Condutoras

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“Só podia ser mulher! Nessas horas eu sou machista...”.

Quem disse isso foi uma mulher. Ela estava dirigindo o carro, e eu era o carona. No cruzamento, alguma outra mulher conduzia seu carro sem muita pressa, o que é sempre um incômodo para o mundo do fast food.

Mas eu não estou aqui para falar de fast food, e sim de machismo. Já pararam para pensar? – São as mães, são as mulheres, primordialmente, quem ensinam seus filhos e filhas a serem machistas. Ou, pelo menos, a maioria pouco faz para evitar a sedução do pensamento machista na maior parte das sociedades do mundo.

Em comerciais de TV (inclusive de carros), músicas pop, novelas, e até mesmo na literatura softcorealtamente vendável: o machismo ainda está por toda a parte. Mas é claro que as coisas mudaram: hoje em dia, na maior parte do mundo civilizado, as mulheres tem alma, podem escolher com quem vão se casar, tem direito ao voto, e estão a caminho de ganhar quase tanto quanto os homens pela mesma função no trabalho. Dizem até que no ensino superior já ultrapassaram os homens há algum tempo, ao menos em porcentagem de inscritos... Então, qual é o problema?

O problema está na origem do machismo, isto é, na origem do mundo patriarcal. Como alguns devem saber, há muito, muito tempo, a maioria das sociedades tribais era matriarcal, pois eram as mulheres, as sacerdotisas, quem “dominavam” os mistérios da vida, e da Deusa Mãe. Era somente através delas que novos seres humanos chegavam a Terra, e por isso parecia justo que fossem elas as responsáveis por organizar e celebrar os cultos e rituais religiosos.

Então chegou a agricultura. No início, deu ainda mais poder as mulheres: afinal, elas já cuidavam de organizar a tribo enquanto os caçadores-coletores se arriscavam no meio selvagem. Agora cuidavam também da plantação e do estoque de grãos. Estocar comida, isto sim, era algo inédito na história humana. Infelizmente, nem todas as tribos tinham a mesma habilidade para tal função.

Em épocas de fome, tribos de nômades pensaram assim: “Porque me arriscar a caçar na selva, se posso simplesmente invadir aquela tribo onde há vasos cheios de comida estocada, e somente mulheres cuidando dela?”. Os caçadores nômades passaram a invadir tribos estabelecidas, e foi então que o mundo viu o surgimento do primeiro exército: um grupo de caçadores passou a ser pago em comida, para proteger a comida.

Ainda que todo soldado sirva, idealmente, para manter a paz, na prática foi com violência e sangue, muito sangue derramado, que ela vem sendo mantida desde então. O matriarcado não fazia mais sentido num mundo violento. A Deusa Mãe tornou-se submissa ao Deus Pai. Freyja tornou-se apenas a esposa de Wotan.

O machismo está, portanto, intimamente ligado à violência, a ideia de que “os homens são fortes e lhe protegem, mas não os irrite porque eles são mais fortes que você”. Então, se na teoria o machismo pode parecer somente algo engraçado que aparece de vez em quando na TV, na prática o que ele gera são estatísticas alarmantes de violência doméstica e estupros. E isto não aparecia na TV até pouco tempo, mas mesmo o que aparece é somente a ponta do iceberg...

No entanto, isto não responde a pergunta: “se o machismo é tão nocivo as mulheres, porque grande parte delas, quem sabe a maioria, é machista?”.

Neste caso, precisaremos recorrer a mitologia: Enquanto boa parte das deusas perdeu sua força ancestral, o gênero feminino conseguiu se manter no pensamento masculino como uma espécie de joia preciosa, de troféu... A musa que dá inspiração aos artistas, a princesa que precisa ser resgatada de algum monstro vil (e que é ela mesma o prêmio da aventura), a miss que, com sua beleza, reina sobre homens e mulheres.

E, conforme os mitos não existem, mas existem sempre, isto significa que existem ainda neste momento. Talvez por isso muitas mulheres aceitem o machismo. Elas podem até saber, ainda que inconscientemente, que correm algum risco de serem estupradas ou esbofeteadas ocasionalmente num mundo de homens machistas, mas talvez aceitem o risco pela possibilidade de serem, elas mesmas, o grande prêmio cobiçado por todos!

Qual mulher machista, afinal, não quer ser a musa, a princesa prometida ao grande herói, a miss universo, a mais bela de todo o mundo, de todo o Cosmos?

E isto só é possível num mundo machista. Num mundo machista as mulheres que são mais cobiçadas não são exatamente aquelas donas do próprio nariz, senhoras de si, livres pensadoras, mas sim aquelas que esperam, tal qual a princesa do castelo, pelo príncipe encantado. Num mundo machista estamos atrás de mulheres-troféu. E as mulheres machistas, afinal, querem muito ser este troféu tão adorado.

Infelizmente para elas, e felizmente para os que desejam um novo mundo, a grande maioria das mulheres não alcança tal posto... Um dia, quem sabe, elas cansem das dietas milagrosas e da obseção pela estética, e se voltem para dentro, e descubram a si mesmas, e rasguem esta ridícula veste de princesa que as limitam por todos os lados. Quem sabe, um dia, as mulheres aceitem a celulite e algum tanto de culote.

Neste dia o machismo estará em sérios apuros. Neste dia a Deusa Mãe, e a sensibilidade, e o amor e respeito a Natureza, e o amor e respeito a integridade da mulher, estará em vias de retomar seu lugar no mundo. Não um lugar de dominância, acima do Deus Pai, pois neste novo mundo Deus poderá ser, finalmente, Pai e Mãe!

E, em toda essa história, teremos citado apenas uma lenda, um mito efetivamente falso: As mulheres são melhores condutoras de automóveis que os homens, e já faz algum tempo. Se duvidam, pesquisem pelo preço do seguro para homens, e para mulheres.

O que falta a mulher é, portanto, ser a condutora da própria vida. Os homens, afinal, não as deixaram num mundo tão maravilhoso assim. O príncipe encantado, e seu Reino Encantado, podem existir no futuro, não hoje.

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