porque eu estava curioso e queria saber mais.
Mas sobre como ela cresceu com sua mãe, e como elas lidaram com tudo, porque verdade seja dita, é uma que necessita adaptação e claro, paciência.
Não dá pra eu não dar valor às pequenas coisas; não dá pra eu esperar que as pessoas simplesmente saibam como agir com Ayla ou comigo, e são essas reações que me fizeram meio que me afastar do mundo lá fora.
Não que eu esteja me escondendo ou algo assim, mas prefiro me manter junto daqueles que já são próximos a mim. Eu raramente conheço pessoas novas.
-"Você e sua mãe são de Nova Iorque?-" Perguntei curioso.
-"Não, somos de Washington,"- ela riu. -"Eu cresci numa merdinha de cidade há duas horas de Seattle. E eu odiava tanto aquele lugar que consegui me formar no ensino médio dois anos adiantada. Então, Nova Iorque foi uma imensa mudança de cenário."
Ah, então é por isso que já está no terceiro ano...
-"Posso imaginar." -Sorri. -"A Sina me disse que você vai começar seu terceiro ano na Julliard?"
-"É!"- ela sorriu empolgada. -"O semestre começou ontem, e estou super empolgada. No começo eu hesitei em mudar pra tão longe de casa, mas quando cheguei, eu sabia que essa era a minha cidade. E eu amo a Julliard. É todo mundo tão criativo, sabe?"
-"Sei." -Assenti com a cabeça e sorri como um bobo.- "Eu também estudei lá, mas cursei música."
-"É, a Sina me contou," -ela disse,e corou.
O que será isso?
Antes que eu pudesse pensar mais sobre isso, Any mudou de assunto.
-"Então, quais são suas ideias 'pra Ayla? O que você está procurando numa babá?"
Você, eu queria responder.
-"Basicamente uma amiga." -Eu disse ao invés-. "Alguém que lhe faça companhia enquanto eu trabalho. Como eu disse, estarei em casa na maior parte do tempo, mas eu preciso me fechar e concentrar, sabe? Não dá pra fazer isso pensando no que a Ayla está fazendo o tempo todo."
-"Então, é, uma amiga... E alguém pra ajudá-la a ir ao banheiro, ou se ela estiver com fome, estar aqui na hora do banho."- Ela assentiu com a cabeça, absorvendo o que eu tinha dito, e não parecia que havia problemas, o que me deixou aliviado.
-"Acredito que estamos em acordo com relação ao horário," -Acrescentei.- "Quer dizer, eu sei que você tem aula, e já que eu trabalho em casa, fica a seu critério."
-"Parece ótimo. Eu saio em horários diferentes dependendo do dia, mas nunca passa das cinco. Mas normalmente às quatro."
-"Certo!."- concordei, feliz demais por isso estar acontecendo mesmo. -"Você tem alguma outra pergunta com relação ao horário?"-Ela espremeu os lábio,lábios carnudos, por falar nisso.
-"A única coisa da qual posso lembrar são apresentações, ensaios noturnos e testes. Apesar de não serem frequentes, seriam noites em que eu não estaria disponível."- Ela disse baixinho.
-"Sem problema."- eu lhe assegurei.- "É só avisar com antecedência, e eu dou um jeito com meus pais ou com a Sina e o Josh"
-"Claro,"- respondeu simplesmente.
-"Qual a sua especialidade?" -Perguntei... só porque eu queria muito saber.
-"Ballet,"- ela respondeu. -"eu arrisco na dança moderna, mas ballet tem mais a ver comigo,pelo menos com relação à dança."
Deus, isso só me fazia querer perguntar mais.
Mas sim, observando-a,ela era perfeita pro ballet, com seu corpo esguio. Flexível e naturalmente linda.
Merda, isso vai ser mais difícil do que eu pensei.
Meu interfone tocou, e eu pedi licença para ir atendê-lo.
-"Sim?" respondi quando o peguei no corredor.
-"Sr.Urrea, o Sr. Beauchamp está aqui com a Srta.Ayla."-Esses porteiros são tão formais, pensei, revirando os olhos.
-"Mande-os subir, Eleazar," disse com um riso leve.
Depois de desligar, voltei à cozinha para alertar Any sobre o meu cunhado.
É necessário.
-"A Ayla chegou." -sorri.- "Mas você também está prestes a conhecer o Josh, e apesar de vê-lo na academia... ele pode agir diferente com você aqui."
-"Ãhn, tá bom?" -ela respondeu confusa, claro.
Eu não quis dizer que o Josh seria sugestivo.
Então não disse.
Mas essa era a história de Joshua Kyle Beauchamp.
