FELINA
No mesmo tempo do capítulo anterior.
Adora está em coma fazem dois meses e meio.
Acho que nesse tempo todos os amigos e pessoas que ela amam já foram visitá-la inúmeras vezes.
Todas as pessoas, menos eu.
Tudo que fiz nesse tempo foi voltar para o nosso apartamento, já que meu pai já saiu do hospital e preciso ficar de olho nele.
Desde então, tenho dormido na cama de Adora.
Eu sinto falta dela. Sinto falta de passar as mãos em seus cabelos loiros, de abraçá-la e beijá-la. Sinto falta de como ela me obrigava a comer, das piadas sem graça que ela fazia e das covinhas que apareciam quando ela ria.
Sinto falta dos momentos, do calor que eu sentia quando a via e do jeito que ela me tinha. E ainda tem.
Ainda pertenço a ela, e por isso não fui vê-la no hospital. Não porquê não quero, mas porquê não consigo.
Se você me perguntar o que foi que aconteceu eu não vou saber te responder, mas eu sei que alguma coisa morreu aqui dentro.
Ela me tem de um jeito que ninguém nunca teve, e eu tenho medo do que pode acontecer comigo se ela não acordar. Não consigo encarar o rosto vazio numa pessoa que estava sempre rindo e alegrando todo mundo. Adora sempre ajudava todos ao seu redor, não importava o quão fodida estava ou o quão mal se sentia, ela sempre fazia as pessoas se sentirem melhor.
Não tinha um pingo de egoísmo sequer dentro daquele corpo e, ao mesmo tempo que odeio isso, também admiro.
Ela é o meu acorde mais afinado, a música mais bonita que eu já escrevi. Não há estrelas no universo que brilhem mais do que ela pra mim.
Sou covarde, e sei disso, mas não tenho forças. Não mais.
Não aguentaria vê-la vegetando, não aguentaria sentir mais dor ao encarar os fatos face a face. Encarar o fato de ela pode nunca mais acordar, e eu não sei o que vai ser de mim se ela se for.
Ainda lembro de tudo, embora o objetivo sempre fosse esquecer.
As coisas não são mais as mesmas. Os jogos de basquete perderam a emoção, as músicas perderam a melodia.
E, este apartamento, parece vazio.
O mais próximo que consigo chegar de Adora é quando escuto Stand by Me na vitrola, pensando nos momentos que não voltam mais.
— Ei, tudo bem? - ouço a porta abrir e vejo o rosto de meu pai aparecer. Seco algumas lágrimas singelas que molham o meu rosto e faço menção para que ele entre. Meu pai e meu tio têm sido meu alento, meu alicerce principal. Meu confidentes e companheiros, minha família. — Como você está? - ele pergunta, tateando a cama e se sentando num espaço vazio ao meu lado. Meu pai estica as mãos para que eu as segure, e assim o faço. Segurar as mãos dele me acalma.
— Estou a mesma coisa de sempre.
— Filha, você sabe que não precisa se esconder de mim. - ele sorri. Meu pai é um homem forte. Mesmo tendo passado anos longe das pessoas que o amam, mesmo tendo sido torturado, mesmo que tenha ficado cego, ele nunca desistiu. Espero ser forte como ele, um dia. — Quando você irá vê-la?
— Pai, eu... Eu não consigo. Não consigo nem pensar na ideia de vê-la partir. - lágrimas voltam a sair dos meus olhos.
— Você não pode se esconder disso pra sempre. - suas palavras são duras e sinceras mas, ainda assim, gentis. Ele suspira. — Sabe, filha, meu período na zona do medo foi difícil. Tiraram tudo de mim, minha família, minha liberdade e a minha visão. Por várias vezes eu pensei em desistir de mim, várias vezes pensei em partir desta vida. Sem funeral, sem choro, só eu e um mundo escuro. - ele acaricia as costas dos meus dedos com os polegares. — Sabe porquê eu não fiz isso?
— Não. - respondi, sincera.
