- Sinto tão caos -

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Cinza, nevoado e indiferente. Assim amanhecia o dia numa Paris entristecida. 


Seria ela entristecida ou eu?

Admirava a vista da sacada com um café forte em minhas mãos e uma brisa gelada arrepiava a minha pele e nem percebia o frio que fazia. Olhava bem pro café dentro da xícara tentando ver se ele acalmava a minha alma e a minha cabeça. 


Eu refazia tantas e tantas vezes em minha cabeça o passar dos anos e entender o que se passou comigo ou com.... nós.

Voltei pra dentro do apartamento e analisei a cena e nada parecia mudar. Os quadros estavam no mesmo lugar, a cozinha tinha cheiro de casa, os lençóis limpos e novos e você deitado em minha cama.


 O cabelo era praticamente o mesmo, as tatuagens no mesmo lugar, algumas novas, outras substituídas, o mesmo jeito de dormir e os mesmos olhos lindos por quem me apaixonei a anos atrás. Então... o que havia mudado?

Meu cabelo mudou, algumas muitas vezes, de cor, de tamanho, mudei roupas, mudei profissão e mudei minha vida inteira para estar onde eu estou hoje. Mas no fundo, me sentia exatamente como a mesma menina que pedia as céus e ao mar pra que você me ouvisse. E você fez mais do que isso: você me viu. E hoje estamos aqui, estranhos que se amam.


É como se com os anos, uma lenta e dura parede de vidro surgiu entre nós e tudo que antes parecia furta cor e leve, deu lugar a um grande e pesado cinza.

 Por muitos anos dividimos sonhos, projetos, alegrias e principalmente a cama, onde sempre foi nosso refúgio e hoje em dia abria espaço para algumas brigas, lágrimas e indiferença.

Acho que acostumamos com tudo: com os quadros no lugar, com a cozinha que tinha cheiro de casa, com os lençóis novos, com as nossas brigas, com nossas diferenças e principalmente, eu me acostumei com a sua ausência

Por muitos momentos, precisei ser independente e seguir meus caminhos para que conseguisse chegar onde achava que deveria. Acostumei com o fato de nos falarmos somente quando você tinha um intervalo no seu trabalho e muitas vezes era de uns cinco minutos. Acostumei com inúmeras ligações perdidas ao longo dos anos e a sua ausência em momentos importantes da minha vida. Acostumei a dormir sozinha na maioria das vezes e principalmente, me acostumei com a quantidade de vezes que mandava mensagem dizendo "Eu queria que você estivesse aqui".

Sei que quando optei por mudar completamente para estar com você, eu corria um risco de sentir o que sinto hoje. E olhando você dormir, vejo que já não sei se posso mais continuar com tantas dúvidas dentro de mim. Eu não quero mais me acostumar com essas coisas e muito menos me sentir cinza e indiferente, como Paris amanheceu hoje.Caminhei em direção a cama e me deitei, quietinha, para ver se o frio que fazia lá fora e aqui dentro, passava por um tempo.


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Acordei e fazia frio dentro do apartamento. A varanda estava entre aberta e a casa cheirava a café. Ao meu lado, ela dormia encolhida em meio a coberta. Levantei-me e fechei a porta da sacada. 

Fazia um dia cinza e triste em Paris, uma fina chuva caia e fiquei um certo tempo admirando a cidade. Paris e ela, eram uma perfeita combinação, as duas sempre estavam em harmonia. Quando comprei esse apartamento, eu sabia que faria muito bem para nós. Só não sabia que poderia não fazer bem a ela em alguns momentos.

Queria conseguir entender o que houve conosco ao longo dos anos. Costumávamos ser um casal de dar inveja a qualquer um. Tínhamos a perfeita sintonia, as vezes eu pensava em uma coisa e ela na mesma hora completava ou falava exatamente o que eu pensava. Por muitas vezes usamos a mesma blusa sem sabermos.

 Quando estávamos juntos, parecia que o mundo sorria pra mim e tudo se encaixava. Parece que perdemos o ritmo e os compassos de nossa música e nos últimos tempos, nunca fazíamos as mesmas notas.

Nossa briga de ontem, me fez perceber o quanto o tempo, foi nos tornando cada vez mais distantes. Meu trabalho muitas vezes não me permitia estar sempre que gostaria e nem ter muito tempo para estar o quanto queria com ela.

 Às vezes, passávamos meses sem nos falarmos e quando voltava pra casa, ela estava diferente de alguma forma: Cabelos, cores, roupas, amigos e já não me sentia mais confiante em lidar com tudo isso. Acho que grande parte do que viramos, foi culpa minha. Ela sempre sorria e dizia que estava tudo bem e eu preferia acreditar nisso, do que admitir meu erro.

Parei em seu lado e me abaixei para admirar seu rosto enquanto ela dormia. Ela tinha uma cara triste, mesmo dormindo e podia ver marcas de lágrimas em seu rosto. 

Ela era linda e mesmo com tanta distancia que tinha tomado conta de nossas vidas, eu estava a disposto a lutar para que ela voltasse a ser como Paris no verão. Alegre e ensolarada. E que nossa vida voltasse a ser furta cor, como era.

Ela lentamente foi abrindo os olhos e ficou parada me olhando com uma expressão vazia, mas seus castanhos pediam que eu não a magoasse mais e que algo tinha que mudar.


Ele me olhava com uma expressão cansada e seus grandes olhos verdes me diziam que eu poderia contar com ele mesmo as coisas sendo difíceis, ele estaria ali por mim.


Passei a mão em seu rosto e senti uma lágrima descer por ela, ambos estávamos cansados de tudo o que aconteceu com os anos, mas ao olhar em seus olhos, parecia que algo dentro de mim, coloria levemente, de novo.Eu me levantei e deitei puxando-a para meus braços e sem nenhuma palavra, nos entendemos o que cada um queria dizer. E naquele momento, senti que tudo voltava a ficar um pouco mais ensolarado, assim como ela e Paris, nós voltamos a ganhar cor.

- FURTA COR  -Where stories live. Discover now