- Coincidência... O Edu me contou que vocês moravam aqui, mas não sabia o endereço de vocês... - Tetê comentou com Rafa. - Deve ser legal morar perto de praia, né?!
- Ãh? - Apesar de estar dividindo uma cerveja com Tetê, a atenção de Rafa era no lado de fora do restaurante, onde estavam Edu e Carol. - Nós fomos na praia sim...
Tetê sorriu.
- Nao foi isso que eu perguntei...
- Oi? - A menina sorriu e Rafa sorriu de volta. Sem graça. - Desculpa... Eu me distrai...
- Fica tranquila... O Edu sempre fala da Carol. Ele adora ela... - Fez um sinal com o queixo em direção aos dois irmãos. Eles pareciam discutir. - Isso aí é coisa de irmão... - Tetê afirmou. - Faz tempo que vocês namoram?
Carol estava furiosa com Edu. Apenas aceitou conversar com ele pois sabia o quão teimoso o irmão poderia ser. Para ela a arma na cintura do garoto já explicava qualquer coisa, mas ainda assim Edu insistia em se explicar. Como o bate papo entre os dois era delicado, Edu sugeriu que Tetê fizesse companhia a Rafa enquanto ele e Carol dialogavam. O tom do papo entre os irmãos não era nada leve.
- Não sei qual é o teu, lance... - Edu replicou. - Você nunca foi careta...
- Uma coisa é bolar pra relaxar, em uma festa, pra curtir... Outra bem diferente é virar bandido! - Carol jogou na cara de Edu.
Seu irmão mais velho explicou que arma fazia parte de um emprego que havia arranjado. Edu era uma espécie de "traficante de luxo". O garoto repassava drogas da maior qualidade para pessoas da alta sociedade. Dependência química é um mal que não escolhe cor, sexo e muito menos conta bancária. Muita gente de dinheiro é viciada em drogas. Para conseguir o produto para seu consumo tinham que ter disposição de entrar em favela ou ter contato com alguém para fazer imediação, fato que encarecia o produto que nem era de tão alta qualidade.
Inteligente como sempre foi, Edu usou sua posição social como um belo disfarce. Quem desconfiaria que um herdeiro Mattos Nogueira repassava produtos ilícitos. Edu não era necessitado de dinheiro, vestia boas roupas, frequentava restaurantes de luxo, seu biótipo estava bem distante do que normalmente é o das pessoas que são abordadas pela lei, Edu pegou a oportunidade com unhas e dentes. Ele não queria depender do dinheiro da família para sempre e tinha preguiça de estudar. Viu na marginalidade sua grande saída.
- Credo, Cá... Não fala assim comigo. A gente nunca ficou tanto tempo sem se ver, irmãzinha. Eu senti sua falta.
- Pelo amor de Deus, Du! Não se faz de idiota que burro você nunca foi!
- Relaxa, Cá... Que importa é que eu estou bem. Meu produto é de qualidade, não pego qualquer porcaria, misturo com talco e saio vendendo por aí... Eu tenho tirado um legal.
Carolina estava indignada.
- Tirado um legal? Eduardo, isso que você está se metendo é tráfico... Você pode ir preso! - O garoto fechou a cara. - Mano, arma só tem funcionalidade pra uma coisa!
- Você sabe que eu não curto violência! - Edu disse fazendo Carol revirar os olhos. - Essa pistola nem é minha... É do Ganso... Ele que tá fazendo eu usar... Disse que é pra minha segurança... Eu tenho uma parceria com ele que está rendendo uma grana boa e tem Zé que tem inveja da gente e quer matar.
Carol arregalou os olhos. Aquela história só se fazia piorar. Ganso era um traficante que Carol teve o desprazer de conhecer por conta de Siri. Certa vez o loiro adquiriu uma dívida de droga junto de Ganso que não conseguiu saldar e em resposta foi surrado na porta da faculdade que estudava. Ganso era um dos piores traficantes de São Paulo e impiedoso. Só de imaginar Edu ao lado de um cara desses seu estômago revirava.
- Não acredito que você tá do lado desse cara depois de tudo que ele fez com nosso irmão! Qual o teu problema, Edu?!
- O cara é gente boa... Eu tô hospedado na casa que ele tem aqui... O Siri que vacilou... - Carol o fitou revoltada. - Você sabe muito bem como o Rodrigo perde o controle...
