Capítulo 7

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Quando Lorena voltou à sala, encontrou apenas Bernardo sentado no mesmo lugar.

— Uai, Bê. Cadê o Raul? — perguntou a loira olhando para todos os lados do cômodo.

— Ele tá lá fora — Bernardo respondeu e se levantou, indo até a janela que dava para a rua. — Olha lá!

Lorena acompanhou o filho e, pela janela, viu Raul sentado no meio-fio, debaixo daquela chuva horrenda, em frente à sua casa que não possuía muros.

— Por que ele foi lá para fora? — Lorena perguntou mais para si mesma do que para o filho.

— Não sei, mas... Mãe. — Bernardo se virou para a loira com um olhar preocupado. — Por que você trouxe eles pra cá?

— Olha a chuva que tá caindo, filho. Eles moram debaixo do Viaduto Oeste, perto da rodoviária. Imagina enfrentar uma chuva dessas debaixo daquela cobertura de concreto.

— Mas existe um monte de gente que mora assim, mãe, e você nunca trouxe nenhum deles pra cá. Por que logo agora? — questionou Bernardo que, por mais que tentasse, não estava entendendo aquela caridade repentina de Lorena.

— Eu apenas resolvi fazer uma boa ação, Bê. Só isso.

— E desde quando você faz boas ações, mãe?

— Desde agora, ué!

Lorena, para evitar novos questionamentos do filho, apressou-se em sair da casa e ir até Raul. Para isso, apanhou um dos guarda-chuvas que estavam dispostos dentro de um cesto comprido próximo à porta da sala e saiu debaixo da chuva, encolhendo os braços por conta do vento que logo a abraçou.

Raul estava sentado ali, naquele meio-fio pintado de branco, há tempo suficiente para não se importar com a chuva mais. Na verdade, preferia assim, pois, com a torrente de água que caía, seria difícil perceber as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. O motivo de seu choro era confuso. A princípio, chorou de angústia: que vida amarga aquela que tinha. Depois, evoluiu para um choro ansioso: era a primeira vez, em 4 anos, que dormiria em uma cama. Em seguida, chorou um choro de alegria: anos fazendo a mesma oração, pedindo a Deus que o ajudasse a sair da rua, e, de repente, quando menos esperou, alguém veio e o levou para casa. Teria o socorro chegado finalmente?

De repente, mesmo que tivesse o rosto apoiado nos joelhos, pois estava sentado e encolhido, tentando esconder seu semblante choroso, Raul percebeu a presença de alguém. Era Lorena. E ele soube apenas porque, de canto de olho, viu seu salto alto.

— Você vai ficar doente se ficar sentado aí, debaixo dessa chuva — Lorena disse em pé ao lado de Raul. Ela o olhava por cima, vendo-o de cabeça baixa.

Um silêncio seguiu as palavras de Lorena e perdurou por alguns segundos, até que a loira disse mais:

— Vem, vamos entrar.

Mais um silêncio e, então, sem dizer nada, Raul se levantou e quis acompanhar Lorena até o interior da casa sem entrar debaixo do guarda-chuva, mas ela, num simples gesto, aproximou-se dele e o cobriu.

— Eu vi que tem um banheiro aqui fora. Eu posso tomar banho nele — Raul disse parando diante da porta de entrada.

— A ducha do banheiro daqui de fora não esquenta — disse Lorena, deixando o guarda-chuva encharcado de lado, no chão da varanda.

— Eu não me importo — o jovem rapaz afirmou olhando para baixo, para as próprias mãos.

Lorena estava confusa. De irritado, Raul havia passado para cabisbaixo e retraído. Agora, ao contrário de mais cedo, sua voz saía baixa e surpreendentemente calma.

— Raul — Lorena chamou pelo rapaz e esperou que ele a olhasse, mas ele não o fez. — Pode tomar banho lá dentro.

— Eu não quero sujar sua casa — Raul afirmou, ainda sem olhar para a loira.

Lorena riu abafado. A diferença entre Kevin e Raul era tão discrepante. Enquanto o primeiro era extrovertido, curioso e alegre, o segundo era quieto e calado. Talvez fosse a diferença de idade ou apenas uma questão de personalidade.

— Eu não me incomodo com isso — assegurou Lorena.

Pouco a pouco, Raul ergueu o olhar, até que encontrou os olhos azuis de Lorena, que continuou:

— Tá bom? Agora, vem comigo. Vou te mostrar onde fica o banheiro.

Lorena abriu a porta e entrou, enquanto Raul, dando um passo com muito custo, murmurou:

— Com licença.

Ele já havia chegado até aquela porta anteriormente, mas, antes, ainda estava tão irritado com o soco e o chute que levou que sequer pensou em bons modos.

Lorena, por sua vez, apenas sorriu de lado diante daquelas palavras e fechou a porta assim que Raul entrou. 

Então ambos seguiram para o mesmo corredor onde, antes, Lorena havia estado com Kevin e pararam diante de um banheiro próximo à lavanderia.

— Eu consegui essa camisa e essa bermuda... — Lorena começou a dizer apontando para a muda de roupa que estava sobre a pia. — É do meu irmão. Ele esqueceu aqui e... Bem, eu acho que vai te servir. Além disso, eu coloquei um sabonete, uma bucha e um shampoo aqui para você e...

Lorena olhou para os pés de Raul e percebeu que, ao contrário de Kevin, que usava um chinelinho, o jovem rapaz usava um tênis desgastado e sem meias.

— Espere aí! Eu vou pegar um chinelo para você.

Raul deu espaço na porta e Lorena saiu, indo até a lavanderia, de onde voltou com um par de chinelos azuis.

— É tamanho 40... É do meu pai. Você calça quanto?

— Quarenta e quatro — Raul respondeu sucintamente e inexpressivo.

Lorena, por sua vez, ergueu as sobrancelhas, ligeiramente surpresa:

— Quarenta e quatro? Uau! — Riu sozinha. — Quarenta vai ser o maior número que eu vou ter...

— Não tem problema — disse Raul, que olhou para seus próprios pés logo em seguida e completou: — Esse tênis que eu tô usando é tamanho 40.

Seus dedos estavam espremidos dentro do calçado, tão espremidos que Raul já quase nem os sentia, pois os calos de dolorosos passaram a ser amortecedores.

— Bom, nesse caso...

Lorena entregou o par de chinelos a Raul.

Se, por um lado, Raul se sentia deslocado com toda aquela situação, Lorena também sentia uma ponta de vergonha. Na realidade, estava sem graça depois de ter sido a causa do hematoma roxo no rosto do rapaz e da dor no estômago que ele ainda sentia por causa do chute que havia levado.

— Qualquer coisa é só me chamar — Lorena afirmou, prestativa.

Raul, no entanto, apenas assentiu e entrou no banheiro, fechando a porta logo em seguida. Então, sozinho lá dentro, olhou para seu reflexo no espelho, mas não teve coragem de sustentar o olhar por muito tempo, pois tinha vergonha de sua aparência suja e desbotada. Quem poderia dizer que ele tinha apenas 23 anos?

O Malabarista - ConcluídaHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin