V
A única bagagem que você pode trazer é tudo que você não pode deixar para trás
U2, Walk On
A demora do funcionário em abrir o portão do motel deixou Jesus impaciente. Aquele minuto, que pareceu uma eternidade, fez um calafrio percorrer a espinha do policial. Jorge estava no banco de trás do carro, juntamente com Morena e MZ, ambos algemados. Quando finalmente a porta de metal começou a correr, a saída estava obstruída: Marcilinho e João Cruzado haviam atravessado uma caminhonete na frente do Premier, acompanhados de três dos seus capangas. Chico observou todo o movimento à distância e silenciosamente se posicionou para não ser visto pelos oponentes.
Marcilinho, filho mais velho do bicheiro Marcilão, abriu o sorriso, no qual reluzia um dente de ouro de dezoito quilates e cumprimentou ironicamente os policiais:
— Olá! Podem sair do carro, palhaços!
Sua pistola cromada brilhava com os raios do sol daquela tarde abafada. Jesus o fitou demoradamente. Pensava no que fazer naquele momento. Jorge olhou para seu amigo e, elétrico, perguntou:
— E agora, meu camarada, vamo pra cima deles? Tô pronto!
Enquanto decidiam a estratégia, o cantar de pneus vindo da esquina anunciava a chegada de Luzia e Lourenço. Ao vê-los despontar, Chico finalmente saiu de sua posição e chamou a atenção dos filhos do bicheiro:
— Marcilinho e João Cruzado, a brincadeira é de gente grande! Vocês estão cercados!
João Cruzado, o mais estourado dos filhos, não se fez de rogado, puxando sua arma:
— E daí?
Lourenço saiu do carro, juntamente com Luzia e rapidamente mostrou os dois capangas algemados:
— E daí que não é boa ideia um tiroteio à luz do dia. Ou é?
Jesus saiu do carro com sua arma na mão, enquanto Jorge fez o mesmo movimento, usando MZ de escudo. Naquele momento, a porta do Hotel Premier parecia um tabuleiro de War, com todos querendo atacar, mas precisando se defender. A visão periférica era posta à prova naquele momento. O silêncio de chumbo era pior do que qualquer bravata.
Luzia, então, quebrou o ar pesado:
— Marcilinho! João Cruzado! Baixem as armas e mandem os seguranças fazerem o mesmo, antes que isso vire uma chacina. Seu irmão e a companheira dele serão levados, foram presos em flagrante.
Marcilinho rebateu:
— Que porra de flagrante foi esse? Dentro do motel?! Não se pode nem se divertir em paz?!
Jesus rebateu:
— Amigo, seu irmão tinha cocaína suficiente pra abrir uma filial do Cartel de Medellin. Haja nariz.
João Cruzado o interpelou:
— Vai se fuder, meganha. Eu não sou teu amigo.
— Ô, palhaço, eu não falei contigo. Cala a porra da tua boca.
— Eu vou dar um tiro na tua cara!
Neste momento, Jorge destravou a arma e a colocou na têmpora de Mela Zorba:
— Escuta aqui, João Cruzado, eu já tô de saco cheio dessa discussão sem pé nem cabeça. A gente vai levar seu irmão pra delegacia agora, junto com Morena, senão eu vou estourar a cabeça dele e, antes que vocês atirem, a gente criva todo mundo de balas em legítima defesa. Vocês entenderam?
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Dezena, Centena e Milhar
RomanceAnos 2000, Baixada Fluminense. Policiais se deparam com um crime envolvendo um famoso contraventor, ocorrido em pleno ensaio de uma das escolas de samba mais famosas do Rio de Janeiro. "Dezena, Centena e Milhar" mostra como a equipe de "Amém" é form...