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Cecília's POV

Eu odeio me encaixar em estereótipos, mas quando se divide um apartamento de três quartos e um banheiro com outras oito garotas, é o que acontece. Felizmente, não preciso me preocupar com maquiagem, ou cabelo, pelo menos hoje, mas parece que todo mundo decidiu se depilar justamente ao mesmo tempo.

Passo pela cozinha aonde Paola está sentada na bancada com os pés dentro da pia, raspando suas longas pernas negras, faço uma careta enquanto pego meu copo térmico e o encho com café.

— Não olha assim para mim, Domenico me mataria se eu chegasse parecendo o Tarzan — ela diz sem desviar a atenção.

Saio sem dizer uma palavra, gostaria de dizer que ela não deveria trabalhar para uma marca que se importa mais com coisas desse nível e menos com entregar coerência nos trabalhos, mas quem sou eu para julgar?

A verdade é que não podemos nos dar esse luxo, somos nove estrangeiras morando na periferia de Paris tentando nos tornar as próximas Linda Evangelista, escolher quais oportunidades iriamos aceitar não estava nos planos, não éramos nenhumas nepo babys que ganhariam dinheiro só por respirar na passarela.

Subo pelas escadas do metrô, pulando de dois em dois, e logo estou correndo pelas ruas movimentadas desde já, os papparazis começavam a se acumular, e isso só apontava o quão atrasada eu estava.

Entro pelos fundos após me identificar, caminho até o backstage onde sou recebida pelo próprio Nicolas Ghesquière.

— Você disse que chegaria a tempo — cruza os braços me encarando.

— Tenta dividir um banheiro com outras oito modelos e me diz se você consegue chegar a tempo — tiro minha bolsa do ombro e a coloco no armário designado com meu nome, começando a me despir ali mesmo.

— Agilidade, Cecília — ele começa a me empurrar em direção à linha de maquiadores. — Não pode continuar insolente assim se quer prosperar na carreira.

— Kendall Jenner é insolente assim — respondo quando me sento de frente para o espelho.

— Kendall Jenner nasceu em berço de ouro, já você... — me analisa de cima a baixo com falso desdém. — Nasceu em um hospital? Nem sei se tem um no buraco de onde você veio — ergo meu dedo médio em sua direção enquanto ele se afasta rindo.

Não sei em qual momento conquistei o designer, e nem porquê. Gosto de pensar que foi pelo meu talento, mas acho que foi por causa de minha língua afiada. Pelo menos para isso ela deveria prestar.

Ser uma garota brasileira fora dos padrões tentando uma carreira de modelo não era fácil, eu estava estritamente proibida de pisar no mesmo lugar que qualquer umas das cacuras que são donas da Dolce&Gabbana desde que os mandei tomar no cu após me recomendarem ser bulímica para perder peso.

Mas, Ghesquière gostava de mim, sempre entrava em contato pessoalmente quando alguma campanha estava por vir, ou a temporada de desfiles, eu era o rosto menos conhecido da marca, e o mesmo dizia o quão injusto era um rosto como o meu não estar sendo foco de briga entre as maiores grifes do mundo da moda. Ele se considerava um pirata que encontrara seu mais precioso tesouro.

Encaro a câmera à minha frente, virando de perfil conforme o fotógrafo ordena. Vestida com uma mini saia com estampa floral, um top branco reluzente e uma jaqueta combinando com a saia, mocassins marrons com meias 3/4 e uma tiara mantendo meu cabelo volumoso longe do meu rosto. Eu gostaria de saber fazer o que eles fazem com ele em casa, os cachos se vão dando origem a belas ondas que relembram os anos 90. Me sinto uma Blair Wardolf mais corpulenta.

Ignorando o fato de que Anna Wintour estava na primeira fileira me julgando, eu piso na passarela, mantendo meus passos firmes, na mesma linha e cuidando para não tropeçar, detestava desfilar com qualquer coisa que não fossem saltos 15cm, mas ainda assim, dou o meu melhor.

LOVEHAPPY - KNJOnde histórias criam vida. Descubra agora