- A gente está falando do nosso irmão! - Carol se alterou. - Como você consegue ser assim?! Edu se enfureceu.
- Nossa família não presta pra nada mesmo! - Jogou na cara de Carol. - Não posso contar com pai, não posso contar com irmãos, minha mãe não se importa comigo!
- Para com essa ladainha de mamãe não se importa comigo, ninguém presta. - E o acusou. - Para de agir feito moleque! Você é homem, tem barba na cara, daqui a pouco está fazendo trinta anos e jogando suas frustrações nas costas dos outros!
Os dois pareciam discutir fortemente. Rafa pensou em se levantar para ver o que estava acontecendo, mas teve receio de estar sendo intrometida. Tetê, tentava manter a calma, mas também percebia a tensão entre os irmãos. Edu perdeu a paciência e deixou Carol falando sozinha. Tetê se apressou em ir atrás de Edu e Rafaela fez o mesmo após deixar vinte reais sobre a mesa para pagar a cerveja que havia consumido. Ao ver a namorada, Carol não pensou duas vezes e se escondeu em seu abraço como se Rafa pudesse protegê-la do mundo. Não sabia quanto tempo ficou ali, apenas sabia que Rafa praticamente controlava sua respiração para não incomodá-la. Após se recompor, Carol sugeriu que elas fossem embora do restaurante. Não estava com clima para jantar romântico.
Rafa acatou a decisão da namorada, mas não seguiram diretamente para a pousada. Fizeram um longo passeio pela praia, depois seguiram para uma pracinha e Carol reclamou que sua cabeça doía. Pararam em um quiosque a céu aberto que oferecia bebidas e porções.
- Isso deve ser fome... Ficou muito tempo sem comer.
- Acabei com a nossa noite, né?! Droga! Que inferno, viu?! Faço tudo errado!
- Calma, amor... Vamos sentar, eu peço alguma coisa... Quem sabe a dor de cabeça passa?
- Não sei se estou com fome...
- Faz um esforçozinho. - Beijou a boca de Carol. - Promete que faz?
Carol sorriu e fez um gesto afirmativo. As duas pegaram uma mesa, pediram sucos e uma porção de batata frita. Enquanto esperavam pela porção e bebiam os sucos, Carol foi contando a Rafa sobre tudo que havia conversado com o irmão. Estava com muita saudade de Edu, aquele reencontro estava bem distante do que esperava ao rever o irmão.
- Traficante, preta... - Preta era um dos apelidos carinhosos que Carol chamava a namorada nos momentos íntimos. - Sendo amigo íntimo de bandido... Eu não sei o que o Edu espera da vida dele. Eu não queria, eu juro que não queria, mas eu me preocupo com ele...
- Eu entendo você... Passei a vida inteira dividindo um quarto com a Michele... A gente tem uma ligação muito forte. Eu me preocupo dela sofrer com alguma escolha... Acho que me doeria muito ver a minha irmã se machucando.
- É exatamente isso que eu sinto... Dor. Sabe o que eu queria? Por todas as pessoas que eu gosto em uma redoma pra elas nunca se machucarem...
Rafa sorriu.
- Eu não sei se gosto disso. Você fala que gosta de mim... Se você me colocar em uma redoma, como eu vou fazer isso aqui? - Roubou uma série de beijos da namorada que sorriu. Após o último beijo completou. - Acho que prefiro ficar do seu lado mesmo.
Carol começou a fazer carinho em sua mão.
- Você tem um dengo tão bom... - A outra sorriu orgulhosa. - Eu fico até com vergonha de você, sabia?
- De mim?
- Eu sou toda errada. - Carol se explicou. - Desde que a gente ficou a fim uma da outra as coisas saem errado por minha causa. A primeira vez foi o Joca, depois o meu pai e... - Olhou para Rafa. - E agora você me trouxe pra um lugar lindo e eu estraguei nossa noite.
Rafa fez um gesto negativo.
- Carolina... Eu tô namorando você por completo... Eu quero ter acesso a todos os canais do meu pacote. - Brincou fazendo a garota sorrir. - Não estou aqui nas horas boas... Companheirismo faz parte de namorar e eu quero ser tua companheira como eu tenho certeza que você seria minha... Então vamos cortar esse papo de "eu estraguei tudo"? Até porque pra mim você é perfeita e essa noite está ótima.
