II
Depois que mataram a jiboia, jararaca deita e rola
Almir Guineto, Jiboia
Enquanto se dirigiam para a quadra da Beija-Flor, Luzia ficou curiosa sobre seu novo companheiro de trabalho, que parecia mais surfista do que policial. Embora evitasse pré-julgamentos, até por ser constantemente vítima deles, a delegada não deixou de admirar a beleza e o estilo de Lourenço.
- Me conte, Lourenço, faz muito tempo que você está na polícia?
- Não muito, Doutora... Um ano.
- Novato! E já transferido?
- Pois é. É que eu não levo desaforo pra casa.
- Ah é? E de quem você não engoliu gracinha?
- Do delegado.
Chico olhou para Luzia e abriu um leve sorriso. O clima de uma pequena saia justa pairou no carro durante aqueles segundos. A delegada logo recobrou o rebolado.
- Ah, é? E por que, Lourenço?
Lourenço respirou fundo e começou a contar sua história. Tinha trabalhado na 38ª DP, em Vicente de Carvalho. Ali, na proximidade com Rocha Miranda, os cavalos corredores da PM ainda ecoavam e não havia espaço para hesitações. Mesmo em um ambiente hostil, o policial foi conquistando espaço e respeito. Não topava esquemas, não queria participar de negociatas, nem sequer saber do que se tratava, o que deixava perplexo e, de certa forma indignado, o delegado responsável.
Luzia escutava cada detalhe da história com atenção. Os olhos de Lourenço brilhavam, mas não se via nenhum resquício de tristeza ou arrependimento. Apenas altivez. E aquela altivez encantava a delegada. E então ele continuou:
- Certa vez, eu estava andando pela praia, de mãos dadas, quando dois integrantes da delegacia me viram. Um deles era o delegado. Ele me interpelou no meio da rua, me questionou, começou a me xingar...
A delegada não entendeu o porquê daquela ofensa, de forma gratuita. Mas antes que fizesse a pergunta, Chico se antecipou:
- Mas por que ele fez isso, Lourenço? Você estava saindo com a mulher do delegado?!
Lourenço olhou nos olhos de Francisco e abriu um sorriso:
- Não. Eu estava com meu namorado. Eu sou gay.
Chico e Luzia esbugalharam os olhos; ele porque era religioso e nunca tinha visto isso na polícia, ao menos não de forma tão firme e assumida; ela porque não tinha imaginado mesmo, inclusive, tinha achado Lourenço extremamente interessante e charmoso.
Observando a surpresa dos companheiros, Lourenço continuou:
- Sim, sou gay. Algum problema com isso?
Luzia e Chico apressaram-se em dizer não e o novato prosseguiu:
- Então, o delegado me empurrou e tentou me agredir. Tentou me dar um, dois, três socos. Estava meio bêbado...
A delegada então perguntou:
- E aí? Você deu um soco nele?
- Não. Eu sou contramestre de capoeira. Eu dei um rabo de arraia, uma benção e um martelo cruzado. Quebrei duas costelas e a mandíbula dele, com mais dois dentes de bônus. E ainda o obriguei a pedir desculpas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dezena, Centena e Milhar
RomanceAnos 2000, Baixada Fluminense. Policiais se deparam com um crime envolvendo um famoso contraventor, ocorrido em pleno ensaio de uma das escolas de samba mais famosas do Rio de Janeiro. "Dezena, Centena e Milhar" mostra como a equipe de "Amém" é form...