2 - A QUEBRA DO PACTO

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Era dia. A grande metrópole pulsava agitadamente em suas infinitas vias. Milhões de carros e pessoas andavam em direções pré-definidas. Era assim que era todos os dias, o dinheiro precisava girar e para isso tudo girava também. Nada era estático, tudo estava em movimento enquanto esse fluxos se retroalimentavam em diferentes sentidos exatamente igual um coração. De dia, São Paulo era um caos labiríntico e cinzento, e as fronteiras entre as inúmeras cidades que existiam dentro de uma só, durante esse específico momento, diminuíam. Tudo por que dentro desses fluxos, imersos nessas vias estavam todos os tipos de cidadãos, de todas as cidades, os caminhos eram os mesmos para todos, ou quase todos. 

De dia era o movimento, a busca pelo dinheiro e a obrigação sistêmica de continuar o ritmo do mecanismo econômico, era apenas isso que obrigava pessoas de mais ou menos poder a estarem juntas pelo menos por certo tempo em um mesmo lugar: os caminhos. As milhões de rodovias e estradas que interligavam absolutamente tudo seja por cima da terra ou por baixo. De noite a cidade se aquietava e as fronteiras voltavam a se expandir, bastava apenas chegar em casa e fechar suas cortinas e pronto, estavam todos prontos para viver de novo a ilusão de que continuavam conectados com o mundo por meio dos dispositivos que não saiam de suas mãos. No entanto, a ilusão do dia não era a distância, era o sistema em si. Era justamente esse véu sistêmico controlado por poderosos que mantinha as pessoas cegas e presas em suas funções, completamente anestesiadas. Elas acordavam todos os dias repetindo as mesmas funções sem pensar, passavam todos os dias por moradores de rua e instantes depois por arranha-céus que sediavam grandes bancos. 

E é em um dos últimos andares de um desses grandes arranha-céus que nos encontramos agora. Embora nas dezenas de andares abaixo desse andar em específico tivessem centenas de trabalhadores ansiosos correndo para lá e para cá para repetir funções extremamente exaustivas na falsa esperança de um dia ascender naquele perverso e ao mesmo tempo encantador jogo de poder e influência, aquele andar não era bem assim. Ele era mais calmo, mais luxuoso, mais silencioso e mais frio. O chão era de mármore branco, as luzes eram brancas, o teto também. Os únicos elementos que traziam um pouco mais de cor para aquele ambiente eram os vários expositores com prateleiras e mais prateleiras de documentos e fotos antigas, medalhas de guerra, livros, armas e itens diversos que pareciam ter mais de dois séculos.

No fim daquele corredor havia uma enorme porta vermelha, seus adornos neoclássicos contrastavam com o resto do estilo daquele lugar, mas conversavam com quantidade de história contida naqueles expositores. Mais a frente ao lado tinha um balcão de recepção que lembrava uma mesa de madeira antiga pela quantidade de adornos e rococós, porém era pintada de um vermelho intenso exatamente como a porta ao fundo. Atrás dela havia uma mulher velha que usava um par de óculos com uma armação preta e fina, seus cabelos pretos eram partidos em dois e escorriam ao longo do rosto até a altura dos ombros. Seus olhos se deslocam imediatamente para o elevador no outro lado da sala quando as portas do mesmo começam a se abrir revelando uma entidade que emitia uma energia intrinsicamente diferente de tudo que havia ali enquanto o som de salto alto começava a ecoar por toda a sala.

A mulher preta e alta cruzava a sala como fosse uma passarela, o pouco que se via de seu rosto escondido sobre o par de óculos escuros pousados no fim do nariz e um chapéu preto e brilhante como um disco de vinil, era uma maquiagem preta em seus olhos negros e um delineado tão dourado quanto o batom em seus lábios. Aliás as únicas peças em seu corpo que não eram totalmente pretas eram as grandes joias douradas: vários anéis, dois braceletes, uma gargantilha de anéis dourados e brincos em estilo africano. Ela não tinha pelos no lugar das sobrancelhas e tinha seu cabelo completamente raspado também. 

- Pois não? - Disse a secretária ainda assustada com a presença daquela mulher que continuava a cruzar a sala em linha reta em direção a porta vermelha. - Quem deixou você entrar aqui?

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