Carol se derreteu por completo aproximou para beijar sua garota e sussurrou.
- Sabia que eu te amo?
- É a reação normal das pessoas que me conhecem... - Rafa brincou se fazendo de presunçosa, arrancando um sorriso da namorada.
As duas garotas se entregaram a um beijo apaixonado que apenas foi interrompido pelo toque do celular de Rafa. Era da pousada. Devia ser alguma coisa de trabalho. Cabelo não ligaria se não fosse algo importante. Pediu licença e se afastou para atender.
Sem Rafa por perto, Carol voltou a se entregar as suas preocupações. Nunca tinha discutido tão rispidamente com Edu. Para completar sua noite, algo não saia de sua cabeça. Pouco antes do irmão ir embora, fez uma pergunta a ele.
- Du, espera... - Edu fitou a irmã. - Eu perguntei para o Siri, ele não soube me responder nada... Talvez você saiba... Por onde anda o Roque?
- Roque mudou do Brasil... Tá pegando onda no Havaí...
Carol estranhou.
- Mas o Roque nunca gostou de surfar... Você tá falando a verdade?
- Porra, Carolina, além de tudo eu sou mentiroso agora? Desisto de conversar com você hoje!
Ela ia falar qualquer coisa, mas Edu nem deu tempo e saiu fora. Duvidava que o irmão falava a verdade. Sua cabeça se enchia de pensamentos que foram interrompidos por um rapaz que vendia flores. Ele lhe entregou todas que trazia.
- Moça, são pra você... A pessoa que pediu pra te entregar as flores pediu pra te dizer que te achou super gata desde a primeira vez que te viu.
Não faltava mais nada.
- Obrigada, mas eu sou comprometida. Pode levar, por favor...
- A moça falou pra eu não sair daqui sem entregar as flores a você...
- Moça?
- Aquela ali que está no celular... - O rapaz fez um sinal em direção a Rafa que ainda conversava com Cabelo sobre uma reserva de um hospede que estava dando confusão. Sorriu pra Carol e mandou uma piscadinha cúmplice. A mais nova sorriu e mandou um beijo a namorada que continuava a falar no telefone. - E então?
- Eu vou ficar com as flores...
Apesar do desastrado encontro com Edu e o jantar que não houve, a noite terminou de maneira agradável. Após saírem do quiosque, o casal voltou a praia e entre um beijo e outro assistiram o nascer do sol da areia. Ao chegarem na pousada, tomaram café e foram descansar no quarto. Carol foi a primeira a adormecer. Encostou a cabeça sobre o peito de Rafa e pegou no sono quase que instantaneamente. Rafa não. Preferiu usar suas horas de descanso para admirar o rosto de Carol pressionado contra seu corpo.
Rafa se sentia relaxada ao perceber o quanto Carol ficava tranquila junto de si. Seu peito se enchia de paz. Sorriu. Nem parecia que Carol tinha se aborrecido na noite anterior. Perdida entre os traços harmoniosos do rosto da namorada, Rafa fez uma promessa silenciosa de nunca deixar de ser companheira dela. E durante todos aqueles anos fez de tudo para cumprir sua promessa. Ver Carol, do outro lado do metrô lhe jogando um olhar tão duro a fazia se sentir falha. A paz que morava em seu coração parecia ter sido removida. Preferia até as cortadas que andava levando de Carol do que aquele vazio.
Depois de descansarem, Rafa e Carol deram mais um passeio por Trancoso e voltaram a cruzar com Edu e Tetê. Dessa vez o garoto não estava para papo, apenas se cumprimentaram e iam se despedir rapidamente. No último instante Carol lembrou que tinha um assunto para tratar com Edu.
- Espera, Du... Aquilo que você disse do Roque é verdade?
Edu estava enfurecido com a irmã, mas mesmo assim resolveu responder.
- Eu não falei mais com ele, mas foi o que eu soube. Relaxa, Cá! - Os dois se entreolharam. - Nem tive tempo de apresentar a Tetê ontem.
Carol cumprimentou a garota rapidamente e logo cada casal seguiu seu caminho. Ao ficarem sozinhas, Rafa fez uma pergunta para Carol.
- Ontem vocês falaram sobre o Roque?
- Eu perguntei dele. - Admitiu. - Fiquei curiosa.
- E ele está bem?
