A Caixa Azul

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A sala de Kian Morris ficava no sétimo andar de um antigo prédio no centro da cidade. Sua decoração era básica, tudo em tons de bege e marrom. Havia uma grandiosa estante de livros na parede oposta a sua mesa de trabalho, perto de seu diploma de psiquiatria que ele fizera questão de emoldurar anos atrás, além de duas confortáveis poltronas de couro onde seus pacientes e ele se sentavam e discutiam sobre seus problemas.

Sua filha, Agnes, costumava dizer que aquele lugar era morto, mas Kian não concordava. Achava que o ambiente transmitia uma certa tranquilidade e que era isso que seus pacientes procuravam encontrar quando viessem a um psiquiatra. Contudo, a jovem havia comprado um belíssimo tapete persa, e cortinas de cor sépia para as janelas afirmando que isso tornaria a sala mais aconchegante. Todavia, Kian duvidava que o estranho homem com aquela terrível cicatriz que atravessava seus lábios no canto esquerdo se sentisse melhor naquele lugar graças a patéticos itens de decoração.

Ele entrara silenciosamente na sala, fizera uma saudação com a cabeça para o psiquiatra e se sentara em uma das poltronas em frente a Kian. O sujeito carregava uma pequena caixa de papelão pintada de azul debaixo do braço, ela se parecia muito com as embalagens de comida de um restaurante italiano à duas quadras dali. Morris esperou que William Desjardin abrisse a caixa e lhe mostrasse algo curioso ou pelo menos começasse a falar sobre sua vida problemática, mas ele apenas ficou sentando ali, balançando um dos pés sobre o tapete fazendo com que ele se enrolasse.

—Então, Will, posso te chamar assim? -perguntou Kian enquanto ajeitava seus óculos. William balançou a cabeça positivamente e ele continuou- Que tal você me falar um pouco sobre sua vida?

Will produziu um pequeno grunhido e falou em uma voz rouca que lembrou a Kian a voz dos antigos locutores de rádio dos anos 80:

—Não sei por onde começar.

—Que tal por como você conseguiu está cicatriz no seu rosto.

Automaticamente Will levou uma de suas mãos ao rosto e com o polegar alisou a marca em sua boca dizendo:

—Foi um acidente. Aconteceu em abril de 1990. Minha irmã mais velha havia saído com o namorado escondido de nosso pai e Stanley tinha um certo ciumes dela, coisa de pai maluco. Queria manter os "abutres" longe da filha. Quando minha irmã chegou, houve uma grande briga entre os dois. Mas Stanley era meio ruim da cabeça. Você entende? Era açougueiro e a casa vivia cheia de facas, pegou uma e avançou sobre ela dizendo que ia desfigurar o rosto dela para que nenhum pervertido se aproximasse. Aí eu me enfiei no meio.

Desjardin havia dito a última frase com um certo sorriso nos lábios. Como se tivesse orgulho de seu ato descuidado, e de certa forma deveria ter. Afinal, tinha impedido um catástrofe. Entretanto, aquele sorriso fizera Will parecer um psicopata, e Kian concluiu que com certeza Stanley não era o único com sérios problemas mentais na família.

—Isso deve ter sido horrível para você. Isso com toda certeza gerou um ódio mortal de você por Stanley.

Will deu de ombros e se empertigou na cadeira ainda com o polegar sobre a cicatriz.

—Nem tanto. Eu não poderia odiar verdadeiramente aquele filho da mãe, porque às vezes eu acho que me pareço muito com ele.

A fala de Will acabou fazendo os pelos do braço de Kian se arrepiar e sem pensar duas vezes ele puxou as mangas de sua camisa para tentar esconder aquela reação espontânea. Nunca ocorrera tal coisa com ele antes, apesar de ter ouvido diversas histórias como essa, a de William Desjardin havia o perturbado. "É o modo como ele fala" - pensou Kian.

Percebendo a perturbação do psiquiatra, Will sorriu novamente, tirou a caixa azul de baixo do braço e a colocou sobre uma mesinha que estava entre a poltrona dos dois. Por um momento, Kian pensou que ele a abriria, entretanto, os olhos do homem se voltaram para um porta retrato que estava na mesa do doutor. Nele se encontrava a foto de Agnes com um belo sorriso nos lábios segurando as pontas de um vestido branco sem mangas. Ela era uma garota loira de lindos olhos azuis e era a cópia perfeita da mãe. Isso causava alegria e ao mesmo tempo dor a Morris. A mulher de Kian, Constance, morrera há três anos, a causa, um terrível câncer pulmonar. E a cada vez que Kian olhava para a garota sentia uma saudade profunda de sua esposa.

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