— Por você. Não houve um dia sequer em que eu não pensasse em você, em que eu não me imaginasse ao seu lado outra vez. Eu sabia que você estava aqui fora, esperando, e não havia nada que eu quisesse mais do que sentir o seu abraço e dizer que te amava. - lágrimas saem de seus olhos brancos ao contar sobre isso. Sei que são memórias dolorosas, difíceis, memórias que ele nunca vai apagar, nem esquecer.
— Pai, eu...
— Eu te amo, filha. Assim como seu tio te ama, assim como Adora te ama. E eu sei que você a ama também. Mostre isso a ela, mostre que ela tem amor nesta vida, mostre-a motivos pra ficar. - meu pai tateia meus braços, subindo com uma das mãos até sentir estar tocando a minha bochecha. Ele não precisa de olhos para me enxergar, sei que sua visão vai muito além disso.
— Mas e se, mesmo assim, ela quiser partir?
— Então você vai saber que fez tudo que pode, e que a amou o mais intensamente que seu coração permitiu. - seu polegar acaricia minha bochecha. — O amor é o sentimento mais bonito que temos dentro de nós mas, também, é a coisa mais triste, quando se desfaz. - delicadamente, ele seca minhas lágrimas e se aproxima de mim, segurando as laterais dos meus braços com ambas aos mãos. — Há amor em segurar, mas também a amor em deixar ir. Não se desfassa desse amor.
Sinto meu coração apertar.
Vez ou outra, isso acontece, seja pra mostrar que ela ainda vive aqui dentro, ou só pra mostrar que tá se reerguendo aos poucos, como se dissesse ‘relaxa, ainda to batendo’.
Por mais que não goste de admitir, sei que meu pai está certo. Preciso dizer a ela que sinto sua falta e o quanto ela é importante pra mim.
Preciso botar essa saudade pra fora, antes que eu acabe sendo consumida por ela.
Se alguém me perguntar o que eu vi em Adora, com certeza não vou saber responder. Só sei que a amei pelo que vi, e não consigo ver isso em mais ninguém.
A amo pelo jeito que ela me enxerga além do que os olhos podem ver.
— Você vai estar comigo se tudo der errado? - minha voz sai trôpega e embargada.
— Até o fim dos meus dias.
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Respiro fundo mais uma vez.
Meu pai e meu tio seguram forte cada uma das minhas mãos, enquanto tentam acalmar meu nervosismo. Minha perna esquerda treme e não consigo simplesmente relaxar enquanto olho as paredes brancas ao meu redor.
— Senhorita Catharine Applesauce? - uma moça negra com jaleco branco se aproxima e eu me levanto rapidamente. — Me acompanhe, por favor. - solto as mãos dos homens e os olho. Digo que vou ficar bem e então sigo a enfermeira até o quarto em que Adora está.
Ao chegar, paro em frente a porta, hesitante. Não sei se estou pronta para isso, não sei se meu coração vai aguentar tudo isso e não sei se sou forte o bastante para saber lidar.
Mas, farei, por mais que me doa, farei isso por ela.
Com os dedos, empurro vagarosamente a porta e entro no quarto, sentindo um arrepio percorrer o meu corpo. Então, fecho os olhos por alguns segundos, tentando digerir a situação aos poucos.
Como a saudade pode ser um sentimento tão contraditório? Sinto falta dos bons momentos mas, ao mesmo tempo, me sinto mal por isso.
Me aproximo da cama, observando o cômodo atentamente.
Em volta da maca, há uma pequena cômoda com poucas gavetas, com algumas roupas e pertences de Adora. Em cima do móvel, há alguns objetos postos, provavelmente trazidos pelos amigos e família dela durante algumas das visitas.
Um livro, um porta retrato, um jarro com algumas rosas vermelhas dentro e uma carta fechada com um adesivo do homem aranha colado no papel. Coisas para que Adora soubesse que eles estiveram ali quando acordasse.
Desvio o olhar e finalmente encaro o rosto da garota. Seus olhos estão fechados e ela respira com os lábios levemente entreabertos, fazendo seu peito subir e descer devagar. Ela usa uma camiseta preta lisa, um short vermelho e, em seu pescoço, o colar que ela nunca tira.
