"Eu acredito que às vezes são as pessoas que ninguém espera nada que fazem as coisas que ninguém consegue imaginar"
Allan Turing.
Marion estava com o carro estacionado em frente a floresta escura de Los Angeles, e todo aquele pânico avassalador havia voltado com tudo, fazendo com que seu coração palpitasse em um ritmo frenético, parecendo até mesmo que iria dilacerar seu peito. Ela respirava com dificuldade, e pensou em ir embora do local ao menos umas dez vezes desde que já havia chego, mas logo repreendeu-se por esses pensamentos.
Ao olhar para estrada, que antes estava deserta, observou um carro sofisticado na cor preta passar com lentidão. O veículo era idêntico a um dos que estavam estacionados na garagem do seu pai anteriormente, só que os vidros escuros fechados fazia com que fosse impossível ver quem estava dentro. Aquele automóvel, apesar de não ter parado, era evidente que havia passado observando e rondando tudo ao redor. Marion deduziu que fosse algum dos funcionários de seu pai, espionando o que ela estava fazendo, como sempre.
A garota finalmente decidiu entrar na floresta. Não demorou para que ela lembrasse da noite de horror que havia passado naquele local. Como a imensa região de árvores era extensa, com áreas que nunca foram se quer exploradas, a jovem voltou para lugar em que tudo havia acontecido. O local em que armaram as barracas, fizeram a fogueira e passaram pelo maior pesadelo de suas vidas.
Marion caminhava pelo chão estreito e cheio de barro, enquanto iluminava tudo com a pequena lanterna que havia deixado na sua bolsa. Era uma lanterna que cabia na palma de uma mão, que sempre ficava lá para quando precisasse. Alguns achavam estranho, ela achava somente que era prevenção para quando a luz acabasse e não tivesse velas. Ela agradeceu-se mentalmente, pela primeira vez, por permanecer com medo de escuro até depois de adulta. Ao mesmo tempo em que agradeceu por isso, blasfemou em pensamentos contra si mesma por não ter trocado seus sapatos elegantes por um tênis.
As árvores delgadas, altas e bem separadas, naquela noite, faziam o ambiente ficar ainda mais sombrio. Após o que havia ocorrido com Inez, Marion realizou uma extensa pesquisa sobre aquela floresta, e constatou que havia um estranhos caso de desaparecimentos naquele lugar. Antes, ela achava que eram apenas histórias fantasiosas o fato da floresta ser conhecida como "Floresta das crianças desaparecidas", devido à lendas urbanas que poderiam fazer parte do local. Mas ao comprovar que estava equivocada, que haviam realmente crianças que nunca haviam voltado para casa ao entrar naquela reserva natural, sentia-se ainda mais temerosa com relação à sua atitude de ir para lá, ainda mais naquelas circunstâncias; sozinha, atrás de um assassino, somente com um spray de pimenta — única arma de defesa que levava cotidianamente consigo mesma — e um salto alto fino, que atolava na terra a cada passo em que ela dava.
Chegou o momento em que seus pés doíam, sua cabeça girava, e o relógio do seu celular — que ela fez questão de manter com o gravador de voz acionado, pronto para incriminar qualquer pessoa por aquelas coisas terríveis que estava sendo acusada — apontava um horário bem mais tarde do que realmente acreditava ser. Sete horas da noite. O julgamento já deveria ter acabado, ou melhor, nem começado, já que a principal pessoa que deveria estar lá não havia comparecido. Na cabeça de Marion, provavelmente, eles já teriam expedido um outro mandado de prisão, e dessa vez, ela não sabia se seu pai conseguiria evitar aquilo.
— Posso ser presa, mas claro, isso se eu passar dessa noite... — Murmurou para si mesma, enquanto suspirava profundamente enquanto pensava o quão tola estava sendo.
Os seus pensamentos foram interrompidos por barulhos de árvores ao seu lado esquerdo, e assim que iluminou o ambiente, não viu nada. Concluiu, com o objetivo de tranquilizar-se, que poderia ser algum animal, ou somente o vento, que ora ou outra dava às caras por ali. Porém, suas conclusões não permaneceram por muito tempo, pois o mesmo barulho surgiu novamente, só que dessa vez, ao seu lado direito. Ela novamente iluminou com a lanterna, e nada encontrou. Marion sentia-se observada. Sabia que por mais que não conseguisse ver ninguém, não estava sozinha.
Cansada da situação, a garota puxou o ar que havia em sua volta pelo nariz, e exalou pela boca, e enfim, decidiu falar em voz alta, com o objetivo de atrair a atenção de quem estivesse lá para si:
— Está se escondendo? Eu estou aqui! Não é o que você queria? — Vociferou, abrindo os braços. — Não queria me pegar? Revele-se. Ou é medroso demais para isso? — Emitiu um riso debochado. — Vamos, agora que eu não tenho mais medo de você, você que tem de mim?
Antes que pudesse continuar a frase, sentiu sua boca ser tampada por uma mão grande, sem luva. A palma mantinha-se pressionada fortemente contra sua boca, enquanto ela realizava tentativas falhas de gritar. Um corpo muito maior que o seu estava colado em suas costas, e também logo pode sentir um braço envolvendo sua cintura, que com insistência, conseguiu arrastá-la para outro lugar daquela extensa floresta, enquanto ela ainda era impedida de falar.