- Pelo que o Edu falou está... Foi para o Havaí... - Carol percebeu certa insegurança em Rafa. Deu um beijo na namorada. - Fica assim não... Roque ficou lá trás... Não tem nada ver.
- Você que falou dele.
- De boba que eu sou. Mas relaxa... - E afirmou olhando em seus olhos. - Não te troco por ninguém, preta...
Do outro lado do metrô, Carol também lidava com suas lembranças. Havia sentado separada de Rafa para tentar esquecer um pouco da confusão sentimental que estava instalada em sua cabeça, mas seus planos não funcionaram. Querendo se distrair, a garota colocou seus fones de ouvido e deu play na primeira playlist que lhe foi sugerida no aplicativo de música. Para seu azar a primeira música que tocou era uma de "suas" músicas com Rafa.
Agosto de 2010. Rafa e Carol completavam cinco meses de namoro. Apesar de se desentenderem algumas vezes, Carol tinha ciúmes das hóspedes da pousada e muitas davam em cima de Rafa abertamente e Rafa era muito desligada, as duas meninas estavam muito felizes com a relação que levavam e foram obrigadas a dar um passo muito importante.
Rosa, saudosa da filha, decidiu passar seu aniversário em Salvador com o marido e Michele. Aproveitaria para matar a saudade da filha, descansar, já que o segundo semestre era sempre muito pesado para os professores, e de quebra conhecer melhor sua nora já que tinha visto Carol apenas duas vezes há algum tempo. Rafa falava tanto da namorada que a deixou curiosa. Em uma noite de segunda-feira sem movimento, Carol acompanhava um capítulo da novela Viver a Vida na TV junto de Diana e Cabelo no hall da pousada enquanto esperava Rafaela voltar da faculdade. Diana fazia as unhas de Cabelo.
- Essa Helena da Tais Araújo floppou mesmo, né? - Diana comentou. - Todo mundo só quer saber de Luciana.
- Se a Globo tivesse me chamado pra ser a primeira Helena preta de Manoel Carlos... - Cabelo brincou fazendo Diana e Carol rirem. - Eu ia brocar...
- Imagina, hein? Ganhar salário e ainda dar umas bitocas em Thiago Lacerda... - Carol divertiu-se.
- Até eu que sou mais lesa... - Diana gracejou.
Uma cena de Aline Morais e Mateus Solano passou na TV. O galã levava Luciana para um banho de mar carregando-a no colo. Cabelo suspirou.
- Gente... Será que um dia eu encontro um homem assim que me ame que nem Miguel ama Luciana? - Cabelo comentou enquanto assistia o casal de atores Aline Morais e Mateus Solano em cena.
- Com essa cara da Aline Morais, meu bem... Até eu... - Diana comentou enquanto lixava os pés do rapaz. - Olha lá, a danada começou a ser gostosa e não soube parar... Deus a abençoe...
- Os lábios carnudos eu tenho... - Cabelo disse fazendo biquinho fazendo Diana e Carol rirem.
A prosa dos três foi interrompida pela chegada de uma tropa. Siri, Amsterdã e Rafaela. Os rapazes estudavam no mesmo campus que a estudante de História enquanto Carol e Cabelo faziam Comunicação juntos, no horário matutino.
- Alguém vai conhecer os sogros... - Siri cantarolou em tom brincalhão. - Diga aí, Paulista!
Carol olhou para Rafa.
- Que foi?
Rafa deu os ombros.
- Minha mãe me ligou... Ela, meu pai e Michele vão vir pra cá...
- Vão vir mais Fábio? - Diana perguntou.
Fábio, o primo mais velho de Diana havia separado oficialmente de Vivi. Os dois mantinham amizade e carinho pelo filho Thiago, mas não eram mais um casal. Após perder um emprego de seis anos, Fábio recebeu uma boa indenização, juntou com um dinheiro que havia ajuntado e decidiu largar São Paulo para morar em Salvador e abrir um pequeno restaurante. Ele havia acabado de se formar em gastronomia e estava confiante que seu tempero faria sucesso em terras nordestinas. Em poucos dias ele se mudaria para a casa de Diana.
- Então, eles vão chegar uns dias depois de Fábio, mas só vão passar uns dias... - Rafaela esclareceu. E brincou. - Dona Rosa tá querendo conhecer a norinha dela. - Deixou um beijo na boca da namorada. - Tô morta de fome...