Apesar ser um ano mais velho que eu, ele agia como se tivesse cinco anos de idade, e não me surpreendeu em nada saber que era ele que estava trazendo a Ayla pra casa.
Todos sabíamos o quanto o Josh amava a Ayla, e pra ser honesto, ele é o melhor tio que ela poderia ter.
Talvez por terem o mesmo nível intelectual...
É brincadeira!. Mais ou menos.
A campainha tocou, e eu pedi que Any ficasse ali enquanto eu abria a porta.
Eu queria muito ver minha princesa, mas estava de fato com medo do vocabulário colorido de Josh.
"Oi, vocês dois!" eu sorri abrindo a porta.
*Oi, Papai,* ela sinalizou enquanto bocejava.
Minha menininha estava sem surpresa alguma cansada, com a calça e camiseta amassadas - ambas cor de rosa - e eu não posso nem imagina o que o Josh tinha feito.
Escorregador, é só o que eu podia dizer.
Ayla veio a mim com os braços abertos, e quando estava no meu colo, com as pernas no meu quadril, não hesitou em pôr a cabeça em meu pescoço.
-"Você foi ao parque, acredito?" -Sorri para o Josh.
"Claro que sim. Eu e a macaca aranha nos divertimos pra caramba." -ele riu.
Sua expressão mudou, e eu sabia. Sabia.
Merda.
-"Ela ainda tá aqui?" -perguntou, erguendo e abaixando as sobrancelhas.
-"Sim, está," -suspirei, balançando minha cabeça para ele.- "Você quer entrar?"
-"Claro"- respondeu com os olhos brilhantes e empolgados.
-"Não vai falar nenhuma besteira, né?"
-"Nunca!" ele respondeu inocentemente até demais.
Claro que não, pensei, agachando-me no chão com Ayla. E assim, que ela estava de pé, beijei sua bochecha para lhe chamar a atenção e remover seus sapatos.
*Nós temos visita, princesa* disse-lhe, sorrindo.
Isso lhe chamou a atenção, claro.
*Quem?*
"Você lembra da amiga da Sina - Any? Do supermercado?"
Ela assentiu com a cabeça.
"Ela está na cozinha". -Pisquei para ela.
Dois segundos, e a Ayla já tinha desaparecido.
-"Acho que a Any causou boa impressão, não?"- Josh riu enquanto a seguia.
-"Aparentemente"- ri de leve.
Em mim também.
Quando chegamos à cozinha, Any e Ayla já estavam no meio de uma conversa sobre parquinhos no Central Park, e Josh mal conseguiu um aceno de Any antes que ela voltasse sua atenção à minha pequena.
Sim, Any vai ser perfeita pra Ayla.
É difícil não encarar, mas porra, ver a Any empolgada com o que Ayla lhe dizia...
Isso me afetava como um pai, porque isso sempre foi um problema pra Ayla.
Ela é tão extrovertida e feliz, e adora conhecer gente nova, e apesar de saber de sua condição e que não pode se comunicar tão bem como os outros, ela não é de ficar tímida.
E ter Any como uma nova amiga será realmente algo grande em sua vida.
Claro que ela tem amigos de sua idade, da creche, e alguns são bem próximos, mas infelizmente eles não vivem em Manhattan, exceto a Kiara, claro.
E não é fácil ir a Jersey, Long Island, Brooklyn já que eu trabalho.
-"Eu quero conversar também, Ayla" Josh Disse fazendo bico.
Imaginem minha surpresa quando a Any lhe disse um não firme, e Ayla balançou sua cabeça, e voltou a falar sobre balanços e escorregadores.
Até o Josh ficou estupefato.
-"Eu acho que você finalmente achou um rival à sua altura, Josh" eu ri.
Seu bico jocoso virou um bico de verdade.
Eventualmente, minha princesa estava mais bocejando que outra coisa, então eu lhe disse que era hora de dizer tchau pra Any e pro Josh.
Mas não antes de Any e eu decidirmos que ela voltaria amanhã com a Sina para uma noite de "teste".
Nós também discutimos brevemente o assunto salário, e eu achei estranho a Any não é estar interessada no assunto.
Não é pra isso que as pessoas arrumam empregos? Para pagar aluguel, comida e utilidades?
Mas foi só depois de nós nos despedirmos e enquanto eu estava no telefone com a Sina que eu tive minha resposta.
Aparentemente, Any era uma herdeira, e trabalhava porque gostava.
Mais uma coisa que fazia de Any, um enigma.
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Lembrando que quando o texto fica em itálico, eles estão utilizando a língua de sinais, e falando ao mesmo tempo!
Xoxo, Lua