Assim que a pessoa, agarrada ao seu dorso, conseguiu transportá-la com facilidade para outro local, ainda de costas, ela sentiu uma respiração próxima ao seu pescoço. O indivíduo finalmente quebrou o silêncio, sussurrando em seu ouvido:
— Eu vou tirar a mão da sua boca, mas você tem que prometer ficar quieta. — Anunciou, com cautela. — Por favor.
A garota balançou a cabeça afirmativamente, enquanto sentia lágrimas de desesperos molhar suas bochechas. Aquela voz. Ela reconhecia muito bem aquela bendita voz. E assim que a mão pressionada em sua boca afastou-se de si, Marion virou-se para a pessoa que segurava seu corpo, e confirmou com um desapontamento rasgando seu peito quem era.
— Nicolas? — Ela questionou, em confusão. A sua lanterna iluminava o rosto do professor, que estava suado, com os lábios entreabertos. — Por que você?
O professor estava ofegante, olhando para os lados, como se alguém estivesse à espreita. Marion permanecia de olhos arregalados, sem acreditar no que estava vendo.
— Me responde! — Aumentou o tom de voz.
Nicolas olhou para garota com surpresa, e novamente pressionou as mãos em seus lábios, recostando o corpo dela abruptamente contra uma árvore. Marion soluçava enquanto tudo aquilo acontecia, cética de qualquer resquício de inocência que ele poderia ter.
— Tem alguém aqui. Não estamos sozinhos. — Ele especulou, com cautela. — Tenho que te levar para outro lugar.
A garota havia entendido o receio em que ele estava dela ter trazido alguém consigo naquele momento, e sentiu-se totalmente estúpida por ter acreditado, entregado seu coração e seus sentimentos para alguém que causou toda aquela tortura em sua vida. Seus soluços eram incontroláveis, enquanto Nicolas espremia sua boca cada vez mais com a palma da mão.
— Por que está chorando? — O professor questionou, confuso.
A jovem desdenhou seu cinismo e sua pergunta escassa de qualquer sensibilidade. Em uma manobra rápida, ela mordeu sua mão para conseguir pronunciar qualquer palavra, e o homem, para não fazer barulho, apenas deixou nítido em sua fisionomia a dor sentida por aquela atitude.
— Eu não trouxe ninguém, igual você pediu. — Ela vociferou, empurrando o professor para longe.
O gesto não surtiu efeito devido ao tamanho de Nicolas comparado com o dela. Ele apenas continuou imóvel, encarando seu rosto com a mesma expressão impassível, que tornava impossível distinguir seus reais pensamentos e sentimentos.
A junção do medo, angustia, decepção e tristeza, fizeram uma descarga de adrenalina tomar conta do corpo de Marion, e suas pernas foram as primeiras que agiram em resposta daquilo. Ela saiu correndo, sem que Nicolas tivesse tempo para impedi-la. O seu coração acelerado era uma combinação adequada para sua respiração ofegante e pensamentos conflitantes. Seus saltos deixaram de incomodar, e seus pés não estavam mais doloridos, pois no seu corpo aflorava um sentimento muito maior que a dor física, capaz de cessar qualquer outra coisa sentida; a dor emocional e psíquica.
A lanterna em sua mão não iluminava mais o caminho, pois ela não tinha mais como prioridade iluminar o local aonde seus pés estavam pisando. A sua prioridade era apenas correr sem parada, até que estivesse longe o suficiente de quem tanto lhe fez mal. Então ela prosseguia o trajeto apenas com a luz do luar.
Durante o trajeto, olhava algumas vezes para trás, para confirmar se havia despistado Nicolas por aquele tempo. Averiguou-se de que não havia nada atrás de si enquanto corria, só árvores e terra, e nenhum resquício de seres-vivos. Nem animais silvestres e nem humanos. Marion suspirou em alívio, e não percebeu que sua distração e suas constantes olhadas para trás havia levado ela a esbarrar em algo consistente à sua frente. A garota, de imediato, perdeu o equilíbrio dos saltos, e caiu no chão, ofegante. Ao levantar e olhar em direção do que havia topado, crendo que seria alguma árvore, ela estremeceu pela surpresa. A mesma imagem que havia visto há anos atrás tomou conta de sua vista; uma pessoa de capuz preto, máscara escura cobrindo o rosto e mãos cobertas por luvas. A única diferença é que dessa vez não estava segurando a imensa faca. O elemento não identificado, divertindo-se com a reação assustada da garota, estendeu o braço em sua direção, e pronunciou em um tom zombeteiro:
— Quer ajuda?
A voz não estava mais distorcida, e a garota teve certeza que já havia escutado em várias ocasiões diferentes o som daquele timbre e daquele sotaque, porém, sua mente turbulenta impedia com que ela pensasse com coerência quem, quando e onde. O elemento, após um tempo estendendo o braço para Marion pegar, e recebendo em troca sua recusa, elevou as mãos sutilmente ao rosto, retirando a máscara e o capuz que escondiam sua fisionomia. Ela finalmente pode ver quem estava escondido por trás daqueles itens, seu rosto estava nitidamente iluminado pela pouca luz da lua cheia.
— Então era você esse tempo todo. — Pronunciou, sentindo um arrepio em seu corpo pela terrível descoberta. — Agora tudo faz sentido.