- A gente também... - Siri e Amsterdã falaram quase ao mesmo tempo.
- Tem o que pra comer aí? - Rafa questionou.
- Está bem do seu lado... - Cabelo brincou insinuando Carol. Siri fingindo ciúmes deu um peteleco na orelha de Cabelo. - Aiii... Se quiser coisa gostosa, tem eu, viu, galego... Quer descobrir o que é que o baiano, tem é?
- Lá ele... - Diana murmurou humorada. - A trairagem...
- Falando em trairagem... Eu tenho um babado pra contar pra vocês... Sabe Francisquinha? Que saiu do salão pra ir pro salão daquele espanhol... - Amsterdã comentou. - Foi presa roubando o salão!
- Como assim? - Rafa disse consternada.
- Roubou as perucas, pra mais de dez escova, tesoura do espanhol... - Amsterdã falava. - Uma baixaria danada, foi presa fazendo unha de uma dona lá... Deixou a mão da mulher na metade e foi levada de camburão...
- Isso aí é lei daquele retorno praquele safado do Martinez... Ensinei tudo para o cara... O cara vem e abre o salão na esquina do meu? Rouba a manicure e tenta roubar meu melhor cabeleireiro? É lei do retorno!
- Conte aí, mano... - Cabelo pediu. - Como foi isso?
Diana, Cabelo e Rafa prestava atenção na história de Amsterdã enquanto Siri ia até a cozinha providenciar seu jantar. Amsterdã havia preparado arroz de hauçá de manhã e Siri torcia para que tivesse sobrado para noite. O tempero de Amsterdã era dos deuses. Na sala todos estavam entretidos com a prisão da ex-funcionária de Diana, menos Carol que estava longe já pensando na vinda dos sogros. Era natural que conforme o namoro ficasse sério, ela se envolvesse mais na vida de Rafa. Graças a Deus estava em relacionamento seríssimo com Rafa, mas não sabia se estava preparada para um passo tão importante como aquele. Não disse a Rafa para não chateá-la, mas no dia seguinte Diana percebeu seu estado e Carol resolveu desabafar com ela. Aquela altura Diana já era uma de suas melhores amigas.
- Ela está curiosa... - Carol dizia a Diana. - Será que é só isso mesmo?
- E seria mais o que criatura? É normal... Sossegue, mulher!
Se a sogra estava curiosa, Carol estava apavorada. A única pessoa que havia namorado seriamente foi Joca e nem precisou ser apresentada a família do rapaz pois conhecia os pais de Joca desde criança. Eram amigos de seus pais, um casal frequentava a casa do outro. A família Mattos Nogueira era praticamente um quadro cubista de tão sem pé nem cabeça. Rafa vivia falando dos pais com tanta admiração que Carol já gostava de Camilo e Rosa sem conhecê-los direito. Tinha medo do sentimento não ser recíproco e sua sogra odiá-la. Camilo e Rosa chegariam em um sábado e iriam embora na quarta feira. Na véspera da chegada, Carol estava pura ansiedade.
- Eles vão me detestar.
- Cá, tia Rosa é um amor de pessoa. Super massa... Tio Camilo então... Nem se fala... E a Michele é a presidente do teu fã clube... Eles são tão perfeitos que parecem aquelas geladeirasde inox que tem o negocinho pra pegar água direto na porta. - Carol fitou Diana sem entender. - Aí to fixada com essa geladeira que tem o negocinho pra pegar água na porta... Não aguento mais aquela lata velha lá de casa! Ela congela o queijo, as alfaces e derrete o gelo todo.- Carol deu um sorriso curto, Diana percebeu que a amiga estava tensa. - Miga, tia Rosa e tio Camilo vão te amar... Se não for pela pessoa que você é, só de você está fazendo a Rafaela feliz...
- Estou com tanto medo, miga... A família da Rafa parece aqueles comerciais de margarina... Minha família é toda errada... Meu pai não fala comigo porque eu fui passar um tempo com a minha mãe, fora que eles conheceram meu pai no dia que a gente levou enquadro da polícia e meu pai saiu da delegacia insinuando que as drogas que encontraram nas coisas de Siri eram de Rafa e de Michele...
- Cá, teu pai é teu pai, você é você... Você acha que eu estaria com Siri se fosse pensando no teu pai? Tu acha que o sonho da vida do teu pai é ver o filhinho dele do lado de uma mulher negra, nordestina, com o padrão financeiro bem abaixo de vocês e filha de Iansã e que arrastou o filho e filha dele pra terreiro?
