A pequena vampira

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O céu estava começando a clarear do lado de fora da janela do quarto de Luce. Era quase de manhã e ela ainda não havia dormido, de novo. Tinha passado a madrugada no computador, navegando no Tumblr, como todas as noites anteriores.

Sua avó, ao ver que ela não dormia nada, sempre reclamava para seus pais de como ela estava se tornando uma pré-adolescente irresponsável e que deveria estar criando maus hábitos influenciada por "amigos na internet".

— Antes fosse — murmurava Luce toda vez.

Seu problema, porém, não era alguma amizade — que ela não tinha, nem na internet ou fora dela.

A menina pegou sua xícara na cabeceira ao lado da cama e tomou um último gole do chá de frutas vermelhas, seu favorito.

Ainda com o notebook em seu colo, fechou os olhos, vencida pelo cansaço.

Sem pedir permissão, memórias extremamente vívidas preencheram sua mente, seus sentidos, seu corpo. Aquela noite, aquela maldita noite, tinha acontecido há um ano e ela ainda conseguia se lembrar do sangue escorrendo pela sua boca, dos cheiros, de como suas mãos estavam geladas e do som de chuva lá fora.

Ela também se lembrava de ter amaldiçoado silenciosamente seus pais. Por muito tempo os culpou pelo que aconteceu. E culpou sua avó, por ter ficado doente e ter sido internada no hospital, levando seus pais a arranjarem alternativas para que Luce não ficasse sozinha em casa.

Ela tinha insistido que não precisava de uma babá, conseguiria cuidar de si mesma por uma noite.

Mas eles não a ouviram. Por que eles não me ouviram?, pensou.

Olhando o que tinha feito, estava paralisada.

O terrível gosto de sangue em sua boca...

Luce estava acostumada às reações de outras crianças de sua idade quando a viam, ainda que fosse doloroso. Mas quando o jovem garoto contratado como babá a perseguiu dentro de sua própria casa, no único lugar onde se sentia segura, a menina fez a única coisa que conseguia para se proteger. Algo parecido com o que o tipo de monstro como era chamada faria. Ela usou seus dentes anormalmente pontudos, aqueles que faziam as crianças gritarem e correrem.

O sangue em sua boca... Não era seu.

Naquele momento, ela não sentia remorso pela garganta rasgada do jovem jogado no chão de sua casa. Ele teve o que mereceu, pensou. Mas acreditariam nela quando dissesse que estava apenas se defendendo? O que fariam quando vissem o que ela tinha feito? Seria presa? Queimada?

Vampira. Monstro. Ela podia ouvir a voz dele ecoar em sua mente, misturado aos gritos e choros das outras crianças na escola e nos parquinhos. Será que eles estão certos? Podia ainda o sentir ele a sacudindo, machucando seus finos e frágeis braços.

Luce viu o olhar assustado de sua mãe quando ela entrou, minutos depois do incidente, no quarto ensanguentado. Tentou adivinhar o que se passava na cabeça dela. Provavelmente ela também acreditava que sua filha era um monstro. Após um longo silêncio, porém, sua mãe disse a última coisa que Luce esperava que ela dissesse.

— Eu vou cuidar disso pra você. Tome um banho e vá dormir no meu quarto.

A menina obedeceu a sua mãe sem dizer nada. Finalmente conseguia se mover. Não sabia exatamente o que ela tinha feito, mas no dia seguinte tudo parecia normal. Sem corpos no seu quarto. Sem sangue no chão. Apenas cartazes de desaparecido nas ruas dias mais tarde e algumas visitas policiais que, apesar de deixarem Luce apavorada, sua mãe parecia contornar perfeitamente.

Desaparecido, dizem. Mas a pequena vampira sabia exatamente onde o garoto estava, pois aparecia em seus sonhos todas as vezes que ela dormia. Luce ainda conseguia ver sangue em sua boca de vez em quando ao se olhar no espelho. Mesmo depois de meses ela ainda parecia marcada de alguma forma. Toda vez que fechava os olhos, revivia a cena novamente.

Então ela os abriu, lutando contra o sono mais uma vez. Manter-se acordada era a única forma de se livrar daquele pesadelo.

A pequena vampiraOù les histoires vivent. Découvrez maintenant