Capítulo 2

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Rosalinda

Corro os olhos pelo quarto pequeno com as paredes ainda pintadas de rosa, boa parte delas descascando por causa da infiltração do banheiro ao lado.

Um pedaço de fita adesiva ainda está colada a parede onde uns anos atrás o poster do Leonardo di Caprio me fazia companhia nas horas de descanso. Meu coração se aperta com saudade da minha infância, da minha adolescência, antes das coisas darem errado.

Meu pai sempre foi tão honesto, tão esforçado, só pensava na esposa e nos dois filhos, quando se foi, não deixou nada, um homem digno que nos deixou sem aviso num infarto fulminante no trabalho, era um dia qualquer, não teve aviso, preparação, ninguém sabia que iria acontecer, ninguém soube como aconteceu, mas aconteceu e eu fiquei cedo demais sem pai.

Mamãe e meu irmão José foram trabalhar, ele tinha doze anos, eu dez e fiquei em casa, dividida entre estudar e cuidar de tudo. Queria ser professora, entre limpar a casa, cozinhar e sonhar com o meu casamento com Leo Di Caprio, eu brincava de dar aulas, assim crescemos.

José decidiu mudar de país, depois de uma longa conversa com amigos, que estava pagando um coiote para atravessar com toda a família para o Arizona onde ele garantiu que havia bons empregos a espera.

Meu irmão ficou fascinado com a ideia e se enfiou em uma viagem perigosa rumo aos Estados Unidos, depois de juntar o dinheiro, demos todo que tínhamos, era um sonho para ele e a noiva Maria, começar uma vida em um lugar melhor, quem sabe depois de uns anos juntando dinheiro por lá, seguiriam para o Canadá e lá teriam seus filhos. Minha mãe ficou tão orgulhosa dos planos dele, foi tão difícil juntar o dinheiro necessário, mas ele foi, saiu uma noite com uma mochila e a noiva, decidido e animado, cheio de sonhos.

A primeira carta que recebemos deles chegou quase quatro meses depois, viveram dias muito difíceis, mas fizeram a travessia e se esconderam por um tempo, depois conseguiram empregos, deviam mandar dinheiro para ajudar minha mãe, mas Maria ficou grávida e tudo que ganhavam era preciso guardar.

Adeus sonho de ser professora, minha vida era trabalho e só, ajudar em casa e tentar manter as contas enquanto pagávamos o empréstimo que mamãe fez para ajudar José, quando minha mãe ficou doente, Mandy tinha acabado de nascer nos Estados Unidos, recebemos sua foto e um endereço para correspondência, a vida deles estava prosperando, meu irmão queria muito que fossemos ficar com ele e minha mãe sonhava tanto com isso, mas a doença não permitiu.

Por meses ela consumiu todo nosso dinheiro e forças, até que por fim, levou também sua vida, meu irmão não veio se despedir, apenas eu estava lá e depois não restou mais nada, mas José queria tanto que eu fosse encontrá-lo e toda vez que nos falávamos ele fazia o pedido.

Passei semanas vivendo como um zumbi, perambulando pela vida sem perceber nada a minha volta. Trabalho, casa, televisão, até que eu percebi que estava desperdiçando qualquer chance de ser feliz.

Mandy estava completando um aninho e a fotinho dela me deu esperanças, pensar que tinha uma sobrinha que nunca abracei, que mamãe não pode pegar nos braços, aceitar o convite dele para imigrar foi a coisa mais louca que já fiz.

José e Maria ainda vivem como ilegais, eu teria que seguir o mesmo caminho, contratar um coiote e me arriscar, podia terminar de muitos modos, mas meu irmão estava sempre insistindo e me enviou uma parte do dinheiro.

Vendi tudo, todos os móveis, todos os utensílios, tudo que havia dentro da casa foi vendido, até minhas roupas em um brechó, fiquei apenas com uma mochila de roupas e as fotos da família, tudo que eu levaria na travessia.

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⏰ Last updated: May 30, 2023 ⏰

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