Natal fora de época

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Era minha segunda semana como cupido substituta quando aquele caso caiu em nossas mãos.

— É um casal — Paco me informou com um sorriso enorme, me encontrando na frente da escola logo após o fim da minha última aula do dia. — Bem do jeitinho que você gosta, Lili.

Ele estava certo. Casais eram meus alvos preferidos.

Amor não correspondido me fazia estremecer, e eu frequentemente me via querendo desobedecer às ordens superiores do conselho dos cupidos. Infelizmente, já que cupidos são sádicos, casais felizes eram uma raridade na nossa lista de alvos.

Olhei ao redor para me certificar de que não tinha ninguém por perto para testemunhar minha conversa com um cupido invisível, então voltei a encará-lo. Estreitei os olhos.

— E qual é a pegadinha?

Sempre tinha uma pegadinha.

Paco ergueu as mãos em um gesto de inocência.

— Não tem pegadinha. — O sorriso dele aumentou. — Eu juro.

Não que eu tenha acreditado, mas resolvi não discutir e, em vez disso, o segui até sua casa, onde ele finalmente tirou o cinto da invisibilidade e pudemos ficar mais confortáveis para traçar nossos planos.

— Mayara Gouveia — Paco leu em voz alta o nome do primeiro alvo de nosso novo casal.

Do lado oposto do sofá, com as pernas esticadas como se a casa fosse minha, inspecionei o rosto do cupido. Algo não parecia certo. O brilho em seus olhos estava mais intenso que o normal.

— O que é? Você jurou que não tinha pegadinha — lembrei, apontando para ele de forma acusatória.

Paco sacudiu a cabeça.

— E não tem.

— Então que cara é essa?

— A única que eu tenho.

— Paco... — Suspirei, cansada.

Ele suspirou também, mas sem deixar de sorrir. Então,abaixou o tablet sobre a mesinha de centro e ergueu as sobrancelhas de forma traiçoeira.

— Digamos que, como você, ela tem certa fama no meu mundo.

Meu corpo inteiro arrepiou e, para disfarçar, me endireitei no sofá.

— Ah, não...

Paco soltou uma risada e segurou a minha mão de forma muito casual.

— Calma. No caso dela, não é uma fama ruim.

Suspirei, aliviada, e só então a ficha caiu.

— Peraí. No caso dela? E no meu? É tão ruim assim, é?

Ele encolheu os ombros com uma cara culpada e mudou o assunto.

— A Mayara é uma lenda no mundo dos cupidos. Ela ama o amor!

Levantei as sobrancelhas.

— Ok — falei calmamente, tentando não me estressar com o linguajar meloso dos cupidos, nem me sentir mal por a garota ter uma reputação melhor que a minha entre eles. — E o que isso significa, exatamente?

Paco sorriu.

— Você vai ver — disse simplesmente, todo enigmático.

E então se levantou e foi até a cozinha americana para fazer um chá.

Eu revirei os olhos e peguei o tablet para conferir por mim mesma. De início, o perfil da tal Mayara parecia bem normal. 

Vinte e quatro anos. Filha única. Formada em pedagogia. Professora. Homossexual. Aromática.

Natal fora de época (Um conto de Eu, cupido)Where stories live. Discover now