-Se não bastasse o preconceituoso do meu pai, minha mãe fugiu com um boy magia que dá para ser filho dela. O Edu está dando os problemas que todo mundo sabe... - Há poucos dias Eduardo havia sido preso em Florianópolis portando uma grande quantidade de cocaína. Como era filho de um empresário e uma atriz famosa, a notícia ganhou destaque nos jornais e nos portais de notícias. Dias depois o advogado conseguiu um habeas corpus permitindo assim que ele respondesse o processo em liberdade. Carol e Siri tentaram entrar em contato com ele, mas ele simplesmente sumiu do mapa. - Minha única família é praticamente você e o Siri. Diana sorriu. Ficou feliz em ouvir aquilo. Mesmo não sendo casada com Siri no papel, Carol a considerava realmente de sua família.
- Então pronto, meu bem... Tia Rosa me ama! - Disse. Deu uma gargalhada. - E olha... Ficaria super chique, hein?! Diana Guerrero. - Deu uma piscadinha marota. - Fica a dica!
- Eu sei esconder cadáveres de rapariga, viu talarica. - Carol rechaçou debochada. - Fica a dica.
As duas riram e voltaram a atividade que estavam fazendo, uma lista de compras. Carol queria recepcionar seus sogros com um jantar feito por suas mãos. Achou a ideia perfeita e simpática, apenas havia um problema, cozinhava com as duas mãos esquerdas. Havia recorrido a Diana para executar seu plano.
- A entrada já foi... Agora vamos ao prato principal. Moqueca!
- Será que é uma ideia boa? Se eles não gostarem de moqueca? Se eles forem alérgicos? Se Michele se engasgar com um camarão, morrer asfixiada? Eles vão me odiar pra sempre! Diana riu.
- Sossega e confia em mim, mulher, que a minha moqueca é bala! Você vai é brocar com teus sogros.
As palavras de Diana se tornaram praticamente uma profecia. O jantar ocorreu no dia seguinte, no hall da pousada e foi muito apreciado por todos. Além da família de Rafa participaram também Siri, Diana, Amsterdã, Fábio, que já havia chegado de São Paulo e Cabelo. No final da refeição Rosa e a nora pareciam se conhecer desde que Carol era ainda criança de tão íntimas que estavam. Antes do jantar, Rosa também se sentia um tanto nervosa pois sabia que Carol era de família endinheirada e tinha medo que a garota fosse uma deslumbrada. Felizmente não era aquele caso.
Tudo correu muito bem. Até Michele que andava meio aborrecida, ela e Tadeu haviam terminado o namoro há pouco tempo, se divertiu ao lado de Amsterdã que pareceu bastante interessado na garota. A noite estava tão agradável que logo após a sobremesa todos se reuniram na área social da pousada para conversarem. Diana fez uma sugestão.
- Tio Camilo, aí tem violão... Por que você não toca qualquer coisa pra gente?
- Boa! - Michele disse animada. - Toca, pai... Outro dia você reclamou que estava sem tempo de pegar no violão...
- Uma música cairia bem, sogrão... - Siri disse já todo íntimo do sogro da irmã provocando risadas de todos.
- É, pai... - Rafa se manifestou. Adorava ver o pai tocar violão. Tentou aprender algo com ele, mas não levava jeito para a coisa. O talento de Camilo não havia sido passado para as filhas. - Faz tempo que eu não vejo você tocar...
- Faz tanto tempo que eu não toco... - Camilo disse. - Tô meio enferrujado.
- A Cá tá aí pra te ajudar... - Rafa disse. - Ela também toca muito...
Carol quase matou Rafa. Aquela noite estava nervosa. Morria de medo de errar.
- Ah... Agora eu fiquei curiosa pra ver essa dupla... - Rosa brincou.
- Vou pegar o violão... - Fábio se manifestou.
