CAPÍTULO ÚNICO

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– Ai, Leo. Eu tô cansado, sabe?

– Peu. Eu te disse pra não se apegar muito, não foi?

– Tá, eu sei. Você é muito mais cético que eu com questões de apego e eu sempre serei um trouxa.

– É por aí mesmo. Enquanto você não aprender a diminuir essa intensidade, as coisas sempre vão acabar assim.

– E eu achando que ia ganhar um colo.

– Ah! Pode parar. Eu todo dia tenho que te animar por causa de um crush que morreu porque simplesmente sumiu e agora virei o malvado. DO NADA.

– Hahahahahahahahaha. Eu te amo tanto, Leo. A gente bem que podia casar, né?

– Hoje não, Faro. Mas aquela promessa de "se tudo der errado" continua de pé.

– Ao menos isso.

– Tá bom, Peu. Preciso desligar. Vamos nos falando por Whatsapp ou sei lá, por cartas. Só tenho que fazer meu almoço, que eu estou morrendo aqui.

– Tá bom, bebê. Te amo, viu? Beijo.

– Beijo. E deixa de ser gado de gente que você nem conhece ainda.

Não tive tempo de argumentar dessa vez, mas Leo geralmente está certo sobre mim. Ele é o meu amigo mais antigo e a pessoa com quem eu mais falo durante a semana. Acho que nos meus momentos de solidão, ele é a única pessoa que consegue me animar com um áudio repentino ou com uma ligação. Isso sempre é raro, já que ele não gosta de falar ao telefone.

Hoje devo ter chegado na marca da décima pessoa que me deixou num vácuo eterno em uma sequência interminável de crushes que comecei nos últimos trinta dias. Talvez o meu jeito de me comunicar seja uma droga ou as pessoas só querem ver uns nudes meus e depois sumir. Acontece, presumo. Até porque, se não acontecer com metade dos seres humanos tentando um relacionamento, isso pode ser racismo ou bifobia ou os dois. Nada impede.

#celular vibra#

– Hey, doido. Me ajuda a escolher uma foto pra postar no Instagram. – Leo mais uma vez preenchendo meu dia com algo. Ele envia quatro fotos, todas no quarto dele. Uma fazendo aquela cara "sexy" genérica com a boca um pouco aberta, outra fazendo a conhecidíssima "bear face", outra fazendo cara de quem está com dúvida de algo com as mãos próximas às bochechas e as sobrancelhas franzidas. A última, essa sim era digna de se postar. Ele está sorrindo e mostrando todas as rugas de expressão dos olhos e da testa.

– A última, meu anjo.

– Nossa! Essa foi a que mais gostei.

– E ainda me perguntou?

– Claro, né? Queria ter certeza de que ia receber uns biscoitos.

– Meu amor, você é o dono da Baudducco. – Leo é esse rapaz de aproximadamente 1,85m, tem barba - hoje em dia um pouco mais baixa, mas ainda volumosa, sempre usa óculos de grau com armações muito legais e meio arredondadas; os cabelos castanhos escuros e ondulados, que, quando crescem, chegam a formar alguns cachos. Por sinal, provavelmente é algum parente de Tony Ramos, porque ele é muito peludo. Mas ele também é branco, então já viu, né? Se estivesse solteiro, não faltariam candidatos. E eu já quis ser um deles.

– Obrigado, Peu. – Ele encerra a conversa.

O dia continua. Meus afazeres tomam conta de tudo, mas é sexta-feira e tudo o que eu quero agora é tomar os meus bons drinks no bar mais próximo sem nem cogitar ir pra casa. E aqui estou eu: sentado num banco de um bar, até que movimentado, com uma taça repleta de gin tônica enquanto o som do bar toca "Side by side", de Ariana Grande, e eu só penso em há quanto tempo não sinto minhas pernas bambas.

"Hora de pedir outro drink.", penso. E antes mesmo de levantar o dedo, um rapaz vem saindo do bar em minha direção.

– Nunca te vi por aqui. Como é o seu nome?

– Ah! Faz um tempo que não venho. Antes, o bar era todo verde e tinha uns discos colados na parede. Agora, ele está bem mais arejado todo de branco e com esses detalhes de madeira com umas plantinhas penduradas. – Ele começa a rir enquanto eu falo e me encara um pouco sério.

– Eu não trabalhava aqui na época, mas você ainda não respondeu minha pergunta. – Ele pisca o olho esquerdo pra mim e me sinto envergonhado.

– Ai, me desculpa. Eu me empolgo demais falando. Meu nome é Pedro, mas meus amigos me chamam de Peu.

– Então eu já sou um de seus amigos? – Mais uma vez fico envergonhado.

– Se você quiser, pode ser sim.

– Meu nome é Leonardo, mas as pessoas aqui me chamam de Leo. – Agora é minha vez de rir.

– Meu melhor amigo se chama Leandro e o apelido dele também é Leo.

– Ah! Então você pode me chamar de Nard. – Mais uma vez, ele pisca o olho esquerdo pra mim.

– Prazer, Nard. Você poderia me trazer outro gin tônica?

– Claro. Esse é por minha conta. – Ele grita: – Felipe! Traz um gin tônica pro Peu aqui, por favor.

– Você não trabalha aqui? – Pergunto meio envergonhado.

– Trabalho quando quero. Eu sou o dono. – Agora sim me sinto muito envergonhado.

– Me desculpa, é que eu não podia imaginar.

– Hahahahahahahahaha. Tudo bem, Peu. Eu estava te olhando desde que você chegou e decidi que devíamos conversar um pouco.

– Logo comigo? Tanta gente linda nesse lugar. Olha aquela mulher bem na entrada do bar!!! – Aponto com o queixo. – Eu entrei imaginando que casaríamos e construiríamos uma família.

Continuo:

– Olha aquele tatuado ali! – Aponto com o dedo pro rapaz sentado na mesa encostada na parede do bar. – Eu poderia viver beijando ele, mas eu sou interessante?

– Hahahahahahaha. Além de interessante, é divertido. E... bissexual?

– Sim, sou.

– Então, somos dois. Mais um ponto pra você. - Enquanto sorríamos, o tal Felipe trouxe outra taça de gin tônica para mim. Continuei conversando com Nard mais alguns minutos até que ele precisou atender um telefonema. Não demorei pra contar tudo o que aconteceu pro Leo e, claro, ele me alertou mais uma vez sobre minha intensidade.

Antes que eu terminasse minha segunda taça de gin tônica, Nard volta, ainda com o celular no ouvido, e fazendo gestos de quem está triste com a ligação. Ele chega perto de mim e me entrega um pedaço de papel piscando o olho esquerdo e faz sinal de que precisa sair. Minha curiosidade é muito grande, e só bastou ele dar as costas pra que eu abrisse o papel dobrado.

"Cinema amanhã às 15hs? Manda um 'oi' aqui neste número!"

– Será que vou me arrepender disso? – Mesmo pensando sobre isso, mando uma mensagem. Ainda acredito que só se vive uma vez.

Gin TônicaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora