[🌻] • 01 - Meu Delírio.

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Até hoje, sei exatamente qual foi a sensação de ter minha vista embaçada e enxergar silhuetas que antes não estavam lá, num cenário completamente diferente. Como uma chuva, pingando cores devagar em tons marrons e amarelos. O engraçado era que eu tinha somente um ano de vida. Apenas um ou quase, e me lembrava com tamanha excelência de detalhes dos instantes mais importantes da minha vida.

Como um som distante, jurei ter ouvido o som alto de um bebê chorando, distinguindo-o de vários outros sons ambientes do meu real estado, um choro novo, como se fosse um recém nascido. Naquele sonho, sombras se mexiam com delicadeza ao redor de algo, as vozes se mesclaram ao barulho da chuva do lado de fora do hospital, e um trovão ao fundo daquele sonho fez meu corpo pequeno sofrer um solavanco, disso me lembro muito bem, porque foi caindo da cadeira da recepção que acordei do meu delírio. É assim que o classifico.

ㅡ Yoongi! ㅡ A voz familiar de minha tia chamou minha atenção e suas mãos quentes tocaram meus braços infantis e magrelos.

Devo ter chorado, porque meus olhos embaçaram com lágrimas, a chuva continuava caindo e eu parecia imita-la seguindo com meus soluços feridos. O lado direito de minha cabeça havia encontrado o chão com força na queda, fazendo minha tia me abrigar nos braços, tentando me ninar como um antidoto para a dor passar. Eu tinha consultas mensais obrigatórias no hospital então fez justo a situação.

Em sua locomoção de ida e volta, minhas lágrimas foram secadas de meu rosto pela manga de seu casaco de frio, e foi naquele instante que o trovão fez um clarão do lado de fora, conjurando uma rebelião nos céus. O som idêntico ao de minha vagamente ligeira visão. O mesmo estralo rítmico, o som do céu se partindo ao meio, anunciando uma chegada.

Mas não havia choro, apenas o trovão.

Depois disso, mais nada. Era como uma página em branco de uma folha de agenda do dia 18 de fevereiro de 1994. Algumas linhas preenchidas, e como se a tinta de minha caneta mental tivesse acabado, minha lembrança foi cortada, no meio de uma frase, sem um ponto final, só o crucial.

Aquela havia sido a prematura primeira vez que o delírio coloriu minha visão, me cegando do atual para me por em algum lugar que não tinha nexo na minha cabeça. Com minha bicicleta sendo guiada por minhas mãos, sete anos depois, as solas gastas de meus tênis chutavam pedras pela rua num entardecer. Não queria voltar para casa, meu instinto teimoso de criança só queria continuar a brincar de descer ladeiras com minha bicicleta, mesmo que quase sempre solitário.

O sinal estava vermelho, então tudo que eu tinha que fazer era atravessar, mas não foi tão simples assim. Estava acima de uma das várias listras da faixa de pedestres quando meu corpo ficou anestesiado e minha visão de fechou. No mesmo instantes me amaldiçoei por estar tendo uma queda de pressão. Porque minha primeira hipótese foi aquela.

Mas quedas de pressão não te fazem ver, como se estivesse dentro de um carro, com gritarias e uma buzina alta. Algo macio estava em minhas mãos, parecia um pequeno cavalo de pelúcia de tons chamativos porém indistinguíveis de baixo da película amarelada e marrom, e preso alí naquela visão, me senti dentro de uma caverna ao ouvir vozes tão longínquas e cavernosas vindas em ecos.

ㅡ Isso é besteira! Ele está bem! ㅡ Um tom adulto e feminino.

Ele está doente! Pare de teimar, você não sabe que temos uma criança frágil?! ㅡ Desta vez parecia um homem.

Foi um lapso em velocidade flash, que trouxe minha visão de volta ao normal, me devolvendo as cores que havia perdido instantes depois. Em piscadelas ligeiras, devolvi o foco a mim mesmo. O som alto de algo vindo em minha direção rasgou minha confusão, transformando tudo em medo e susto, minhas mãos lançaram a bicicleta para frente ao terem a atenção de faróis, e joguei meu corpo para a mesma direção, ouvindo uma buzina alta.

ㅡ SAI DA RUA, GAROTO!

Caído na sarjeta, beirando a cair em um dos vários bueiros da rua, meus olhos se encheram novamente de lágrimas, e não reparei em meu corpo ralado enquanto o susto me deixava nocauteado. O carro passou como um flash de luz, e desapareceu pela esquina.

Nunca contei sobre ambas as situações, não queria ser tachado de louco, porque até mesmo eu não acreditava no que havia visto nas situações, cogitava estar tendo um delírio, e dos mais estranhos. Mas a questão era que, eu havia escutado o trovão gritar antes de ter sua pancada, ouvi a buzina instantes antes dela ser tocada. Delírio.

Aquela não seria a última vez que eu iria ter esse vislumbre de formas e sons precipitados. Numa noite chuvosa em uma camada de frio cobrindo a cidade, eu iria novamente ter os tons claros de uma folha velha de volta ao meu campo de visão, ocultando por instantes o verdadeiro cenário em que eu estava.

Seu choro me chamou mais uma vez. Naquela noite.

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se flopar, eu viro a kátia.

Sunflower Eyesீ͜ৡৢ͜͡​🌻 YoonseokWhere stories live. Discover now