Alguns minutos depois, o rapaz voltou com o instrumento musical. Camilo gentilmente deixou Carol tocar a primeira música e garota tirou uma canção de Marisa Monte e foi muito elogiada no final de sua apresentação. Depois tocou uma música do Titãs acompanhada de Camilo e em seguida passou o instrumento ao sogro. Cantaram juntos duas músicas de Lulu Santos e depois Carol deixou Camilo seguir sozinho. Os hóspedes começaram a se aproximar e pedir músicas. Fábio percebendo um clima de flerte entre Amsterdã e Michele puxou Rosa para dançar com ele, Siri e Diana sacaram a jogada, passaram a dançar, Amsterdã se encorajou e fez o mesmo com Michele abrindo brecha para outros casais se animarem. Rafa se aproximou da namorada com um sorriso largo nos lábios.
- Obrigada pela noite incrível.
Carol riu.
- Agradeça seu pai... Olha isso... - Camilo terminava de cantar animadamente Sina de Djavan ao lado de Cabelo. - Seu pai é um Pop Star... Vai para o Ídolos!
As duas riram. Agora Camilo e Cabelo cantavam um sucesso de estourado no ano de 2010.
Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o marShimbalaiê, toda vez que ele vai repousar
Carol e Rafa se entreolharam de modo apaixonado. Carol estendeu a mão a Rafa que aceitou seu convite sem pensar duas vezes e se juntaram aos outros casais.
Natureza deusa do viverA beleza pura do nascerUma flor brilhando à luz do solPescador entre o mar e o anzolPensamento tão livre quanto o céuImagino um barco de papelIndo embora pra não mais voltarTendo como guia IemanjáShimbalaiê, quando vejo o sol beijando o marShimbalaiê, toda vez que ele vai repousarShimbalaiê, quando vejo o sol beijando o marShimbalaiê, toda vez que ele vai repousar
Os braços de Carol circundavam a nuca da maior e ela descansava a cabeça em seu ombro enquanto Rafa fechava um abraço em sua cintura. Os corpos se completavam de maneira confortável e elas dançavam no ritmo lento da música. Carol aproveitou que estava próxima do ouvido da mais velha e sussurrou um pedido de agradecimento.
- Por quê? Você não deixou eu fazer quase nada...
- Você me deixou experimentar um pouco o que é ter uma família... Tipo, pais que se importam, sabe? Eu sempre quis isso e eu nem sabia que queria isso.
Carol não falava a todo momento, mas Rafa sabia o quanto ela estava sentida com seo Raul e mal por conta de Edu. Siri possuía um sentimento parecido, mas por conta da terapia estava digerindo melhor aquela situação. Deu um beijo na boca da namorada.
- A gente tá junta agora... Eu te empresto eles...
As duas sorriram e trocaram um novo beijo.
- Te amo, preta...
A estadia de Camilo, Rosa e Michele foi bastante tranquila. Carol não pode dar tanta atenção a eles pois durante a semana fazia faculdade, estava no primeiro ano de jornalismo, e trabalhava na Secretária Municipal de Cultura de Salvador como agente cultural, emprego que havia conseguido após passar em um concurso público. Apesar do pouco contato, a família Guerrero saiu da capital baiana com ótima impressão da namorada de Rafaela. Com o passar do tempo, Carol considerava Camilo e Rosa como seu segundo pai e segunda mãe de tão querida que era pelos sogros. Infelizmente Rafa não podia dizer o mesmo.
Rafa conheceu a mãe de Carol quando completaram dez meses de namoro. Elas estavam em São Paulo para passar as festas de final de ano com a família de Rafa e os amigos e Carol encontrou com a mãe na cidade. Branca foi super atenciosa com elas, mas ficou pouquíssimos dias no Brasil. O maior contato era por internet e telefone, mas mesmo assim era muito precário por conta do fuso horário. Com Raul a situação era ainda pior. Encontraram com ele, por acaso em um restaurante, poucos dias depois que encontraram com Branca. O homem simplesmente fez que não viu as duas. Carol tentou disfarçar, mas ficou super mal. No dia seguinte, Rafa procurou o sogro em seu escritório. Fez plantão na porta do prédio até conseguir ficar frente a frente com Raul quando ele saiu do escritório. Raul tentou sair, mas a moto de Michele, que Rafaela havia pegado emprestado, fechava o caminho do empresário.
- O que é isso? - Raul colocou a cabeça para fora do carro e reconheceu Rafaela. Irritado, ele desceu do carro. - O que você pensa que está fazendo?
Apesar do jeito austero do sogro, Rafaela não baixou a cabeça. Não se deixou intimidar pelo homem.
- Será que o senhor tem um minuto para trocar uma palavra comigo, seo Raul?