Seu rosto é angelical, expressando tranquilidade. Ela parece bem, e em paz.
Observo seus cabelos loiros, percebendo que o sidecut antes perfeitamente raspado, agora está crescendo. Os pelos mais escuros da sobrancelha cresceram também, e os lábios estão levemente ressecados. Mas, mesmo com o cabelo por raspar e a sobrancelha por fazer, ela continua linda.
Acho que nem com o maior dos esforços, Adora seria capaz de ficar minimamente feia.
Então, me sento ao lado do corpo dela e pego em uma de suas mãos, encarando seu rosto e, só então, tenho forças para abrir a boca.
— Hey, Adora.
E hoje, finalmente vim aqui com esperança... E saudade.
Com saudades do que foi, do que não é e do que era pra ter sido.
Eu odeio perdas. Não tenho quase ninguém, e se eu perder os poucos que tenho, fico sozinha. E eu também odeio a solidão.
— Não vou te pedir pra entender o porquê eu não apareci, nem pra entender minha falta de atitude e minha falta de coragem. Mas, imploro que não duvide de que guardei todos os nossos planos, todas as nossas conversas, e de toda essa saudade no peito que não sairá do lugar. - mal começo a falar e sinto o choro subir pela minha garganta. Não gosto de me justificar ou de dizer a razão de eu fazer ou não fazer certas coisas, nunca dou satisfações a ninguém. Mas, Adora, mais do que ninguém, merece saber de tudo, merece saber a verdade de como eu realmente me sinto. Sem mentiras, nem segredos. — Eu odeio ficar pensando em você o dia todo, odeio o fato de que tudo que eu faço me lembra você. E odeio o fato de que não posso fazer nada pra simplesmente te ter por perto.
Entrelaço meus dedos nos de Adora, sentindo falta do aperto da mão dela na minha.
E então a realidade, ela vem chegando com lembranças, engasgando tudo, e nesses dias a dor vem transbordando. Não consigo aceitar, entender... porquê tão cedo?! porquê tão repentino?!
Eu quero muito que ela fique, mas muito mesmo, mais que qualquer outra coisa na vida, eu não quero perdê-la. Mas, infelizmente, eu não posso decidir, não posso escolher por ela.
E, da minha alma, que já não era inteira, não tem sobrado nem caquinho. Estou só o pó.
— Não duvide de todas as vezes em que eu disse que estaria ao seu lado e não mudei de ideia. Nunca duvide do quanto eu te quis e ainda te quero, pra mim e na minha vida inteira. Nunca esqueça do que somos, e do quanto só nós somos nós. E eu amo esse jeito da gente ser. - no meio de toda essa dor, consigo dar um sorriso sincero, revivendo na memória nossas lembranças mais bonitas. — Eu te tenho, e não vou te deixar. Você me mostrou vários tipos de sensações, vários tipos de sorrisos, e eu amo cada um deles.
Abraço meu próprio tronco e me debruço sobre o corpo de Adora, deitando em sua barriga. Não consigo conter o choro e as lágrimas que escorrem sem pausa. Quero abraçá-la, quero beijá-la. Quero dizer a ela o quanto eu amo, segurar o rosto dela e dizer o quanto ela faz falta, e o quanto esse mundo fica sem graça sem o sorriso dela.
Não importa o quanto eu grite, se tudo que tenho dela é o silêncio.
E o silêncio sufoca tudo por dentro.
— Você não entende? Eu te amo, e vou amar pra sempre. - fecho os olhos e os aperto com força, deixando meu corpo se entregar as sensações, por mais dolorosas que elas sejam. — Só quero que saiba que sempre vai existir um pedaço de você dentro de mim, sempre.
O ontem foi difícil, e o hoje está sendo mais ainda.
Vou sempre guardar as manias dela. Os erros, os acertos, os trejeitos e os olhos azuis. Tanta gente passa pela gente, mas tão pouca gente realmente fica.
Durante essas semanas, esses meses, não tenho chorado muito. Sinto vontade de chorar, mas às vezes não sai lágrima alguma.
