➵ 42: Welcome to the Submundo

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Calina Sartori
Dias atuais...

Caminhei em meio a multidão enquanto as pessoas se dirigiam ao interior obscuro do prédio, apenas com a parte de baixo do meu cabelo à mostra. Passei a mão no rosto, de forma irritada para limpar o suor que caía sobre as minhas pálpebras, apesar de meu corpo estar frio o suficiente para que a minha alma se questionasse se eu ainda estava viva. Dance Without You ressoava dos amplificadores acústicos, mas mesmo a música não era capaz de silenciar seus gritos ensurdecedores.

Heitor fazia questão de deixar claro a todos a sua fúria aos gritos, com seu corpo rígido, sedento por vingança, para me fazer pagar pelo estrago à sua grande noite. Os olhos da garota loira da recepção se desviaram milimetricamente dos gritos eufóricos do homem, em nossa direção, ao perceber quem éramos.

— Posicionem-se em seus lugares. — Ordenei enquanto balançava a cabeça para a atendente, fazendo o sinal para ela liberar as escadarias.

Os quatro leōes de chácara receberam o comando dela pelo rádio e abriram a corda vermelha, dando acesso para o aglomerado que aguardava impaciente.

— Hora da diversão de verdade pessoal! — Aiken foi o primeiro a desviar o caminho, correndo para as escadas, atravessando a massa de corpos.

Enquanto as pessoas se avolumavam ao nosso redor, Trevor segurava a minha mão enquanto Hunter caminhava abrindo espaço para que eu saltasse entre a horda de pessoas. Nos desviamos da área comum, chegando a plataforma suspensa a qual ninguém mais tinha acesso, e a criança diabólica que habitava em mim, apoiou o queixo no corrimão, na espera pelo que viria a seguir.

O burburinho ainda ecoava em meio a escuridão que dominava o espaço aparentemente infinito em tamanho. A espera durou até que o silêncio reinasse, e então...

O som do baque alto reverberou quando a luz do holofote se acendeu sobre a bailarina, que descansava em primeira posição no círculo central, rodeada de seus espectadores. Diferente do original, a minha montagem de Lago dos Cisnes, não conta com um Pas de Deux, mas a representante de princesa Odette, que inicia a dança ao som de Tchaikovsky, com um en dehors. Passos lentos e arabesques mostrando a inocência com a qual ela descobre o mundo ao seu redor, o solo de violino dá o tom vivido e fugaz para o allegro.

Enquanto a bailarina rodopia pelo círculo eu desvio meus olhos para Heitor, que ainda limpa o sangue com a ajuda de sua prostituta de luxo. E sem muito esforço reconheci ao seu lado o meu irmão, usando seu terno elegantemente mas com uma certa expressão de nojo em seu rosto ao desviar o olhar para nosso pai.

Eu podia observar cada linha de suas expressões e o sorriso zombeteiro brincava em meus lábios, como uma criança aguardando pela hora de pregar uma peça em seu irmão mais velho. Willian sussurrava algo no ouvido de nosso pai, que o fazia tremer os lábios como se estivesse mandando-o calar a boca.

Com o som da flauta se tornando ainda mais sútil pelo acorde alto do violino, todos pararam de respirar em sintonia. Meu corpo inteiro se arrepiava conforme a bailarina erguia seus braços colocando-os em círculo ao redor do seu corpo e com um dos pés se erguendo ela girou em um pirouette, executando o passo perfeitamente.

Isso deveria prender a atenção deles, mas quando eu senti o líquido quente atingir minhas bochechas, percebi que não apenas eles, mas eu estava presa em cada movimento perfeito que ela executava. E aos poucos a imagem borrava em meus olhos, o rosto coberto por maquiagem intensificando um cisne, se transformava em meu rosto aos 14 anos, quando dancei pela primeira vez fazendo essa representação.

Não era triste, não deveria ser. Minha face sempre condizia com toda a performance, mas diferente de antes, agora eu chorava como se sentisse toda a tristeza, a dor e a melancolia que exuberava da mulher vestida de branco.

TOQUE-ME SE FOR CAPAZWhere stories live. Discover now