É só uma espécie de tristeza imensurável, uma sensação de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior.
Não consigo descrever a sensação, o buraco que se fez dentro de mim mas, acho que todo mundo, volta e meia, passa por isso. Só que comigo tem sido frequente, acontece demais.
Acho que meu corpo guardou essa emoção pra ela, sem nem perceber. Guardou para esse momento, o momento mais difícil.
Passam-se os minutos, mas as lágrimas não cessam.
Então, de repente, sinto uma pressão nas minhas costas e na minha cabeça, logo seguida de um aperto forte.
Meu coração acelera e meu corpo inteiro estremece. Num impulso, tiro o rosto do corpo de Adora e me levanto, vendo as lágrimas que deixei molharem sua camiseta.
Olho para frente e a vejo, com seus lindos olhos azuis completamente abertos, olhando meu rosto com um sorriso.
— Hey, Catra.
Não consigo me segurar, quase que por instinto me jogo em cima dela, passo meus braços por suas costas e a abraço. O abraço mais apertado que consigo, carregado de felicidade e alívio.
Não há palavras para expressar a felicidade que sinto, o tamanho alento que está no meu corpo.
Poderia escrever o maior dos textos, com as palavras mais complicadas e bonitas que sei mas, ainda sim, não seria suficiente. Ainda sim faltariam palavras e frases para expressar.
Me sinto como se segurasse o mundo inteiro nos meus braços.
Adora acordou, ela escolheu ficar. Adora me escolheu.
Ela me abraça de volta e nunca me senti tão em casa quanto me sinto agora. Acho que finalmente entendo o significado de lar.
Adora é meu lar, e eu sempre estarei em casa desde que eu esteja com ela.
— Você me ama mesmo? - ela pergunta.
— Óbvio. - respondo rapidamente.
— Então, a gente tá finalmente namorando ou eu vou ter que entrar em coma de novo? - ela diz e eu dou um tapa nela.
Ela segura meu rosto com as duas mãos, secando algumas lágrimas que escorrem e juntando nossas testas.
— Você é tão idiota. - ela sorri pra mim e eu devolvo o gesto, logo a puxando para um beijo longo. — Ainda bem que a Mara escovava seus dentes. - tiro sarro, secando as lágrimas com as costas das mãos.
— A gente já passou dessa fase, eu sei que você me beijaria mesmo se eu estivesse com bafo. - reviro os olhos e ela solta um riso baixo.
Com Adora, entendi o verdadeiro significado de felicidade. O sentimento por inteiro, na sua mais pura forma, em toda sua verdadeira essência.
É carinho dado sem querer algo em troca, cheiro de chuva no chão de terra molhada. Ouvir alguém dizer que te ama, e poder amar de volta. Dar valor pra cada amanhecer e pôr do sol.
O segredo de ser feliz é saber apreciar momentos. E entender que como o próprio nome diz, são momentâneos. Que quando nos damos conta, já passou. Enxergar sua beleza enquanto ainda está acontecendo. Felicidade. Muito mais que algo que se possa ter... é ser.
E agora, mais do que em qualquer outro dia, posso dizer que estou e sou a pessoa mais feliz desse mundo.
Eu tenho certeza, ela foi minha melhor escolha. Posso ter deixado várias coisas para trás, mas ainda sim ela supera tudo e hoje nunca estive tão feliz.
Com Adora, meu mundo está completo e, por isso, espero tê-la para sempre.
Tanto nessa vida, como nas outras que virão.
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Salve, cachorros do mangue.
É gente, o último capítulo chegou, chegou mesmo.
Não vou me alongar muito aqui pq logo sairá o epílogo e os agradecimentos mas, muito obrigada a todos vocês, sério mesmo. Obrigada por lerem, comentarem, votarem e surtarem junto comigo nessa história que eu tanto amo. Tudo que essa fanfic se tornou e aonde chegou eu devo a vocês, obrigada por tudo.
Espero que vocês estejam comigo para uma próxima história ❤️.
Enfim, por hoje é só.
Até o epílogo.
Catradora is Canon.